23/02/2011
Filiação do ANDES-SN à CSP- Conlutas é aprovada no 30º Congresso do Sindicato Nacional
A  unidade da classe trabalhadora permeou as várias intervenções de um dos  mais aguardados temas da plenária do 30º Congresso do ANDES-SN: a  filiação do Sindicato Nacional à Central Sindical e Popular (CSP-  Conlutas), deliberada na noite deste domingo (20), último dia das  atividades. 
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Antes  da votação, no púlpito, a maioria dos delegados defendeu a filiação. O  relacionamento com os movimentos sociais e internacionalistas e a  preservação da independência sindical foram reiteradamente citados como  pontos convergentes entre o horizonte de luta do ANDES-SN e o projeto da  CSP-Conlutas. 
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Francisco  Miraglia, encarregado sindical da diretoria do ANDES-SN, ressaltou que o  Sindicato vem lutando para reunir os diversos setores da classe  trabalhadora em torno de um novo projeto de sociedade. “O ANDES-SN está  na construção de uma articulação de grande porte, que junta o movimento  sindical, o movimento popular e uma parcela importante do movimento  estudantil. Investe tempo e energia política em reconstituir o conjunto  classista e combativo que convocou o Conclat para a consolidação de um  amplo fórum de todos os movimentos de luta contra as opressões que  queiram resistir aos ataques do governo, da burguesia e da elite deste  país. A gente trabalha para construir este fórum, proposto por este  sindicato. Queremos trabalhar no nível de organização no interior da  CSP-Conlutas, no nível da rearticulação de um fórum combativo e com  todos aqueles que querem enfrentar o capitalismo”. 
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Luiz  Mauro, 2º vice-presidente do ANDES-SN, testemunhou a experiência de sua  Seção Sindical com relação à vivência concreta da organização pela  base, com autonomia, que, segundo o professor, denota o enraizamento da  Central. “A CSP-Conlutas é experiência fundamental para a classe.  Sabemos o que é a construção com movimentos sociais, é nova e  riquíssima. Sabemos e temos vivenciado estrutura horizontal. Vivemos o  que era a dificuldade de ter alguma proposta minimamente levada de forma democrática. O 30º congresso deve, sim, aprovar a filiação já”, argumentou. 
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Para  Rodrigo Dantas, da Adunb, a questão é crucial para o debate político,  para o Sindicato Nacional e para a relação com o conjunto da classe  trabalhadora. “É preciso colocar o tema em perspectiva histórica.  Estamos discutindo há sete anos. Há sete anos nós vemos nos nossos  CONADs e Congressos afirmando como eixo central da nossa política a  articulação com movimentos sociais para reconstruir a unidade da classe  trabalhadora. Fomos parte fundamental do processo de elaboração do que é  a CSP-Conlutas. É preciso observar as elaborações nossas que foram  absorvidas quase que totalmente pela Central”. 
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Aldisio  Costa, da Adufepe, se posicionou contrariamente à filiação. “Nós  ouvimos aqui, durante todo o Congresso, a dificuldade que temos hoje em  nossas bases, até para construir diretoria. Esta construção não está  avançada no seio de nossas bases. É preciso primeiro formar consciência  dos docentes”, pontuou.
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A  professora Claudia Durans, da Apruma, defendeu que o Congresso  aprovasse a filiação por identificar a central como um polo aglutinador  das lutas sociais. "Nós todos estamos muito orgulhosos da trajetória de  nosso Sindicato. É diferenciado, porque reúne professores de diversas  áreas e porque não se preocupa só com as questões específicas dos  docentes. Vimos que ao longo da história sempre se posicionou. Contribuo  no GT Etnia, Gênero e Classe discutindo a questão das opressões, e  identifico que a única central sindical que concretamente unifica a luta  de todos os oprimidos é a CSP-Conlutas”.
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“Não  há licença sabática nesse caso, mas lembro que foram sete anos pra  entrar na CUT, sete anos pra sair. Não quero esperar mais sete anos.  Vamos respeitar a decisão coletiva que este sindicato vem reiteradamente  tomando. Não é possível que fiquemos dizendo que a filiação não foi  discutida”, lembrou o professor Edmundo Dias, da ADUNICAMP. 
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Já  Marcos Souza, da Apes-jf, explicitou preocupação com o momento político  e defendeu o adiamento da decisão. “Estamos perdendo bases com  companheiros valorosos. Não discordo de que devamos ter associação com  uma central autônoma e classista, mas o dever de casa (trabalho de base)  ficou muito difícil. O único documento a esse respeito para a base está  no Caderno de Textos do Congresso. Por isso, indico que discutamos em  2012”.     
“Chegamos  a esse momento derradeiro numa demonstração de sucesso significativo no  sentido de aprovar os TRs, com discussão ampla, em que nenhum momento a  diversidade foi ocultada, temos um plano de comunicação a desenvolver,  uma carreira pras nossas seções sindicais. Esse momento derradeiro  torna-se mais importante porque podemos ratificar nossa perspectiva  classista. O ANDES-SN sempre esteve, está e estará ao lado da classe  trabalhadora. Temos que colocar o bloco na rua agora. Aprendi na  militância: respeito o conjunto da base porque eu trabalho com a base,  eu não falo por ela. Esse TR vai nos permitir levar para as Seções  Sindicais a necessária condição de fortalecemos essa unidade de classe  que tanto desejamos”, discordou Rubens Rodrigues, também da Apes-jf. 
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A filiação do ANDES-SN à CSP-Conlutas foi aprovada por 134 votos favoráveis, 39 contrários e 23 abstenções.
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A  CSP-Conlutas foi fundada durante o Congresso da Classe Trabalhadora  (Conclat), em junho de 2010, com a presença de mais de 3000 delegados. O  ANDES-SN participou do Conclat com delegados de base e diretoria. O 55º  CONAD reconheceu que havia sido fundada uma nova Central e referendou a  participação do ANDES-SN na Secretaria Executiva Nacional Provisória,  eleita no Conclat. Para contribuir no processo de articulação com  setores que não integram hoje a nova entidade e que se inserem no campo  classista, o 55º CONAD também aprovou a atuação do ANDES-SN na  perspectiva de diálogo com estes destes setores. 
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O  estabelecimento de um prazo de um ano para a realização de um balanço  do processo de reorganização em relação à Central, tendo como referência  as resoluções do Sindicato Nacional dobre estratégia, natureza e  unidade do campo combativo e classista, e a deliberação de  encaminhamentos derivados deste balanço no 31º Congresso, em 2012,  também foram aprovados na plenária.  
Fonte: ANDES-SN
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Improvisação inconstitucional : MP justifica contratos precários em novas Ifes
Uma Medida Provisória (no  525) editada pela presidente Dilma Rousseff e encaminhada na última  segunda-feira (14/2) ao Congresso Nacional inclui a expansão das  Instituições Federais de Ensino Superior na categoria de “excepcional  interesse público”, para se eximir da responsabilidade de criar vagas  nos quadros permanentes das Ifes e justificar contratos precários de  docentes.  
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A  MP altera a lei 8745, que versa sobre a contratação de professores, e  estabelece que vagas de profissionais de ensino em novas instituições  poderão ser ocupadas por professores temporários, sem a obrigatoriedade  da promoção de concursos. O mecanismo também  valerá para preencher cargos que ficam descobertos quando docentes  assumem vagas de reitor, pró-reitor, vice-reitor ou diretor do campus. 
Na avaliação do ANDES-SN, a  medida institucionaliza a precarização do trabalho docente e do ensino  superior público e de qualidade: além de salários menores, é vetado o  direito a férias e o acesso ao plano de carreira a estes trabalhadores. De  acordo como o texto da MP, a contratação de temporários deverá  limitar-se ao prazo de dois anos. O que não está claro, contudo, é se a  vaga poderá ser preenchida por outro professor na mesma condição. Em relação aos professores substitutos, fica estabelecido um limite de 20% do total de professores efetivos em cada instituição.
A  liberação de contratação de temporários se dá ao mesmo tempo em que o  governo federal anuncia um corte de R$ 50 bilhões do Orçamento. “A  MP é editada em um momento em que são anunciados o congelamento de  vagas e a suspensão de concursos para efetivos. Esta nos parece uma  improvisação inconstitucional para resolver situações caóticas”, avalia  Marina Barbosa, presidente do ANDES-SN.
A  MP está na pauta de discussão do 30o Congresso do ANDES-SN, que reúne  mais de 400 professores nesta semana em Uberlândia (MG). 
Fonte: ANDES-SN
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Universidades sofrerão corte de 10% no orçamento para custeio
Redução para a UnB pode chegar a R$ 12 milhões. MEC também pediu diminuição nos gastos com passagens e diárias.
O corte no orçamento do governo federal vai reduzir em  10% as verbas para custeio das universidades federais. A informação foi  dada pelo secretário de Ensino Superior do Ministério da Educação, Luiz  Cláudio Costa, aos reitores das universidades federais.
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O  orçamento da UnB para 2011 prevê R$ 127 milhões para despesas de  custeio – gastos com material de consumo, água, luz e programas de  assistência. Ou seja, o corte deve ser da ordem de R$ 12 milhões. "É um  valor alto, ainda mais se considerarmos que os recursos do governo já  não são suficientes para manter as nossas atividades", afirma o reitor  em exercício João Batista de Sousa. "Nós vamos ter que conversar com as  unidades acadêmicas para ver o que pode ser cortado ou adiado para  2012". 
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Na reunião com os reitores, o secretário de  Ensino Superior pediu compreensão, uma vez que o Ministério da Educação  foi um dos que menos sofreu com o corte de R$ 50 bilhões no orçamento da  União. O orçamento federal será reduzido em 2,5%. No MEC, essa  diminuição chega a 1,7%. 
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Ainda assim, a UnB pode  ter prejuízo. "A situação é difícil, e tudo indica que este será um ano  muito duro", diz o decano de Administração e Finanças, Pedro Murrieta.  Os recursos do governo correspondem a 68% dos gastos da UnB. O restante é  coberto com a captação própria da universidade, como, por exemplo, os  concursos e seleções realizados pelo Cespe. 
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O  problema é que o governo federal também anunciou uma redução no ritmo de  concursos públicos, que renderiam à UnB cerca de R$ 35 milhões em 2011.  Por outro lado, o reitor em exercício João Batista lembra que a empresa  pública que vai gerir os hospitais universitários deve absorver grande  parte dos gastos do HUB. "Haverá mais dinheiro vindo para a gestão do  HUB, o que pode ajudar".  
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O Ministério da Educação  também pediu que as universidades reduzam seus gastos com diárias e  passagens em 50%. João Batista disse que vai tentar reverter esse  pedido, uma vez que ele afeta diretamente as atividades-fim da  universidade – ensino, pesquisa e extensão. "Os reitores vão atuar  politicamente para que esse corte não ocorra", afirmou. 
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Histórico de depressão reprova professores
Mariana Mandelli - O Estado de S.Paulo
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Professores aprovados no último concurso para a rede  estadual de São Paulo estão impedidos de assumir seus cargos por terem  tirado, em algum momento de suas carreiras, licenças médicas por motivo  de depressão. Por essa razão, devem continuar com contratos temporários.  Especialistas afirmam que a decisão é preconceituosa.
O Estado conversou com dois professores que  passaram por todo o processo do concurso que selecionou docentes para  atuar no ciclo 2 do ensino fundamental. O concurso tem diversas etapas:  prova inicial, curso de preparação (que dura cerca de quatro meses),  prova pós-curso e diversos exames de perícia médica - fase na qual foram  "reprovados". Docentes míopes e obesos também foram impedidos de  assumir seus cargos nessa mesma seleção.
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Jair Berce, de 36 anos, que leciona na rede pública desde 1994 com  contrato temporário, é um dos barrados. Ele conta que, na primeira  perícia, foi considerado apto. Seu nome foi publicado no Diário Oficial  em 8 de janeiro, na lista dos professores nomeados. No entanto, no dia  26, Berce foi convocado para uma nova perícia. O psiquiatra questionou  as licenças médicas que ele havia tirado em 2003 (cinco dias afastado) e  em 2004 (duas vezes: dez dias e depois duas semanas).
