23/02/2011
Filiação do ANDES-SN à CSP- Conlutas é aprovada no 30º Congresso do Sindicato Nacional
A unidade da classe trabalhadora permeou as várias intervenções de um dos mais aguardados temas da plenária do 30º Congresso do ANDES-SN: a filiação do Sindicato Nacional à Central Sindical e Popular (CSP- Conlutas), deliberada na noite deste domingo (20), último dia das atividades.
.
Antes da votação, no púlpito, a maioria dos delegados defendeu a filiação. O relacionamento com os movimentos sociais e internacionalistas e a preservação da independência sindical foram reiteradamente citados como pontos convergentes entre o horizonte de luta do ANDES-SN e o projeto da CSP-Conlutas.
.
Francisco Miraglia, encarregado sindical da diretoria do ANDES-SN, ressaltou que o Sindicato vem lutando para reunir os diversos setores da classe trabalhadora em torno de um novo projeto de sociedade. “O ANDES-SN está na construção de uma articulação de grande porte, que junta o movimento sindical, o movimento popular e uma parcela importante do movimento estudantil. Investe tempo e energia política em reconstituir o conjunto classista e combativo que convocou o Conclat para a consolidação de um amplo fórum de todos os movimentos de luta contra as opressões que queiram resistir aos ataques do governo, da burguesia e da elite deste país. A gente trabalha para construir este fórum, proposto por este sindicato. Queremos trabalhar no nível de organização no interior da CSP-Conlutas, no nível da rearticulação de um fórum combativo e com todos aqueles que querem enfrentar o capitalismo”.
.
Luiz Mauro, 2º vice-presidente do ANDES-SN, testemunhou a experiência de sua Seção Sindical com relação à vivência concreta da organização pela base, com autonomia, que, segundo o professor, denota o enraizamento da Central. “A CSP-Conlutas é experiência fundamental para a classe. Sabemos o que é a construção com movimentos sociais, é nova e riquíssima. Sabemos e temos vivenciado estrutura horizontal. Vivemos o que era a dificuldade de ter alguma proposta minimamente levada de forma democrática. O 30º congresso deve, sim, aprovar a filiação já”, argumentou.
.
Para Rodrigo Dantas, da Adunb, a questão é crucial para o debate político, para o Sindicato Nacional e para a relação com o conjunto da classe trabalhadora. “É preciso colocar o tema em perspectiva histórica. Estamos discutindo há sete anos. Há sete anos nós vemos nos nossos CONADs e Congressos afirmando como eixo central da nossa política a articulação com movimentos sociais para reconstruir a unidade da classe trabalhadora. Fomos parte fundamental do processo de elaboração do que é a CSP-Conlutas. É preciso observar as elaborações nossas que foram absorvidas quase que totalmente pela Central”.
.
Aldisio Costa, da Adufepe, se posicionou contrariamente à filiação. “Nós ouvimos aqui, durante todo o Congresso, a dificuldade que temos hoje em nossas bases, até para construir diretoria. Esta construção não está avançada no seio de nossas bases. É preciso primeiro formar consciência dos docentes”, pontuou.
.
A professora Claudia Durans, da Apruma, defendeu que o Congresso aprovasse a filiação por identificar a central como um polo aglutinador das lutas sociais. "Nós todos estamos muito orgulhosos da trajetória de nosso Sindicato. É diferenciado, porque reúne professores de diversas áreas e porque não se preocupa só com as questões específicas dos docentes. Vimos que ao longo da história sempre se posicionou. Contribuo no GT Etnia, Gênero e Classe discutindo a questão das opressões, e identifico que a única central sindical que concretamente unifica a luta de todos os oprimidos é a CSP-Conlutas”.
.
“Não há licença sabática nesse caso, mas lembro que foram sete anos pra entrar na CUT, sete anos pra sair. Não quero esperar mais sete anos. Vamos respeitar a decisão coletiva que este sindicato vem reiteradamente tomando. Não é possível que fiquemos dizendo que a filiação não foi discutida”, lembrou o professor Edmundo Dias, da ADUNICAMP.
.
Já Marcos Souza, da Apes-jf, explicitou preocupação com o momento político e defendeu o adiamento da decisão. “Estamos perdendo bases com companheiros valorosos. Não discordo de que devamos ter associação com uma central autônoma e classista, mas o dever de casa (trabalho de base) ficou muito difícil. O único documento a esse respeito para a base está no Caderno de Textos do Congresso. Por isso, indico que discutamos em 2012”.
“Chegamos a esse momento derradeiro numa demonstração de sucesso significativo no sentido de aprovar os TRs, com discussão ampla, em que nenhum momento a diversidade foi ocultada, temos um plano de comunicação a desenvolver, uma carreira pras nossas seções sindicais. Esse momento derradeiro torna-se mais importante porque podemos ratificar nossa perspectiva classista. O ANDES-SN sempre esteve, está e estará ao lado da classe trabalhadora. Temos que colocar o bloco na rua agora. Aprendi na militância: respeito o conjunto da base porque eu trabalho com a base, eu não falo por ela. Esse TR vai nos permitir levar para as Seções Sindicais a necessária condição de fortalecemos essa unidade de classe que tanto desejamos”, discordou Rubens Rodrigues, também da Apes-jf.
.
A filiação do ANDES-SN à CSP-Conlutas foi aprovada por 134 votos favoráveis, 39 contrários e 23 abstenções.
.
A CSP-Conlutas foi fundada durante o Congresso da Classe Trabalhadora (Conclat), em junho de 2010, com a presença de mais de 3000 delegados. O ANDES-SN participou do Conclat com delegados de base e diretoria. O 55º CONAD reconheceu que havia sido fundada uma nova Central e referendou a participação do ANDES-SN na Secretaria Executiva Nacional Provisória, eleita no Conclat. Para contribuir no processo de articulação com setores que não integram hoje a nova entidade e que se inserem no campo classista, o 55º CONAD também aprovou a atuação do ANDES-SN na perspectiva de diálogo com estes destes setores.
.
O estabelecimento de um prazo de um ano para a realização de um balanço do processo de reorganização em relação à Central, tendo como referência as resoluções do Sindicato Nacional dobre estratégia, natureza e unidade do campo combativo e classista, e a deliberação de encaminhamentos derivados deste balanço no 31º Congresso, em 2012, também foram aprovados na plenária.
Fonte: ANDES-SN
.
Improvisação inconstitucional : MP justifica contratos precários em novas Ifes
Uma Medida Provisória (no 525) editada pela presidente Dilma Rousseff e encaminhada na última segunda-feira (14/2) ao Congresso Nacional inclui a expansão das Instituições Federais de Ensino Superior na categoria de “excepcional interesse público”, para se eximir da responsabilidade de criar vagas nos quadros permanentes das Ifes e justificar contratos precários de docentes.
.
A MP altera a lei 8745, que versa sobre a contratação de professores, e estabelece que vagas de profissionais de