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"Eu nem lembrava mais disso, foi há tanto tempo. Tomei fluoxetina (um  tipo de antidepressivo) por seis meses. Hoje não tomo mais, estou muito  bem. Foi um período difícil na minha vida: minha mãe tinha morrido,  minha irmã tinha sofrido um acidente e eu estava terminando minha tese",  lembra. Berce é formado em Ciências Sociais pela USP e tem mestrado em  Antropologia pela PUC-SP. Ele também leciona na rede municipal de  Barueri.
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Nessa mesma perícia, Berce passou pelo teste de Rorschach - que  consiste em interpretar dez pranchas com imagens formadas por manchas  simétricas de tinta. "Depois que soube da reprovação, pedi para ver o  prontuário. Nele, havia a seguinte anotação: "visto avaliação  psicológica F-32 - sugiro temerário o ingresso" e "não apto"", conta.  F-32 é o código da Classificação Internacional das Doenças (CID) para  depressão.
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O professor C.Z., de 34 anos, que, assim como Berce, leciona  Sociologia, atua na rede estadual há dez anos e foi vetado no concurso  pelo mesmo motivo. No ano passado, ele terminou um casamento de cinco  anos e precisou se afastar do trabalho. "Foi um período difícil, que me  consumiu muito e fui orientado a procurar um psiquiatra para tirar uma  licença", lembra ele. 
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Z. ficou um mês fora da sala de aula. "Eu nunca havia tirado licença  do trabalho. E nunca tomei remédio", afirma. Segundo ele, na perícia do  concurso, o médico marcou "não apto". "Eu vi quando ele escreveu e  perguntei o porquê. Ele disse que era por causa da licença. Tentei  argumentar e explicar os motivos, mas ele não quis me ouvir."
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Os dois professores continuam dando aulas como temporários. "É  contraditório: como posso continuar trabalhando se eles me vetaram?",  questiona o professor Berce.
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Ambos recorreram da decisão e foram convocados para novas perícias,  que devem ocorrer nesta semana (mais informações nesta página).
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Discriminação. A psiquiatra da Unifesp Mara Fernandes Maranhão afirma  que vetar um docente pelo fato de ele ter tido depressão é preconceito.  "Toda pessoa está sujeita a passar por situações difíceis", explica.  "Aquelas que têm propensão ou componente genético desenvolvem processos  depressivos." 
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Segundo Mara, são poucos os quadros realmente curáveis, já que há  grande chance de recorrência. "Mas a doença é tratável e, com  acompanhamento, o paciente pode voltar a trabalhar normalmente. Não  existe razão para rejeitá-lo."
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Eli Alves da Silva, presidente da Comissão de Direito Trabalhista da  OAB-SP, concorda. "Essa pessoas estão sendo discriminadas pelo próprio  Estado, que é quem deveria combater esse tipo de coisa." 
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Para o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São  Paulo (Apeoesp), o governo deve "propor acompanhamento a todos os casos  de professores com problemas de saúde e não alijá-los do trabalho". A  entidade ressalta que seu departamento jurídico tem ingressado com ações  na Justiça para garantir aos professores nessa situação o direito de  lecionar.                 
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22/02/2011
Veja os 10 Princípios do Forum em Defesa da Escola Pública que serão lançados na UERJ nesta quarta (dia 23/2)
Nesta quarta-feira (dia 23 de fevereiro), às 14h, no auditório 71 da  UERJ, ocorrerá o Ato de Lançamento dos Princípios que norteiam a ação do  Fórum Estadual em Defesa da Escola Pública (FEDEP). O Fórum foi criado  durante a realização do Seminário de Educação do Sepe, em novembro de  2010 e dele participam representantes de entidades diversas ligadas à  área educacional (universidades públicas federais e estaduais),  movimentos sindicais, trabalhadores sem-terra, educadores das redes  públicas e das universidades, estudantes secundaristas e  universitários. O principal objetivo da criação do fórum é articular a  ação dos educadores e dos movimentos sociais na a luta pelo resgate da  educação pública e de qualidade no estado do Rio de Janeiro e em nível  nacional.
Veja quais são os 10 Princípios do Fórum em Defesa da Escola Pública:
1 - Defender a educação pública, gratuita, laica, democrática e de qualidade social, em todos os níveis, como um direito social universal e dever do Estado
2 - Exigir do poder público a garantia de acesso e de permanência, assegurando efetiva assistência estudantil (moradia, transporte, meia entrada nos eventos culturais, bolsa de manutenção etc.)
 3 - Defender a organização de um efetivo  Sistema Nacional de Educação que articule e garanta o cumprimento das  responsabilidades educacionais dos diferentes entes federais
4 - Defender a aplicação imediata de montante equivalente a, pelo menos, 10% do PIB na educação pública em todos os níveis e que as verbas públicas sejam destinadas somente para as escolas públicas
  5 - Combater todas as formas de mercantilização da educação e a  introdução de critérios produtivistas no trabalho dos profissionais de  educação e na avaliação das instituições e dos estudantes
  6 - Exigir controle social sobre a educação privada, como concessão do  poder público. É função do Estado regulamentar e fiscalizar seu  funcionamento , observando a garantia de carreira digna aos seus  trabalhadores e a autonomia didático-científica diante de suas  mantenedoras
 7 - Articular a luta em prol da qualidade da  educação com a defesa da garantia pelo Estado das condições de trabalho  dos profissionais da educação, incluindo a valorização salarial e a  autonomia didático-científica
 8 - Exigir que a gestão  democrática das instituições e sistemas educacionais seja realizada por  meio de órgãos colegiados democráticos
9 - Defender a  formação inicial e continuada, pública e gratuita, presencial e de  qualidade de todos os trabalhadores em educação, em todos os níveis e  modalidades educacionais
 10 - Ampliar o debate com os  movimentos sociais e populares e entidades acadêmicas com o objetivo de  reconstruir o Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública e fortalecer a  luta pela elaboração coletiva e democrática do Plano Nacional de  Educação: proposta da sociedade brasileira.
Fonte: Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do RJ
21/02/2011
13º Congresso: ata de delegados e normas (SEPE)
á estão à disposição as atas para a eleição de delegados e as normas  do 13º Congresso. O prazo para a eleição de delegados, por exemplo,  começa hoje e vai até 19 de maio. Abaixo, os links para os textos:
Fonte: http://www.seperj.org.br/ver_noticia.php?cod_noticia=1707
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20/02/2011
A UNIDADE CLASSISTA E O XXX CONGRESSO DO ANDES-SN
Diante de um quadro político que apresenta sinais que  apontam, simultaneamente, para o possível aprofundamento da aplicação  de políticas neoliberais no Brasil, reveladas, entre outras  manifestações, no anúncio de cortes no orçamento e de congelamento de  realização de concursos – afetando diretamente as universidades federais  –, e, simultaneamente, para a retomada da mobilização e da luta dos  trabalhadores, em diversas áreas, entendemos que é necessária uma  reflexão sobre nossa entidade que permita a correção de rumos e o seu  fortalecimento.
O Andes-SN exerceu e ainda exerce uma importância  fundamental na construção do sindicalismo combativo de nosso país. Desde  o enfrentamento contra a ditadura militar que culmina nas primeiras  greves de 1980 e 1981 bem como na incansável luta pela construção da  universidade pública, gratuita, democrática, laica e socialmente  referenciada, como foi formulado no Caderno 2 do Andes-SN, a  entidade tem se caracterizado como vanguarda na luta pelas liberdades  democráticas e pela construção de uma Universidade de cunho popular.
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Nos embates mais recentes, o Andes-SN tem tido  posturas corretas, de maneira geral, quanto ao enfrentamento de ações do  governo Lula, como o Reuni, que amplia o acesso à universidade sem, no  entanto, garantir as condições para sua manutenção; o Prouni, que  transfere recursos públicos para as universidades privadas ao invés de  assegurar o financiamento necessário para as universidades públicas; nas  denúncias contra as ditas “fundações de apoio”, verdadeiras caixas  secretas dentro das universidades públicas e que recentemente foram  desnudadas com acusações de enriquecimento ilícito envolvendo entes  privados e dirigentes de universidades que se nutriam de recursos  públicos. Também no terreno da luta sindical mais específica, o Andes SN  vem demonstrando uma aproximação maior com o professorado, como no caso  da recém divulgada nova proposta de Carreira, que contém, além de uma  estrutura muito bem construída, propostas concretas que reúnem as  condições de se transformarem em referências de mobilização e luta de  toda a categoria.
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No entanto, entendemos que alguns aspectos devem ser  problematizados nesta trajetória que inclusive culminam com a crise que o  Andes-SN está vivendo atualmente. Desde o seu nascimento as direções  que se sucedem, sob a justificativa de defender a liberdade de  organização sindical, insistiram na tese do “pluralismo sindical” em  contraposição à “unicidade sindical”. A unicidade sindical é uma questão  de princípio para um movimento sindical que se queira transformador da  realidade e representativo dos trabalhadores. A pluralidade sindical é  um desserviço à luta dos trabalhadores e o exemplo é a situação criada  com o surgimento da entidade pelega denominada “Proifes”.
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Todos sabemos que a grande arma do trabalhador é a  sua unidade, e como grande parte dos integrantes do anterior e do atual  governo são ex-dirigentes de sindicatos de trabalhadores (estando muitos  destes hoje a serviço do capital), sabem muito bem como enfraquecer uma  categoria: ferindo sua unidade de ação. Desta forma, o governo Lula,  juntamente com seu braço sindical, a CUT, estimulou o nascimento do  Proifes, com o único intuito de enfraquecer o movimento docente  representado pelo Andes-SN.
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Com a certeza de que a divisão do movimento docente  seria benéfica ao governo federal, o Proifes, em nome de nossa  categoria, negocia, faz acordos e, desta maneira, confunde e contribui  para a desmobilização do movimento docente, sendo participante de várias  reuniões em que o Andes-SN sequer foi convidado. Um exemplo dessas  negociações sem o apoio da categoria pôde ser observado em 2008 com o  “Termo de acordo” assinado com o governo federal (que se transformou na  Medida Provisória 431/08) e que não contou com o apoio do Andes-SN e nem  da maioria das assembléias gerais realizadas em todo o país.
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Apesar do surgimento do Proifes, a partir de brechas e  ações junto ao Ministério do Trabalho que levaram o Andes-SN a  dificuldades financeiras, justamente no momento em que mais precisava  dinamizar a luta dos docentes, em junho de 2009, o registro do Andes-SN  foi restabelecido pelo MTE, mas uma nova luta começa com a tentativa de  rejeitar o pedido de registro sindical do Proifes. Esta “entidade”  defende que as próprias seções sindicais escolham a qual sindicato  querem ficar filiadas. Isso demonstra, na prática, a ação nociva do  pluralismo sindical, já que divide a categoria e enfraquece o movimento.
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O debate sobre a unicidade e pluralismo sindical deve  ser enfrentado com seriedade junto a nossa categoria, já que a prática  tem demonstrado os efeitos deletérios que, tanto o pluralismo, como a  falta de debate sobre o tema, tem gerado.
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Além disso, percebemos que a questão da filiação à  Conlutas no 26° Congresso, em Campina Grande, mostrou-se precipitada e  que hoje nos têm colocado numa posição de isolamento. Se a desfiliação  da CUT foi uma medida acertada, devido àquela central sindical não mais  representar os interesses da classe trabalhadora, de maneira geral, e  dos funcionários públicos, de forma particular, por ter se transformado  em um órgão de conciliação de classes  e em uma correia de transmissão  das políticas neoliberais do governo Lula, a filiação à então recém  criada Conlutas em 2007 foi uma medida que se mostrou açodada e não  representativa da unidade da classe.
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Na verdade, o quadro político e sindical brasileiro  naquele momento ainda estava em um processo de grandes mudanças com  repercussão de novas tendências no movimento sindical, a exemplo do  surgimento da Intersindical. Por outro lado, a imediata filiação à  Conlutas, sem a antecedência de um amplo e constante debate, sobre o  papel e o caráter da Conlutas, que ainda estava no seu nascimento,  demonstra uma tendência ao aprofundamento da estreiteza política que  funcionou como um mecanismo de aparelhamento do movimento.
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Nos opomos à concepção de organização proposta pela  Conlutas por entendermos que necessitamos de uma verdadeira central  sindical que expresse a intervenção dos trabalhadores enquanto classe,  em que a centralidade da luta se manifeste na contradição  capital-trabalho. É fundamental que todas as demais manifestações de  movimentos organizados, seja anti-racismo, gênero, diversidade sexual,  estudantil, devam ser interpretados do ponto de vista de classe, pois,  sem essa compreensão, se tornam movimentos de busca por melhores  condições de participação na dinâmica do sistema capitalista.
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Entendemos que, no atual estágio de conformação das  políticas que possam alicerçar a base social do Andes-SN, o debate e o  aprofundamento sobre o papel das universidades estaduais têm que ser  mais efetivo dentro do nosso sindicato. As universidades estaduais têm  sido um estuário para aplicação de políticas neoliberais e dos moldes  propostos pelo Banco Mundial e organismos nacionais e internacionais que  visam ao desmonte de um projeto de universidade popular. O mesmo se  pode dizer quanto ao caso das universidades particulares, que em grande  medida submetem os professores à condição de trabalhadores precarizados e  superexplorados e sempre colocados à mercê das leis do mercado.
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Assim, entendemos que este Congresso do Andes-SN deve  ser aberto à discussão dos mais variados temas, mesmo alguns que nos  últimos anos têm sido preteridos sob a justificativa de ser matéria  vencida e que tem feito com que medidas estreitas fossem adotadas  levando ao isolamento da entidade. Desta forma, estaremos certos de  buscar superar nossos erros e construir a Universidade pela qual  lutamos: uma Universidade como instrumento de transformação da realidade  social, uma Universidade popular que contribua efetivamente para o  acesso de todos à ciência e à formação superior.
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Entendemos que o Andes-SN deve participar também das  lutas gerais da sociedade, a exemplo da campanha do Petróleo – Petrobrás  100% estatal –, na defesa do Aqüífero Guarani, na solidariedade  internacional, bem como na defesa da manutenção e expansão dos direitos  conquistados pela classe trabalhadora. É necessário mais do que nunca a  unidade dos trabalhadores para vencer os desafios que virão a partir do  governo Dilma, já que a crise econômica tende a se alastrar e a receita  do capital para minimizar os efeitos da crise é jogar a conta para os  trabalhadores através do aumento do desemprego, da diminuição dos  salários, da piora das condições de trabalho e por parte dos governos,  mesmo dos países centrais, através do corte dos gastos públicos e da  reforma da previdência social.
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A Universidade brasileira é um projeto em disputa e,  mesmo entendendo que a Universidade que queremos é um projeto da  sociedade socialista, compreendemos que mediações devem ser feitas na  luta cotidiana de nossa categoria. Cabe a nós discuti-la e construí-la  em fóruns como esse e na sociedade como um todo.
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Uberlândia (MG), 17 de fevereiro de 2011
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A Educação como práxis revolucionária
Alexandre Haubrich
"Educação não transforma o mundo. Educação muda pessoas. Pessoas transformam o mundo" – Paulo Freire
Todos  os conceitos devem ser desconstruídos para serem construídos com o  espírito revolucionário. Tudo está impregnado pela manipulação, pela  dominação intransigente, preconceituosa, agressiva, violenta, que as  elites infringem ao povo. Cada instituição precisa ser repensada,  reformulada. E a consciência é o único caminho para essa mudança. E essa  mudança é o caminho inicial para a revolução. Nos dias de hoje, nada  pode ser mais revolucionário do que o pensamento crítico. E nada pode  fomentar com mais força o pensamento crítico do que a escola. É ali que,  crianças, aprendemos a obedecer sem contestar, a receber sem conceber. É  ali que somos colocados na moldura que nos desenhará escravos  coisificados. E se a própria moldura rebelar-se?
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Além da carga  genética, os seres humano vão sendo formados a todo instante por suas  relações com o ambiente, que inclui tudo o que o indivíduo capta através  de cada um de seus sentidos. Algumas dessas captações, porém, têm mais  relevância do que outras, pois atuam propositadamente como instâncias  formadoras. Tradicionalmente, no mundo ocidental temos quatro  instituições que cumprem essa função: família, igreja, imprensa e  escola.
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De acordo com o contexto local, outros ambientes podem  atuar com força semelhante, como as organizações de bairro ou os  sindicatos. De forma diferente, mas também relevante, as relações  estabelecidas no trabalho contribuem cada vez mais para a moldagem de  cada indivíduo. De certa forma, todos esses ambientes contêm e/ou são os  "fatos sociais" identificados por Émile Durkheim. Segundo o sociólogo  francês, fatos sociais são "coisas", criadas socialmente, que induzem as  ações dos indivíduos.
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Ao mesmo tempo, entendemos que são os  próprios indivíduos – é claro que em suas relações sociais e de forma  coletiva – que alimentam ou matam pela fome os fatos sociais.  Demonstração disso é a intensa dinâmica de variação entre os níveis de  influência de cada aspecto sobre a sociedade, variando de acordo com o  espaço ou mesmo com o tempo dentro de uma mesma formação social. Nada  está dado, tudo é construído e reconstruído diariamente, a cada ação. É  nessa possibilidade constante de mudança, criada pelos indivíduos em  suas inter-relações, que se baseia qualquer intenção verdadeiramente  revolucionária. Para Durkheim, porém, a função da educação formal não  pode deixar de ser fundamentalmente coercitiva, objetivando sempre  moldar cada ser em acordo com as necessidades funcionais da sociedade.  Essas necessidades, no pensamento do sociólogo francês, parecem ser  sempre alienadas e alienantes, sem conter a possibilidade de emancipação  e libertação.
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Percebemos, por outro lado, forte potencial  revolucionário na Educação e em outras instituições. Entendemos que a  revolução é latente nas classes dominadas, e que as instituições podem  ser modificadas profundamente sem serem substituídas em sua essência. A  refundação da escola, que visualizamos como necessária, não precisa  destruir a totalidade do legado educacional para tornar-se redentora. A  escola não precisa ser opressora, sua essência é educativa, ainda que  sua história mostre origens de opressão.
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Mesmo reconhecendo o  papel formador dos outros "fatos sociais", é difícil negar o papel  protagonista das quatro instituições citadas anteriormente (família,  igreja, imprensa e escola) no que se refere à forma como as pessoas agem  em sociedade. Isso acontece porque, diferentemente das outras "origens  de formação pessoal", o quarteto opera basicamente a partir da noção de  autoridade introjetada pelo sujeito. A força coercitiva desse grupo de  instituições é proporcional à sua aceitação pelo restante da sociedade,  pois essa força amplia-se na medida em que o respeito ou temor é  assimilado pelos semelhantes. A cada indivíduo aderente, portanto, uma  instituição multiplica seu potencial para propagar-se. Essa é a razão  geral, mas cada uma – família, igreja, imprensa e escola – possui sua  forma específica de exercer coerção e, por extensão, dominação.
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Seguindo  as formas de dominação demonstradas por Max Weber (legal, tradicional e  carismática), a família parte da dominação tradicional (baseada na  crença formada antes mesmo do nascimento do indivíduo) e da dominação  carismática (baseada na devoção ao líder). Da mesma forma a igreja, e  até a imprensa. Por relacionarem-se às formas de dominação menos formais  e mais subjetivas, revolucionar essas três instituições é uma tarefa  mais complexa, na medida em que elas mesmas alimentam o imaginário do  qual se servem para exercer sua dominação. A escola, por sua vez,  baseia-se em seu caráter legal, ou seja, baseada em estatutos e regras.  Cabe ao Estado uma possível opção por refunda-la. Partindo-se do  pressuposto de que o Estado, ao menos em teoria, é um instrumento da  sociedade, cabe à esta, na medida em que organiza-se como fonte de  pressão, modificar os parâmetros da educação formal.
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Se em outros  momentos da história tivemos a igreja e a família com predominância na  capacidade de influenciar os sujeitos, esse papel esvaziou-se. A  aceleração das atividades humanas retirou tempo de convivência com a  família e de presença nas diversas igrejas. Concomitantemente, o tempo  de permanência na escola vem aumentando gradativamente, e, em muitos  casos, já chega a um terço do dia da criança ou do adolescente. A  imprensa, por sua vez, tem papel extremamente variável de acordo com a  cultura nacional. No Brasil, por exemplo, o que vemos é uma gradativa  perda de público por parte da televisão e dos grandes jornais, com  ascensão da internet, terreno ainda de difícil avaliação como formador  social. Dessa forma, a escola ganha importância e torna-se hegemônica na  construção do sujeito e, por óbvia extensão, da sociedade. Sua atuação  é, portanto, decisiva.
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A escola tradicional opera historicamente,  no mundo ocidental, como transição entre a infância e o trabalho. É um  espaço de preparação cultural para a submissão à autoridade e à  disciplina de produção contínua. A escola molda os indivíduos para suas  relações sociais e, especialmente, para suas relações de trabalho, tanto  frente aos outros trabalhadores quanto frente ao patrão ou à empresa. É  no ambiente escolar que a criança transforma-se em adolescente e em  "jovem adulto", e em meio a essa transformação aprende a submeter-se à  autoridade do professor para depois submeter-se à autoridade do patrão e  aprende a submeter-se à escola para depois submeter-se à empresa. No  atual modelo escolar, essa autoridade é imposta através do temor, jamais  do respeito, assim como a submissão é obtida através da força, jamais  da conscientização e do diálogo.
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A transformação da educação  formal, em todos os seus níveis, em produto de consumo, vai na contramão  da necessidade de criação de autonomia nos e com os  estudantes. As gradações entre os níveis de ensino, idem. A lógica que  seguimos hoje no Brasil, por exemplo, é a da escola como preparação  direta para o vestibular, única forma de acesso ao Ensino Superior. A  escola não educa, firma-se como processo de passagem ao mundo do  trabalho, e não mais se envergonha disso, pelo contrário: as campanhas  publicitárias de muitas instituições de ensino têm seu foco na  capacidade de aprovação nos mais concorridos vestibulares do país. Seu  papel como fabricante de mão de obra está escancarado. Seu papel como  educador formador de sujeitos conscientes e emancipados poucas vezes  esteve tão esvaziado. Logicamente inserida no processo capitalista, a  escola é a mercadoria inicial, faz do professor a mercadoria segunda, da  decoreba conceitual a mercadoria terceira, e do próprio estudante a  mercadoria final, consumida, paradoxalmente, pelo chamado "mercado de  trabalho". Ou seja, em última instância, após ser consumida a escola  coisifica seu consumidor. Em vez de torná-lo sujeito, aprofunda seu  caráter de objeto a ser manipulado e utilizado para livre usufruto das  classes dominantes. O papel da escola hoje praticamente reduz-se a  alimentar o sistema de exploração capitalista, antidemocrática, e a  "empresariação" dos estabelecimentos de ensino contribui  fundamentalmente para fortalecer essa lógica opressora.
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Para mudar  o aluno é preciso mudar a escola, e essa mudança só pode acontecer  acompanhada de uma cultura na qual o aluno não mais tema a sala de aula  nem o professor, não mais os odeie. Para transformar-se em um adulto com  autonomia para pensar e para posicionar-se de forma consciente é  preciso que tal atitude de emancipação seja estimulada de forma  intermitente durante sua educação formal.
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Paulo Freire foi o  grande entusiasta da "Educação como prática de liberdade", como diz o  título de um de seus mais importantes trabalhos. Para ele, é necessária a  reversão da lógica "bancária" da atividade educativa, na qual os  professores apenas depositam conteúdos nos estudantes, que, dessa forma,  não praticam a liberdade, o diálogo, a autonomia, tornando-se objetos a  partir da opressão que sofrem enquanto sujeitos. Outra premissa  essencial para a refundação da escola é a não-aplicação, no ambiente  educativo, da lógica de competição. A escola não deve preparar para o  vestibular, mas para a participação democrática. Tem de ser um espaço de  emancipação, e como diz Paulo Freire, em uma sociedade essencialmente  política a emancipação é, na verdade, politização. Então, não basta  possibilitar escola a todos, a escola deve politizar. Os próprios  métodos de alfabetização criados por Paulo Freire, explicados  detalhadamente no livro citado acima, são um exemplo de como a educação  formal pode ser diferente.
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A regionalização sem que se perca de  vista a noção de totalidade é outra necessidade. As especificidades  nacionais ou regionais devem ser respeitadas para que o estudante seja  respeitado. Só dessa forma, a partir da compreensão da realidade  específica do aluno, é possível estabelecer-se o diálogo, impreterível  para o verdadeiro aprendizado politizante. Essa profunda mudança na  concepção educacional precisa partir de um Estado popular, comprometido  com a participação social constante de toda a população. É esse Estado, a  partir da compreensão, pela população, de tal necessidade, que detém  todos os instrumentos facilitadores da criação de uma nova escola.
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Em  primeiro lugar, há a urgência do desmanche imediato da percepção da  Educação como mercadoria. Isso só pode ser feito com a abrangência total  da educação pública. Como direito e como dever, a educação formal  precisa ser 100% gratuita, sem espaço para a busca pelo lucro financeiro  nas instituições de ensino, seja em seu nível básico ou avançado (no  Brasil, o processo divide-se em "ensino fundamental", "ensino médio" e  "ensino superior"). Toda a população deve ter acesso à formação  integral, sem distinção na qualidade dessa formação, que deve pautar-se  sempre pela politização do estudante. Em 1961, no Uruguai, Ernesto Che  Guevara falou, em uma entrevista, da nacionalização das escolas  católicas realizada em Cuba pelo governo revolucionário que recém tomara  o poder: "Agora são simplesmente escolas", disse. Com o fim da Educação  como mercadoria, todos os espaços educacionais formais se tornariam  apenas escolas. As consequências iniciais de medidas nesse sentido já  estão postas, mas há ainda o fato de forçar-se assim a interação entre  diferentes desde a infância, que acaba por criar o respeito à  diversidade. Meninos estudando com meninas, ricos com pobres, brancos  com negros. A escola também como prática de tolerância.
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Com a  educação formal nas mãos de um Estado verdadeiramente democrático,  participativo, a formação dos professores se daria também de outra  forma, compreendendo e trabalhando as necessidades de cada aluno,  construindo o conhecimento com o estudante, e não apenas depositando o  conhecimento no estudante. Participando dessa construção, a criança /  adolescente se torna consciente de seu papel de sujeito, de agente  social decisivo, e aprende na teoria e com a prática – ou seja, na  práxis – a atuar socialmente de forma efetiva, de forma política. "Saber  ensinar não é transferir conhecimento, mas criar possibilidades para a  sua própria produção e construção", escreveu Paulo Freire.
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Em um  processo constituído dessa forma, o aluno aprende a aprender e aprende a  ensinar, a construir. Ao mesmo tempo, o professor também aprende, já  que a relação deixa de se estabelecer através da dominação e da  verticalidade para tornar-se horizontal. Paulo Freire escreveu que  "ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam  entre si, mediatizados pelo mundo". Assim, o professor adquire  conhecimento juntamente com o aluno. Este se torna sujeito do processo, e  aquele não perde seu papel de educador e administrador da dinâmica, mas  ganha um novo papel, o de aprendiz.
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A função de refundar a  educação formal só pode ser realizada pelo Estado, e através de uma  participação ampla da sociedade no processo. É uma via de mão dupla:  através da escola a sociedade pode ser modificada, e através da  sociedade modifica-se a escola. Como, então, resolver esse embate? O  processo é longo, e necessita da participação profunda dos setores da  sociedade que já estão organizados em defesa de interesses  democratizantes. Ao mesmo tempo em que devem exercer pressão sobre o  Estado, precisam iniciar esse processo de conscientização popular  através de organizações de base – que trabalhem inclusive com crianças e  adolescentes – em suas áreas de atuação, em ações dialógicas que  transformem em povo politizado a massa alienada, em revolução o  potencial de rebelião. Mudar a escola para mudar o Estado ou mudar o  Estado para mudar a escola? Não há uma regra e nem existirá  necessariamente um momento claro de ruptura, impõe-se um processo  dinâmico em que os sentidos se revezam e se complementam. Mudar o Estado  e a escola ao mesmo tempo, para que a mudança seja profunda e  duradoura, para que seja revolucionária.
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O respeito ao aluno como  ser autônomo – sem que se perca a certeza de que só a ação coletiva  constrói com qualidade – gera o respeito do aluno à educação e ao  professor. Valoriza-se o profissional, valoriza-se a instituição,  valoriza-se o aluno. Quem perde? As empresas de ensino e todas as elites  nacionais interessadas na coisificação do ser humano, em manter o povo  alienado e sem recursos para combater a opressão engendrada por essas  elites.
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Um novo paradigma educacional resultaria, a curto prazo,  em mudanças também na lógica do trabalho a partir da conscientização  ativa da exploração sofrida pelos trabalhadores. A prática política, a  médio prazo, também seria fortemente influenciada, pois um povo  emancipado, politizado, exige participação e poder de decisão. Dessa  forma, há um natural (ou imposto pelo povo) aprofundamento democrático,  que, por sua vez, tende a realimentar a prática da autonomia do  estudante, da educação para a liberdade, para a emancipação, para a  transformação de objetos em sujeitos.
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A refundação da práxis  educacional pode ser essencialmente revolucionária, na medida em que é  um passo no grande e necessário caminho de refundação da sociedade sobre  um paradigma de democracia verdadeira – não a falsa "democracia  liberal" –, com a massa inerte transformada em povo atuante, livre,  emancipado. Povo revolucionário é o povo parido – dolorosamente – pelo  próprio povo, no momento em que rebela-se contra a opressão.
Fonte: http://www.diarioliberdade.org/index.php?option=com_content&view=article&id=12413:a-educacao-como-praxis-revolucionaria&catid=309:espelhismos&Itemid=21
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19/02/2011
István Mészáros e a educação para além do capital
Correio da Cidadania -  [Demetrio Cherobini] Um clássico, um engodo e uma aposta: tal é o que se encontra na edição brasileira de A educação para além do capital  de István Mészáros, lançado primeiramente em 2005 e depois em 2008,  pela Editora Boitempo. O clássico fica por conta do próprio texto de  Mészáros, uma proposta consistente, coerente e radical a respeito de  como os revolucionários do século XXI podem orientar seus esforços no  campo da educação, a fim de superar a dominação exercida pelo capital  sobre o sócio-metabolismo humano e realizar a "comunidade humana  emancipada". O engodo, destaque negativo da publicação, cabe  inteiramente ao prefaciador do livro, Emir Sader, que, desgraçadamente,  tenta desviar a atenção do leitor para preocupações e objetivos diversos  dos que estão contidos nas formulações do pensador húngaro. A aposta, o  que resta disso tudo, é a de que os trabalhadores saibam ter a postura  crítica necessária para perceber e superar as mistificações ideológicas  que proliferam em nossos dias – até mesmo em torno das publicações  progressistas - e tentam lhes perpetuar na condição de acomodação,  entorpecimento e paralisia frente ao seu inimigo visceral.
 [Demetrio Cherobini] Um clássico, um engodo e uma aposta: tal é o que se encontra na edição brasileira de A educação para além do capital  de István Mészáros, lançado primeiramente em 2005 e depois em 2008,  pela Editora Boitempo. O clássico fica por conta do próprio texto de  Mészáros, uma proposta consistente, coerente e radical a respeito de  como os revolucionários do século XXI podem orientar seus esforços no  campo da educação, a fim de superar a dominação exercida pelo capital  sobre o sócio-metabolismo humano e realizar a "comunidade humana  emancipada". O engodo, destaque negativo da publicação, cabe  inteiramente ao prefaciador do livro, Emir Sader, que, desgraçadamente,  tenta desviar a atenção do leitor para preocupações e objetivos diversos  dos que estão contidos nas formulações do pensador húngaro. A aposta, o  que resta disso tudo, é a de que os trabalhadores saibam ter a postura  crítica necessária para perceber e superar as mistificações ideológicas  que proliferam em nossos dias – até mesmo em torno das publicações  progressistas - e tentam lhes perpetuar na condição de acomodação,  entorpecimento e paralisia frente ao seu inimigo visceral.
 [Demetrio Cherobini] Um clássico, um engodo e uma aposta: tal é o que se encontra na edição brasileira de A educação para além do capital  de István Mészáros, lançado primeiramente em 2005 e depois em 2008,  pela Editora Boitempo. O clássico fica por conta do próprio texto de  Mészáros, uma proposta consistente, coerente e radical a respeito de  como os revolucionários do século XXI podem orientar seus esforços no  campo da educação, a fim de superar a dominação exercida pelo capital  sobre o sócio-metabolismo humano e realizar a "comunidade humana  emancipada". O engodo, destaque negativo da publicação, cabe  inteiramente ao prefaciador do livro, Emir Sader, que, desgraçadamente,  tenta desviar a atenção do leitor para preocupações e objetivos diversos  dos que estão contidos nas formulações do pensador húngaro. A aposta, o  que resta disso tudo, é a de que os trabalhadores saibam ter a postura  crítica necessária para perceber e superar as mistificações ideológicas  que proliferam em nossos dias – até mesmo em torno das publicações  progressistas - e tentam lhes perpetuar na condição de acomodação,  entorpecimento e paralisia frente ao seu inimigo visceral.
 [Demetrio Cherobini] Um clássico, um engodo e uma aposta: tal é o que se encontra na edição brasileira de A educação para além do capital  de István Mészáros, lançado primeiramente em 2005 e depois em 2008,  pela Editora Boitempo. O clássico fica por conta do próprio texto de  Mészáros, uma proposta consistente, coerente e radical a respeito de  como os revolucionários do século XXI podem orientar seus esforços no  campo da educação, a fim de superar a dominação exercida pelo capital  sobre o sócio-metabolismo humano e realizar a "comunidade humana  emancipada". O engodo, destaque negativo da publicação, cabe  inteiramente ao prefaciador do livro, Emir Sader, que, desgraçadamente,  tenta desviar a atenção do leitor para preocupações e objetivos diversos  dos que estão contidos nas formulações do pensador húngaro. A aposta, o  que resta disso tudo, é a de que os trabalhadores saibam ter a postura  crítica necessária para perceber e superar as mistificações ideológicas  que proliferam em nossos dias – até mesmo em torno das publicações  progressistas - e tentam lhes perpetuar na condição de acomodação,  entorpecimento e paralisia frente ao seu inimigo visceral..
Desde A teoria da alienação em Marx, escrito na década de 1960, até seus textos mais recentes, como O desafio e o fardo do tempo histórico, de 2007, o ponto-chave que orienta a reflexão filosófica de Mészáros é a realização da transcendência positiva da auto-alienação do trabalho. O mesmo se dá, evidentemente, em A educação para além do capital, concebido originalmente como uma conferência a ser proferida no Fórum Mundial de Educação, na cidade de Porto Alegre, em 2004. Nesse contexto, pode-se dizer que a crítica radical da alienação é o elemento decisivo para se entender não apenas a proposta, discutida nesse livro, de "contra-interiorização" da realidade histórico-social, que precisa se dar em ambientes formais e informais de aprendizagem, mas da teoria social e política do filósofo húngaro em sua totalidade.
Desde A teoria da alienação em Marx, escrito na década de 1960, até seus textos mais recentes, como O desafio e o fardo do tempo histórico, de 2007, o ponto-chave que orienta a reflexão filosófica de Mészáros é a realização da transcendência positiva da auto-alienação do trabalho. O mesmo se dá, evidentemente, em A educação para além do capital, concebido originalmente como uma conferência a ser proferida no Fórum Mundial de Educação, na cidade de Porto Alegre, em 2004. Nesse contexto, pode-se dizer que a crítica radical da alienação é o elemento decisivo para se entender não apenas a proposta, discutida nesse livro, de "contra-interiorização" da realidade histórico-social, que precisa se dar em ambientes formais e informais de aprendizagem, mas da teoria social e política do filósofo húngaro em sua totalidade.
.Sem compreender isso, qualquer  empreendimento que vise elucidar criticamente as proposições de Mészáros  sobre as formas – atuais e vindouras - de mediar o sócio-metabolismo  humano fica tremendamente prejudicado. A educação é importante para um  projeto político-social alternativo porque a superação da alienação só  pode ser feita por meio de uma atividade autoconsciente. Esta é,  pois, a condição para passarmos de uma situação onde nos encontramos  completamente fragmentados, cindidos, diminuídos, submissos às nossas  próprias criações materiais e estranhos em relação aos nossos  semelhantes, para uma outra, na qual poderemos nos desenvolver ao máximo  e nos tornarmos ricos no sentido qualitativo da palavra: sujeitos que sentem intimamente a carência de uma multiplicidade de manifestações humanas de vida (Cf. Marx).
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Mas quem lê desavisadamente o prefácio à edição brasileira de A educação para além do capital é induzido a crer que as preocupações de Mészáros são as mesmas de Sader, a saber: como fortalecer a esfera pública em contraposição ao domínio do privado. Vejamos, nesse sentido, o que afirma o politólogo brasileiro: "Talvez nada exemplifique melhor o universo instaurado pelo neoliberalismo, em que ‘tudo se vende, tudo se compra’, ‘tudo tem preço’, do que a mercantilização da educação. Uma sociedade que impede a emancipação só pode transformar os espaços educacionais em shoppings centers, funcionais à sua lógica do consumo e do lucro. O enfraquecimento da educação pública, paralelo ao crescimento do sistema privado, deu-se ao mesmo tempo em que a socialização se deslocou da escola para a mídia, a publicidade e o consumo" (Cf. SADER, 2005, 16).
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Uma leitura atenta, contudo, vai nos mostrar que os termos de referência de Mészáros são completamente outros. Em primeiro lugar, porque não é o neoliberalismo que mercantiliza tudo – inclusive a educação -, e sim, em nosso contexto, o sistema do capital. Em segundo lugar, a questão realmente importante não é exatamente o "enfraquecimento da educação pública" em comparação com o crescimento do ensino privado. Ao colocar as questões desse modo, Sader tenta fazer-nos crer que a preocupação de Mészáros seria com um eventual fortalecimento do setor público em contraposição ao setor privado – seria, portanto, combater precipuamente o "neoliberalismo".
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Mas o filósofo húngaro não é tão ingênuo assim e não mistifica dessa maneira o setor "público" (o Estado). Antes disso, está muito mais interessado em demonstrar como é o sistema do capital – e não somente o "neoliberalismo" -, com todas as suas contradições, incluindo-se aí o próprio Estado, que faz parte de sua base material e que deve ser superado em concomitância com esse complexo mais amplo no qual está inserido. A educação pode contribuir com esse propósito, desde que não se limite apenas ao âmbito formal de ensino – note-se, então, que não se trata de colocar a questão em termos de "público" e "privado" - e se volte para a formação das mediações materiais não antagônicas de regulação do sócio-metabolismo humano. E isso só pode ser feito se a educação em questão for radicalmente crítica, isto é, articuladora teórico-prática de negação e afirmação no sentido da construção do socialismo – ponto importantíssimo que nem sequer é tocado no curioso prefácio.
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A preocupação de Mészáros, portanto, é em firmar uma educação revolucionária, e não meramente "pública" (ademais, em Para além do capital, o filósofo húngaro deixa bem claro que o objetivo dos socialistas é a socialização do poder de decisão sobre todos os âmbitos da atividade humana, e não a mera estatização das coisas – porque isto não elimina, em definitivo, o problema da alienação).
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Em terceiro lugar, é um equívoco completo afirmar algo parecido com "a socialização se deslocou da escola para a mídia, a publicidade e o consumo". Na verdade, a socialização - isto é, o aprendizado das relações, normas e valores sociais, a internalização do mundo humano, a apropriação ativa das produções histórico-culturais - nunca poderia ter feito esse percurso porque ela é, na verdade, como a educação, "a própria vida", ou seja, se confunde com a própria vida, seja na escola ou fora dela. O referido prefácio, portanto, desvia o foco da nossa atenção para pontos que não são preocupações centrais de Mészáros. Constitui, na verdade, um tragicômico registro de um caso de prefaciador que apresentou como se fossem do prefaciado idéias que na verdade não lhe pertenciam (acreditamos que mistificação seja um termo bastante apropriado para designar o sentido desse tipo de operação intelectual).
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A educação para a superação da alienação é, de acordo com Mészáros, a que se insere conscientemente na luta de classes. Aí, ela se desenvolve a partir da adoção crítica de um ponto de vista estruturalmente antagônico em relação ao sistema do capital. Essa nova práxis compreende tal perspectiva, os interesses que lhe são inerentes, articula-os em torno de uma ideologia capaz de proporcionar os devidos "estímulos mobilizadores" para as ações sócio-políticas da "classe com cadeias radicais" rumo à sua emancipação. É uma educação que está, pois, consciente de que só uma revolução pode libertar os trabalhadores da prisão configurada pelos processos alienados e alienantes de produção e reprodução do capital.
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Nesse contexto, todas as mistificações sobre as relações dos homens com os produtos do seu trabalho, onde estes lhes aparecem como auto-constituídos e dotados de propriedades humanas, devem ser combatidas. A educação socialista é, por definição, uma educação desmistificadora dos processos atualmente estabelecidos de controle sócio-metabólico, realizados de acordo com as exigências do capital. É, pois, numa palavra, crítica radical dos fetiches de um sistema que vive de produzir fetiches – incluindo-se aí, evidentemente, o próprio fetiche do Estado.
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O projeto socialista requer, assim, que nos orientemos a partir de um quadro estratégico adequado, de atuação nacional e internacional, com vistas a irmos para além do capital, e não meramente do capitalismo e seu regime jurídico garantidor da propriedade privada. A educação para além do capital é aquela que, concebendo-se como mediação indispensável, se integra conscientemente nesse projeto de transição que deverá fazer vir à luz uma sociedade capaz de proporcionar tempo disponível para a realização das potencialidades humanas. A educação é, portanto, na visão de Mészáros, parte de um projeto político-social - mediação coadunada com outras mediações - que precisa progressivamente negar a forma de sociabilidade atualmente cristalizada e afirmar uma alternativa viável em relação a ela. É esse movimento que constitui, pois, a crítica radical, a práxis revolucionária rumo à comunidade humana emancipada, a sociedade regulada pelos produtores livremente associados de que falava Marx.
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É importante ressaltar tais questões, pois Mészáros volta a elas freqüentemente. É a crítica da ordem do capital que deve constituir a forma da educação transformadora. Isto exige uma ampla e profunda modificação de práticas e relações materiais – ou seja, dos sistemas de mediações atualmente estabelecidos -, que deve se dar com base no objetivo de transferir o poder de decisão sobre os processos sócio-metabólicos da humanidade para os produtores associados. Por isso, a reflexão sobre educação não pode se realizar meramente tendo-se em vista os ambientes formais de ensino, mas sim, sobretudo, as esferas informais de apropriação dos produtos históricos. Nessas duas "frentes de batalha", ela necessita se estabelecer como prática que é, assim como a revolução, auto-determinada e permanente.
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O filósofo húngaro frisa constantemente que as formas de apropriação do mundo que o capital controla não se dão somente na escola ou na universidade, mas na vida como um todo. Por causa disso, a educação revolucionária não pode visar apenas os ambientes formais de ensino, mas sim se voltar para todas as outras atividades em que a interiorização ocorre, a fim de produzir uma contra-interiorização (ou contra-consciência) radical. Não mais hierárquica, fetichista, perdulária, destrutiva, e sim sustentável, cooperativa, consciente, emancipada, numa palavra, socialista. Por tal razão, uma educação alternativa só pode ser bem fundamentada se estiver amparada por uma teoria política concretamente produzida para fins específicos de confrontação de um determinado sistema de relacionamento social. Isto deve estar claro para os sujeitos envolvidos com atividades formais de ensino, pois eles necessitam ser capazes de fazer com que a sua instituição específica se abra para toda a sociedade, a fim de poder se articular com os movimentos materiais que visam superar a ordem do capital rumo à "nova forma histórica".
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A teoria de Mészáros é, portanto, uma defesa intransigente e sem concessões de que as instituições de ensino e seus participantes – educadores, educandos, trabalhadores da educação, comunidade escolar – entrem numa relação dialética com os processos políticos e sociais que, em nosso tempo, visam à construção do futuro emancipado da humanidade. Isto não significa, contudo, que tal teoria não diga algo digno de poder ser utilizado para orientar ações dentro do âmbito da escola ou da universidade. Por exemplo: se a atividade organizada pelo sistema fetichista de exploração de trabalho excedente – isto é, o sistema do capital - é estruturada hierarquicamente, a prática superadora de tal conjunto de relações precisa se ordenar de modo diverso. Isto pode ocorrer tanto no que toca à própria estrutura institucional como no interior da sala de aula: um movimento progressivo de transcendência da forma da interiorização que se dá de acordo com a lógica do capital (hierárquica), para uma outra, não fetichista, horizontal, cooperativa, auto-determinada. É esse novo tipo de prática social que torna possível a generalização do pensamento crítico e a formação da consciência socialista de massa de que fala Mészáros.
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Uma forma revolucionária de educação é, pois, segundo o filósofo húngaro, imprescindível para as classes trabalhadoras na sua luta contra o capital. Não uma educação que, impregnada de retórica mistificadora, contemporize com interesses escusos de partidos que desejam se perpetuar nos postos mais altos do Estado a partir de uma engenharia política hábil na conciliação entre as classes. Não uma educação que se dê meramente no âmbito "público", mas que seja capaz de criticar os próprios fundamentos da divisão entre o público e o privado. Não uma educação que fetichize o Estado, considerando-o como panacéia para todos os problemas, mas que combata suas contradições lá onde elas se enraízam. Finalmente: não uma educação apenas contra o setor privado, o neoliberalismo, o partido X ou Y, e sim uma educação contra o capital, suas personificações e seus ideólogos de todos os tipos - principalmente, os que exercem sua influência deletéria no interior da própria esquerda...
Ficha
Título: A educação para além do capital
Autor: István Mészáros
Editora: Boitempo
Ano: 2008 (2ª edição)
Páginas: 124
Preço: R$ 25,00
Sobre o autor: István Mészáros nasceu em Budapeste, em 1930. Em sua juventude, trabalhou em fábricas de aviões, tratores, têxteis, tipografias e até no departamento de manutenção de uma ferrovia elétrica. Aos dezoito anos, graças ao fato de haver se formado com notas máximas, ganhou uma bolsa de estudos na Universidade de Budapeste, onde pôde conhecer o filósofo György Lukács, de quem foi grande amigo e discípulo. Da Hungria, Mészáros foi para a Itália, onde trabalhou na Universidade de Turim. A partir de 1959, seu destino foi a Grã-Bretanha, onde lecionou em vários lugares: no Bedford College da Universidade de Londres (1959-1961), na Universidade de Saint Andrews, na Escócia (1961-1966), e na Universidade de Sussex, em Brighton, na Inglaterra (1966-1971). Em 1971, trabalhou na Universidade Nacional Autônoma do México, e em 1972 foi nomeado professor de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade de York, em Toronto, no Canadá. Em janeiro de 1977, retornou à Universidade de Sussex, onde veio a receber o título de Professor Emérito de Filosofia em 1991. Afastou-se das atividades docentes em 1995 e atualmente vive na cidade de Rochester, próxima a Londres.
Demetrio Cherobini é cientista social (UFSM) e mestre em Educação (UFSC).
Fonte: AQUI
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Mas quem lê desavisadamente o prefácio à edição brasileira de A educação para além do capital é induzido a crer que as preocupações de Mészáros são as mesmas de Sader, a saber: como fortalecer a esfera pública em contraposição ao domínio do privado. Vejamos, nesse sentido, o que afirma o politólogo brasileiro: "Talvez nada exemplifique melhor o universo instaurado pelo neoliberalismo, em que ‘tudo se vende, tudo se compra’, ‘tudo tem preço’, do que a mercantilização da educação. Uma sociedade que impede a emancipação só pode transformar os espaços educacionais em shoppings centers, funcionais à sua lógica do consumo e do lucro. O enfraquecimento da educação pública, paralelo ao crescimento do sistema privado, deu-se ao mesmo tempo em que a socialização se deslocou da escola para a mídia, a publicidade e o consumo" (Cf. SADER, 2005, 16).
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Uma leitura atenta, contudo, vai nos mostrar que os termos de referência de Mészáros são completamente outros. Em primeiro lugar, porque não é o neoliberalismo que mercantiliza tudo – inclusive a educação -, e sim, em nosso contexto, o sistema do capital. Em segundo lugar, a questão realmente importante não é exatamente o "enfraquecimento da educação pública" em comparação com o crescimento do ensino privado. Ao colocar as questões desse modo, Sader tenta fazer-nos crer que a preocupação de Mészáros seria com um eventual fortalecimento do setor público em contraposição ao setor privado – seria, portanto, combater precipuamente o "neoliberalismo".
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Mas o filósofo húngaro não é tão ingênuo assim e não mistifica dessa maneira o setor "público" (o Estado). Antes disso, está muito mais interessado em demonstrar como é o sistema do capital – e não somente o "neoliberalismo" -, com todas as suas contradições, incluindo-se aí o próprio Estado, que faz parte de sua base material e que deve ser superado em concomitância com esse complexo mais amplo no qual está inserido. A educação pode contribuir com esse propósito, desde que não se limite apenas ao âmbito formal de ensino – note-se, então, que não se trata de colocar a questão em termos de "público" e "privado" - e se volte para a formação das mediações materiais não antagônicas de regulação do sócio-metabolismo humano. E isso só pode ser feito se a educação em questão for radicalmente crítica, isto é, articuladora teórico-prática de negação e afirmação no sentido da construção do socialismo – ponto importantíssimo que nem sequer é tocado no curioso prefácio.
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A preocupação de Mészáros, portanto, é em firmar uma educação revolucionária, e não meramente "pública" (ademais, em Para além do capital, o filósofo húngaro deixa bem claro que o objetivo dos socialistas é a socialização do poder de decisão sobre todos os âmbitos da atividade humana, e não a mera estatização das coisas – porque isto não elimina, em definitivo, o problema da alienação).
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Em terceiro lugar, é um equívoco completo afirmar algo parecido com "a socialização se deslocou da escola para a mídia, a publicidade e o consumo". Na verdade, a socialização - isto é, o aprendizado das relações, normas e valores sociais, a internalização do mundo humano, a apropriação ativa das produções histórico-culturais - nunca poderia ter feito esse percurso porque ela é, na verdade, como a educação, "a própria vida", ou seja, se confunde com a própria vida, seja na escola ou fora dela. O referido prefácio, portanto, desvia o foco da nossa atenção para pontos que não são preocupações centrais de Mészáros. Constitui, na verdade, um tragicômico registro de um caso de prefaciador que apresentou como se fossem do prefaciado idéias que na verdade não lhe pertenciam (acreditamos que mistificação seja um termo bastante apropriado para designar o sentido desse tipo de operação intelectual).
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A educação para a superação da alienação é, de acordo com Mészáros, a que se insere conscientemente na luta de classes. Aí, ela se desenvolve a partir da adoção crítica de um ponto de vista estruturalmente antagônico em relação ao sistema do capital. Essa nova práxis compreende tal perspectiva, os interesses que lhe são inerentes, articula-os em torno de uma ideologia capaz de proporcionar os devidos "estímulos mobilizadores" para as ações sócio-políticas da "classe com cadeias radicais" rumo à sua emancipação. É uma educação que está, pois, consciente de que só uma revolução pode libertar os trabalhadores da prisão configurada pelos processos alienados e alienantes de produção e reprodução do capital.
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Nesse contexto, todas as mistificações sobre as relações dos homens com os produtos do seu trabalho, onde estes lhes aparecem como auto-constituídos e dotados de propriedades humanas, devem ser combatidas. A educação socialista é, por definição, uma educação desmistificadora dos processos atualmente estabelecidos de controle sócio-metabólico, realizados de acordo com as exigências do capital. É, pois, numa palavra, crítica radical dos fetiches de um sistema que vive de produzir fetiches – incluindo-se aí, evidentemente, o próprio fetiche do Estado.
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O projeto socialista requer, assim, que nos orientemos a partir de um quadro estratégico adequado, de atuação nacional e internacional, com vistas a irmos para além do capital, e não meramente do capitalismo e seu regime jurídico garantidor da propriedade privada. A educação para além do capital é aquela que, concebendo-se como mediação indispensável, se integra conscientemente nesse projeto de transição que deverá fazer vir à luz uma sociedade capaz de proporcionar tempo disponível para a realização das potencialidades humanas. A educação é, portanto, na visão de Mészáros, parte de um projeto político-social - mediação coadunada com outras mediações - que precisa progressivamente negar a forma de sociabilidade atualmente cristalizada e afirmar uma alternativa viável em relação a ela. É esse movimento que constitui, pois, a crítica radical, a práxis revolucionária rumo à comunidade humana emancipada, a sociedade regulada pelos produtores livremente associados de que falava Marx.
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É importante ressaltar tais questões, pois Mészáros volta a elas freqüentemente. É a crítica da ordem do capital que deve constituir a forma da educação transformadora. Isto exige uma ampla e profunda modificação de práticas e relações materiais – ou seja, dos sistemas de mediações atualmente estabelecidos -, que deve se dar com base no objetivo de transferir o poder de decisão sobre os processos sócio-metabólicos da humanidade para os produtores associados. Por isso, a reflexão sobre educação não pode se realizar meramente tendo-se em vista os ambientes formais de ensino, mas sim, sobretudo, as esferas informais de apropriação dos produtos históricos. Nessas duas "frentes de batalha", ela necessita se estabelecer como prática que é, assim como a revolução, auto-determinada e permanente.
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O filósofo húngaro frisa constantemente que as formas de apropriação do mundo que o capital controla não se dão somente na escola ou na universidade, mas na vida como um todo. Por causa disso, a educação revolucionária não pode visar apenas os ambientes formais de ensino, mas sim se voltar para todas as outras atividades em que a interiorização ocorre, a fim de produzir uma contra-interiorização (ou contra-consciência) radical. Não mais hierárquica, fetichista, perdulária, destrutiva, e sim sustentável, cooperativa, consciente, emancipada, numa palavra, socialista. Por tal razão, uma educação alternativa só pode ser bem fundamentada se estiver amparada por uma teoria política concretamente produzida para fins específicos de confrontação de um determinado sistema de relacionamento social. Isto deve estar claro para os sujeitos envolvidos com atividades formais de ensino, pois eles necessitam ser capazes de fazer com que a sua instituição específica se abra para toda a sociedade, a fim de poder se articular com os movimentos materiais que visam superar a ordem do capital rumo à "nova forma histórica".
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A teoria de Mészáros é, portanto, uma defesa intransigente e sem concessões de que as instituições de ensino e seus participantes – educadores, educandos, trabalhadores da educação, comunidade escolar – entrem numa relação dialética com os processos políticos e sociais que, em nosso tempo, visam à construção do futuro emancipado da humanidade. Isto não significa, contudo, que tal teoria não diga algo digno de poder ser utilizado para orientar ações dentro do âmbito da escola ou da universidade. Por exemplo: se a atividade organizada pelo sistema fetichista de exploração de trabalho excedente – isto é, o sistema do capital - é estruturada hierarquicamente, a prática superadora de tal conjunto de relações precisa se ordenar de modo diverso. Isto pode ocorrer tanto no que toca à própria estrutura institucional como no interior da sala de aula: um movimento progressivo de transcendência da forma da interiorização que se dá de acordo com a lógica do capital (hierárquica), para uma outra, não fetichista, horizontal, cooperativa, auto-determinada. É esse novo tipo de prática social que torna possível a generalização do pensamento crítico e a formação da consciência socialista de massa de que fala Mészáros.
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Uma forma revolucionária de educação é, pois, segundo o filósofo húngaro, imprescindível para as classes trabalhadoras na sua luta contra o capital. Não uma educação que, impregnada de retórica mistificadora, contemporize com interesses escusos de partidos que desejam se perpetuar nos postos mais altos do Estado a partir de uma engenharia política hábil na conciliação entre as classes. Não uma educação que se dê meramente no âmbito "público", mas que seja capaz de criticar os próprios fundamentos da divisão entre o público e o privado. Não uma educação que fetichize o Estado, considerando-o como panacéia para todos os problemas, mas que combata suas contradições lá onde elas se enraízam. Finalmente: não uma educação apenas contra o setor privado, o neoliberalismo, o partido X ou Y, e sim uma educação contra o capital, suas personificações e seus ideólogos de todos os tipos - principalmente, os que exercem sua influência deletéria no interior da própria esquerda...
Ficha
Título: A educação para além do capital
Autor: István Mészáros
Editora: Boitempo
Ano: 2008 (2ª edição)
Páginas: 124
Preço: R$ 25,00
Sobre o autor: István Mészáros nasceu em Budapeste, em 1930. Em sua juventude, trabalhou em fábricas de aviões, tratores, têxteis, tipografias e até no departamento de manutenção de uma ferrovia elétrica. Aos dezoito anos, graças ao fato de haver se formado com notas máximas, ganhou uma bolsa de estudos na Universidade de Budapeste, onde pôde conhecer o filósofo György Lukács, de quem foi grande amigo e discípulo. Da Hungria, Mészáros foi para a Itália, onde trabalhou na Universidade de Turim. A partir de 1959, seu destino foi a Grã-Bretanha, onde lecionou em vários lugares: no Bedford College da Universidade de Londres (1959-1961), na Universidade de Saint Andrews, na Escócia (1961-1966), e na Universidade de Sussex, em Brighton, na Inglaterra (1966-1971). Em 1971, trabalhou na Universidade Nacional Autônoma do México, e em 1972 foi nomeado professor de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade de York, em Toronto, no Canadá. Em janeiro de 1977, retornou à Universidade de Sussex, onde veio a receber o título de Professor Emérito de Filosofia em 1991. Afastou-se das atividades docentes em 1995 e atualmente vive na cidade de Rochester, próxima a Londres.
Demetrio Cherobini é cientista social (UFSM) e mestre em Educação (UFSC).
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18/02/2011
Carta Aberta ao Ziraldo, por Ana Maria Gonçalves
Caro Ziraldo,
Olho a triste figura de Monteiro Lobato abraçado a uma mulata, estampada nas camisetas do bloco carnavalesco carioca "Que merda é essa?"   e vejo que foi obra sua. Fiquei curiosa para saber se você conhece a   opinião de Lobato sobre os mestiços brasileiros e, de verdade, queria   que não. Eu te respeitava, Ziraldo. Esperava que fosse o seu senso de   humor falando mais alto do que a ignorância dos fatos, e por breves   momentos até me senti vingada. Vingada contra o racismo do eugenista Monteiro Lobato que, em carta ao amigo Godofredo Rangel, desabafou: "(...)Dizem   que a mestiçagem liquefaz essa cristalização racial que é o caráter e   dá uns produtos instáveis. Isso no moral – e no físico, que feiúra! Num   desfile, à tarde, pela horrível Rua Marechal Floriano, da gente que   volta para os subúrbios, que perpassam todas as degenerescências, todas   as formas e má-formas humanas – todas, menos a normal. Os negros da   África, caçados a tiro e trazidos à força para a escravidão, vingaram-se   do português de maneira mais terrível – amulatando-o e liquefazendo-o,   dando aquela coisa residual que vem dos subúrbios pela manhã e reflui   para os subúrbios à tarde. E vão apinhados como sardinhas e há um   desastre por dia, metade não tem braço ou não tem perna, ou falta-lhes   um dedo, ou mostram uma terrível cicatriz na cara. “Que foi?” “Desastre   na Central.” Como consertar essa gente? Como sermos gente, no concerto   dos povos? Que problema terríveis o pobre negro da África nos criou   aqui, na sua inconsciente vingança!..." (em "A barca de Gleyre". São   Paulo: Cia. Editora Nacional, 1944. p.133).

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Ironia das ironias, Ziraldo, o nome do livro de onde foi tirado o  trecho  acima é inspirado em um quadro do pintor suíço Charles Gleyre   (1808-1874), Ilusões Perdidas. Porque foi isso que aconteceu. Porque   lendo uma matéria sobre o bloco e a sua participação, você assim o endossa :  "Para acabar com a polêmica, coloquei o Monteiro Lobato sambando com   uma mulata. Ele tem um conto sobre uma neguinha que é uma maravilha.   Racismo tem ódio. Racismo sem ódio não é racismo. A ideia é acabar com   essa brincadeira de achar que a gente é racista". A gente quem,   Ziraldo? Para quem você se (auto) justifica? Quem te disse que racismo   sem ódio, mesmo aquele com o "humor negro" de unir uma mulata a quem   grande ódio teve por ela e pelo que ela representava, não é racismo?   Monteiro Lobato, sempre que se referiu a negros e mulatos, foi com ódio,   com desprezo, com a certeza absoluta da própria superioridade, fazendo   uso do dom que lhe foi dado e pelo qual é admirado e defendido até  hoje.  Em uma das cartas que iam e vinham na barca de Gleyre (nem todas  estão  publicadas no livro, pois a seleção foi feita por Lobato, que as   censurou, claro) com seu amigo Godofredo Rangel, Lobato confessou que   sabia que a escrita "é um processo indireto de fazer eugenia, e os processos indiretos, no Brasil, 'work' muito mais eficientemente". 
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Lobato estava certo. Certíssimo. Até hoje, muitos dos que o leram não   vêem nada de errado em seu processo de chamar negro de burro aqui, de   fedorento ali, de macaco acolá, de urubu mais além. Porque os processos   indiretos, ou seja, sem ódio, fazendo-se passar por gente boa e amiga   das crianças e do Brasil, "work" muito bem. Lobato ficou frustradíssimo   quando seu "processo" sem ódio, só na inteligência, não funcionou com  os  norte-americanos, quando ele tentou em vão encontrar editora que   publicasse o que considerava ser sua obra prima em favor da eugenia e da   eliminação, via esterilização, de todos os negros. Ele falava do livro  "O presidente negro ou O choque das raças"  que, ao contrário do que aconteceu nos Estados Unidos, país daquele   povo que odeia negros, como você diz, Ziraldo, foi publicado no Brasil.   Primeiro em capítulos no jornal carioca A Manhã, do qual Lobato era   colaborador, e logo em seguida em edição da Editora Companhia Nacional,   pertencente a Lobato. Tal livro foi dedicado secretamente ao amigo e médico eugenista Renato Kehl, em meio à vasta e duradoura correspondência trocada pelos dois:  “Renato, tu és o pai da eugenia no Brasil e a ti devia eu dedicar meu   Choque, grito de guerra pró-eugenia. Vejo que errei não te pondo lá no   frontispício, mas perdoai a este estropeado amigo. (...) Precisamos   lançar, vulgarizar estas idéias. A humanidade precisa de uma coisa só:   póda. É como a vinha".
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Impossibilitado de colher os frutos dessa poda nos EUA, Lobato desabafou com Godofredo Rangel:   "Meu romance não encontra editor. [...]. Acham-no ofensivo à dignidade   americana, visto admitir que depois de tantos séculos de progresso  moral  possa este povo, coletivamente, cometer a sangue frio o belo  crime que  sugeri. Errei vindo cá tão verde. Devia ter vindo no tempo em  que eles  linchavam os negros." Tempos depois, voltou a se animar: "Um   escândalo literário equivale no mínimo a 2.000.000 dólares para o  autor  (...) Esse ovo de escândalo foi recusado por cinco editores   conservadores e amigos de obras bem comportadas, mas acaba de encher de   entusiasmo um editor judeu que quer que eu o refaça e ponha mais  matéria  de exasperação. Penso como ele e estou com idéias de enxertar  um  capítulo no qual conte a guerra donde resultou a conquista pelos  Estados  Unidos do México e toda essa infecção spanish da América  Central. O meu  judeu acha que com isso até uma proibição policial  obteremos - o que  vale um milhão de dólares. Um livro proibido aqui sai  na Inglaterra e  entra boothegued como o whisky e outras implicâncias  dos puritanos". Lobato percebeu, Ziraldo, que talvez devesse apenas  exasperar-se mais,  ser mais claro em suas ideias, explicar melhor seu  ódio e seu racismo,  não importando a quem atingiria e nem por quanto  tempo perduraria, e nem  o quão fundo se instalaria na sociedade  brasileira. Importava o  dinheiro, não a exasperação dos ofendidos.  2.000.000 de dólares, ele  pensava, por um ovo de escândalo. Como também  foi por dinheiro que o Jeca Tatu, reabilitado, estampou as propagandas do Biotônico Fontoura.
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Você sabe que isso dá dinheiro, Ziraldo, mesmo que o investimento tenha sido a longo prazo, como ironiza Ivan Lessa: "Ziraldo,   o guerrilheiro do traço, está de parabéns. Finalmente o governo   brasileiro tomou vergonha na cara e acabou de pagar o que devia pelo   passe de Jeremias, o Bom, imortal personagem criado por aquele que   também é conhecido como “o Lamarca do nanquim”. Depois do imenso sucesso   do calunguinha nas páginas de diversas publicações, assim como também   na venda de diversos produtos farmacêuticos, principalmente doenças da   tireóide, nos idos de 70, Ziraldo, cognominado ainda nos meios   esclarecidos como “o subversivo da caneta Pilot”, houve por bem (como   Brutus, Ziraldo é um homem de bem; são todos uns homens de bem – e de   bens também) vender a imagem de Jeremias para a loteca, ou seja, para a   Caixa Econômica Federal (federal como em República Federativa do  Brasil)  durante o governo Médici ou Geisel (os déspotas esclarecidos em  muito  se assemelham, sendo por isso mesmo intercambiáveis)".
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No tempo em que linchavam negros, disse Lobato, como se o linchamento   ainda não fosse desse nosso tempo. Lincham-se negros nas ruas, nas   portas dos shoppings e bancos, nas escolas de todos os níveis de ensino,   inclusive o superior. O que é até irônico, porque Lobato nunca poderia   imaginar que chegariam lá. Lincham-se negros, sem violência física, é   claro, sem ódio, nos livros, nos artigos de jornais e revistas, nos   cartoons e nas redes sociais, há muitos e muitos carnavais. Racismo não   nasce do ódio ou amor, Ziraldo, sendo talvez a causa e não a   consequência da presença daquele ou da ausência desse. Racismo nasce da   relação de poder. De poder ter influência ou gerência sobre as vidas de   quem é considerado inferior. "Em que estado voltaremos, Rangel," se pergunta Lobato, ao se lembrar do quadro para justificar a escolha do nome do livro de cartas trocadas, "desta   nossa aventura de arte pelos mares da vida em fora? Como o velho de   Gleyre? Cansados, rotos? As ilusões daquele homem eram as velas da barca   – e não ficou nenhuma. Nossos dois barquinhos estão hoje cheios de   velas novas e arrogantes, atadas ao mastro da nossa petulância. São as   nossas ilusões". Ah, Ziraldo, quanta ilusão (ou seria petulância?   arrogância; talvez? sensação de poder?) achar que impor à mulata a   presença de Lobato nessa festa tipicamente negra, vá acabar com a   polêmica e todos poderemos soltar as ancas e cada um que sambe como sabe   e pode. Sem censura. Ou com censura, como querem os quemerdenses.  Mesmo  que nesse do Caçadas de Pedrinho a palavra censura não   corresponda à verdade, servindo como mero pretexto para manifestação de   discordância política, sem se importar com a carnavalização de um tema   tão dolorido e tão caro a milhares de brasileiros. E o que torna tudo   ainda mais apelativo é que o bloco aponta censura onde não existe e se   submete, calado, ao pedido da prefeitura para que não use o próprio nome   no desfile. Não foi assim? Você não teve que escrever "M*" porque a palavra "merda" foi censurada? Como é que se explica isso, Ziraldo? Mente-se e cala-se quando convém? Coerência é uma questão de caráter.
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 O   que o MEC solicita não é censura. É respeito aos Direitos Humanos. Ao   direito de uma criança negra em uma sala de aula do ensino básico e   público, não se ver representada (sim, porque os processos indiretos,   como Lobato nos ensinou, "work" muito mais eficientemente) em   personagens chamados de macacos, fedidos, burros, feios e outras   indiretas mais. Você conhece os direitos humanos, inclusive foi o   artista escolhido para ilustrar a Cartilha de Direitos Humanos  encomendada pela Presidência da República, pelas secretarias Especial   de Direitos Humanos e de Promoção dos Direitos Humanos, pela ONU, a   UNESCO, pelo MEC e por vários outros órgãos. Muitos dos quais você agora   desrespeita ao querer, com a sua ilustração, acabar de vez com a   polêmica causada por gente que estudou e trabalhou com seriedade as   questões de educação e desigualdade racial no Brasil. A adoção do Caçadas de Pedrinho  vai contra a lei de Igualdade Racial e o Estatuto da Criança e do   Adolescente, que você conhece e ilustrou tão bem. Na página 25 da sua   Cartilha de Direitos Humanos, está escrito: "O único jeito de uma   sociedade melhorar é caprichar nas suas crianças. Por isso, crianças e   adolescentes têm prioridade em tudo que a sociedade faz para garantir os   direitos humanos. Devem ser colocados a salvo de tudo que é violência e   abuso. É como se os direitos humanos formassem um ninho para as   crianças crescerem." Está lá, Ziraldo, leia de novo: "crianças e   adolescentes têm prioridade". Em tudo. Principalmente em situações nas   quais são desrespeitadas, como na leitura de um livro com passagens   racistas, escrito por um escritor racista com finalidades racistas. Mas   você não vê racismo e chama de patrulhamento do politicamente correto e   censura. Você está pensando nas crianças, Ziraldo? Ou com medo de que,   se a moda pega, a "censura" chegue ao seu direito de continuar  brincando  com o assunto? "Acho injusto fazer isso com uma figura da  grandeza de  Lobato", você disse em uma reportagem. E com as crianças, o  público-alvo  que você divide com Lobato, você acha justo? Sim, vocês  dividem o mesmo  público e, inclusive, alguns personagens, como uma  boneca e pano e o  Saci, da sua Turma do Pererê. Medo de censura,  Ziraldo, talvez aos  deslizes, chamemos assim, que podem ser cometidos  apenas porque se  acostuma a eles, a ponto de pensar que não são, de  novo chamemos assim,  deslizes.
O   que o MEC solicita não é censura. É respeito aos Direitos Humanos. Ao   direito de uma criança negra em uma sala de aula do ensino básico e   público, não se ver representada (sim, porque os processos indiretos,   como Lobato nos ensinou, "work" muito mais eficientemente) em   personagens chamados de macacos, fedidos, burros, feios e outras   indiretas mais. Você conhece os direitos humanos, inclusive foi o   artista escolhido para ilustrar a Cartilha de Direitos Humanos  encomendada pela Presidência da República, pelas secretarias Especial   de Direitos Humanos e de Promoção dos Direitos Humanos, pela ONU, a   UNESCO, pelo MEC e por vários outros órgãos. Muitos dos quais você agora   desrespeita ao querer, com a sua ilustração, acabar de vez com a   polêmica causada por gente que estudou e trabalhou com seriedade as   questões de educação e desigualdade racial no Brasil. A adoção do Caçadas de Pedrinho  vai contra a lei de Igualdade Racial e o Estatuto da Criança e do   Adolescente, que você conhece e ilustrou tão bem. Na página 25 da sua   Cartilha de Direitos Humanos, está escrito: "O único jeito de uma   sociedade melhorar é caprichar nas suas crianças. Por isso, crianças e   adolescentes têm prioridade em tudo que a sociedade faz para garantir os   direitos humanos. Devem ser colocados a salvo de tudo que é violência e   abuso. É como se os direitos humanos formassem um ninho para as   crianças crescerem." Está lá, Ziraldo, leia de novo: "crianças e   adolescentes têm prioridade". Em tudo. Principalmente em situações nas   quais são desrespeitadas, como na leitura de um livro com passagens   racistas, escrito por um escritor racista com finalidades racistas. Mas   você não vê racismo e chama de patrulhamento do politicamente correto e   censura. Você está pensando nas crianças, Ziraldo? Ou com medo de que,   se a moda pega, a "censura" chegue ao seu direito de continuar  brincando  com o assunto? "Acho injusto fazer isso com uma figura da  grandeza de  Lobato", você disse em uma reportagem. E com as crianças, o  público-alvo  que você divide com Lobato, você acha justo? Sim, vocês  dividem o mesmo  público e, inclusive, alguns personagens, como uma  boneca e pano e o  Saci, da sua Turma do Pererê. Medo de censura,  Ziraldo, talvez aos  deslizes, chamemos assim, que podem ser cometidos  apenas porque se  acostuma a eles, a ponto de pensar que não são, de  novo chamemos assim,  deslizes.. 
A gente se acostuma, Ziraldo.  Como o seu menino marrom se acostumou com as sandálias de dedo:  "O menino marrom estava tão acostumado com aquelas sandálias que era   capaz de jogar futebol com elas, apostar corridas, saltar obstáculos sem   que as sandálias desgrudassem de seus pés. Vai ver, elas já faziam   parte dele" (ZIRALDO, 1986,p. 06, em O Menino Marrom). O menino   marrom, embora seja a figura simpática e esperta e bonita que você   descreve, estava acostumado e fadado a ser pé-de-chinelo, em comparação   ao seu amigo menino cor-de-rosa, porque "(...) um já está quase   formado e o outro não estuda mais (...). Um já conseguiu um emprego, o   outro foi despedido do quinto que conseguiu. Um passa seus dias lendo   (...), um não lê coisa alguma, deixa tudo pra depois (...). Um pode ser   diplomata ou chofer de caminhão. O outro vai ser poeta ou viver na   contramão (...). Um adora um som moderno e o outro – Como é que pode? –   se amarra é num pagode. (...) Um é um cara ótimo e o outro, sem  qualquer  duvida, é um sujeito muito bom. Um já não é mais rosado e o  outro está  mais marrom" (ZIRALDO, 1986, p.31). O menino marrom, ao crescer, talvez virasse marginal, fado de muito negro, como você nos mostra aqui: "(...)   o menino cor-de-rosa resolveu perguntar: por que você vem todo o dia   ver a velhinha atravessar a rua? E o menino marrom respondeu: Eu quero   ver ela ser atropelada" (ZIRALDO, 1986, p.24), porque a própria   professora tinha ensinado para ele a diferença e a (não) mistura das   cores. Então ele pensou que "Ficar sozinho, às vezes, é bom: você   começa a refletir, a pensar muito e consegue descobrir coisas lindas.   Nessa de saber de cor e de luz (...) o menino marrom começou a entender   porque é que o branco dava uma idéia de paz, de pureza e de alegria. E   porque razão o preto simbolizava a angústia, a solidão, a tristeza. Ele   pensava: o preto é a escuridão, o olho fechado; você não vê nada. O   branco é o olho aberto, é a luz!" (ZIRALDO, 1986, p.29), e que   deveria se conformar com isso e não se revoltar, não ter ódio nenhum ao   ser ensinado que, daquela beleza, pureza e alegria que havia na cor   branca, ele não tinha nada. O seu texto nos ensina que é assim, sem   ódio, que se doma e se educa para que cada um saiba o seu lugar, com   docilidade e resignação: "Meu querido amigo: Eu andava muito triste   ultimamente, pois estava sentindo muito sua falta. Agora estou mais   contente porque acabo de descobrir uma coisa importante: preto é,   apenas, a ausência  do branco" (ZIRALDO, 1986, p.30).
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Olha que interessante, Ziraldo: nós que sabemos do racismo confesso   de Lobato e conseguimos vê-lo em sua obra, somos acusados por você de   "macaquear" (olha o termo aí) os Estados Unidos, vendo racismo em tudo.   "Macaqueando" um pouco mais, será que eu poderia também acusá-lo de   estar "macaqueando" Lobato, em trechos como os citados acima? Sem saber,   é claro, mas como fruto da introjeção de um "processo" que ele provou   que "work" com grande eficiência e ao qual podemos estar todos  sujeitos,  depois de sermos submetidos a ele na infância e crescermos em  uma  sociedade na qual não é combatido. Afinal, há quem diga que não  somos  racistas. Que quem vê o racismo, na maioria os negros, que o  sofrem,  estão apenas "macaqueando". Deveriam ficar calados e deixar  dessa  bobagem. Deveriam se inspirar no menino marrom e se resignarem.  Como não  fazem muitos meninos e meninas pretos e marrons, aqueles que  são a  ausência do branco, que se chateiam, que se ofendem, que sofrem   preconceito nas ruas e nas escolas e ficam doídos, pensando nisso o   tempo inteiro, pensando tanto nisso que perdem a vontade de ir à escola,   começam a tirar notas baixas  porque ficam matutando, ressentindo, a atenção guardadinha lá debaixo   da dor. E como chegam à conclusão de que aquilo não vai mudar, que não   vão dar em nada mesmo, que serão sempre pés-de-chinelo, saem por aí   especializando-se na arte de esperar pelo atropelamento de velhinhas.
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Racismo é um dos principais fatores responsáveis pela limitada   participação do negro no sistema escolar, Ziraldo, porque desvia o foco,   porque baixa a auto-estima, porque desvia o foco das atividades,  porque  a criança fica o tempo todo tendo que pensar em como não sofrer  mais  humilhações, e o material didático, em muitos casos, não facilita nada a vida delas.   E quando alguma dessas crianças encontra um jeito de fugir a esse   destino, mesmo que não tenha sido através da educação, fica insuportável   e merece o linchamento público e exemplar, como o sofrido por Wilson   Simonal. Como exemplo, temos a sua opinião sobre ele: "Era tolo, se achava o rei da cocada preta, coitado. E era mesmo. Era metido, insuportável".  Sabe, Ziraldo, é por causa da perpetuação de estereótipos como esses   que às vezes a gente nem percebe que eles estão ali, reproduzidos a   partir de preconceitos adquiridos na infância, que a SEPPIR pediu que o MEC reavaliasse a adoção de Caçadas de Pedrinho.   Não a censura, mas a reavaliação. Uma nota, talvez, para ser colocada   junto com as outras notas que já estão lá para proteger os direitos das   onças de não serem caçadas e o da ortografia, de evoluir. Já estão lá  no  livro essas duas notas e a SEPPIR pede mais uma apenas, para que as   crianças e os adolescentes sejam "colocados a salvo de tudo que é   violência e abuso", como está na cartilha que você ilustrou. Isso é um   direito delas, como seres humanos. É por isso que tem gente lutando,   como você também já lutou por direitos humanos e por reparação. É isso   que a SEPPIR pede: reparação pelos danos causados pela escravidão e pelo   racismo.
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Assim você se defendeu de quem o atacou na época em que conseguiu fazer valer os seus direitos: "(…)   Espero apenas que os leitores (que o criticam) não tenham sua casa   invadida e, diante de seus filhos, sejam seqüestrados por componentes do   exército brasileiro pelo fato de exercerem o direito de emitir sua   corajosa opinião a meu respeito, eu, uma figura tão poderosa”. Ziraldo, você tem noção do que aconteceu com os, citando Lobato,  "negros da África, caçados a tiro e trazidos à força para a escravidão",   e do que acontece todos os dias com seus descendentes em um país que   naturalizou e, paradoxalmente, nega o seu racismo? De quantos já   morreram e ainda morrem todos os dias porque tem gente que não os leva a   sério? Por causa do racismo é bem difícil que essa gente fadada a ser   pé-de-chinelo a vida inteira, essas pessoas dos subúrbios, que  perpassam  todas as degenerescências, todas as formas e má-formas  humanas – todas,  menos a normal, - porque nelas está a ausência do  branco, esse povo  todo representado pela mulata dócil que você faz  sorrir nos braços de um  dos escritores mais racistas e perversos e  interesseiros que o Brasil  já teve, aquele que soube como ninguém que  um país (racista) também de  faz de homens e livros (racistas), por  causa disso tudo, Ziraldo, é que  eu ia dizendo ser quase impossível  para essa gente marrom, herdeira  dessa gente de cor que simboliza a  angústia, a solidão, a tristeza,  gerar pessoas tão importantes quanto  você, dignas da reparação (que nem é  financeira, no caso) que o Brasil  também lhes deve: respeito. Respeito  que precisou ser ancorado em lei  para que tivesse validade, e cuja  aplicação você chama de censura.
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Junto com outros grandes nomes da literatura infantil brasileira, como Ana Maria Machado e Ruth Rocha, você assinou uma carta que, em defesa de Lobato e contra a censura inventada pela imprensa, diz: "Suas   criações têm formado, ao longo dos anos, gerações e gerações dos   melhores escritores deste país que, a partir da leitura de suas obras,   viram despertar sua vocação e sentiram-se destinados, cada um a seu   modo, a repetir seu destino. (...) A maravilhosa obra de Monteiro Lobato   faz parte do patrimônio cultural de todos nós – crianças, adultos,   alunos, professores – brasileiros de todos os credos e raças. Nenhum de   nós, nem os mais vividos, têm conhecimento de que os livros de Lobato   nos tenham tornado pessoas desagregadas, intolerantes ou racistas. Pelo   contrário: com ele aprendemos a amar imensamente este país e a  alimentar  esperança em seu futuro. Ela inaugura, nos albores do século  passado,  nossa confiança nos destinos do Brasil e é um dos pilares das  nossas  melhores conquistas culturais e sociais." É isso. Nos  livros de  Lobato está o racismo do racista, que ninguém vê, que vocês  acham que  não é problema, que é alicerce, que é necessário à formação  das nossas  futuras gerações, do nosso futuro. E é exatamente isso.  Alicerce de uma  sociedade que traz o racismo tão arraigado em sua  formação que não  consegue manter a necessária distância do foco, a  necessário distância  para enxergá-lo. Perpetuar isso parece ser  patriótico, esse racismo que "faz parte do patrimônio cultural de  todos nós – crianças, adultos,  alunos, professores – brasileiros de  todos os credos e raças." Sabe  o que Lobato disse em carta ao seu  amigo Poti, nos albores do século  passado, em 1905? Ele chamava de  patriota o brasileiro que se casasse  com uma italiana ou alemã, para  apurar esse povo, para acabar com essa  raça degenerada que você, em sua  ilustração, lhe entrega de braços  abertos e sorridente. Perpetuar isso  parece alimentar posições de  pessoas que, mesmo não sendo ou mesmo não  se achando racistas, não se  percebem cometendo a atitude racista que  você ilustrou tão bem: entregar  essas crianças negras nos braços de  quem nem queria que elas nascessem.  Cada um a seu modo, a repetir seu destino. Quem é poderoso, que cobre, muito bem cobrado, seus direitos; quem não é, que sorria, entre na roda e aprenda a sambar.
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Peguei-o para bode expiatório, Ziraldo? Sim, sempre tem que ter   algum. E, sem ódio, espero que você não queira que eu morra por te   criticar. Como faziam os racistas nos tempos em quem ainda linchavam   negros. Esses abusados que não mais se calam e apelam para a lei ao   serem chamados de "macaco", "carvão", "fedorento", "ladrão",   "vagabundo", "coisa", "burro", e que agora querem ser tratados como   gente, no concerto dos povos. Esses que, ao denunciarem e quererem se   livrar do que lhes dói, tantos problemas criam aqui, nesse país do   futuro. Em uma matéria do Correio Braziliense você disse que  "Os americanos odeiam os negros, mas aqui nunca houve uma organização   como a Ku Klux Klan. No Brasil, onde branco rico entra, preto rico   também entra. Pelé nunca foi alvo de uma manifestação de ódio racial. O   racismo brasileiro é de outra natureza. Nós somos afetuosos”. Se   dependesse de Monteiro Lobato, o Brasil teria tido sua Ku-Klux-Klan,   Ziraldo. Leia só o que ele disse em carta ao amigo Arthur Neiva, enviada   de Nova Iorque em 1928, querendo macaquear os brancos  norte-americanos:  "Diversos amigos me dizem: Por que não escreve  suas impressões? E  eu respondo: Porque é inútil e seria cair no  ridículo. Escrever é  aparecer no tablado de um circo muito mambembe,  chamado imprensa, e  exibir-se diante de uma assistência de moleques  feeble-minded e despidos  da menos noção de seriedade. Mulatada, em  suma. País de mestiços onde o  branco não tem força para organizar uma  Kux-Klan é país perdido para  altos destinos. André Siegfred resume numa  frase as duas atitudes. "Nós  defendemos o front da raça branca - diz o  sul - e é graças a nós que os  Estados Unidos não se tornaram um  segundo Brasil". Um dia se fará  justiça ao Kux-Klan; tivéssemos aí uma  defesa dessa ordem, que mantém o  negro no seu lugar, e estaríamos hoje  livres da peste da imprensa  carioca - mulatinho fazendo o jogo do  galego, e sempre demolidor porque a  mestiçagem do negro destroem (sic) a  capacidade construtiva." Fosse  feita a vontade de Lobato,  Ziraldo, talvez não tivéssemos a imprensa  carioca, talvez não  tivéssemos você. Mas temos, porque, como você também  diz, "o racismo brasileiro é de outra natureza. Nós somos afetuosos."  Como, para acabar com a polêmica, você nos ilustra com o desenho para o   bloco quemerdense. Olho para o rosto sorridente da mulata nos braços  de  Monteiro Lobato e quase posso ouvi-la dizer: "Só dói quando eu rio".
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Com pesar, e em retribuição ao seu afeto,
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Ana Maria Gonçalves
Negra, escritora, autora de Um defeito de cor.
Negra, escritora, autora de Um defeito de cor.
Fonte: AQUI 
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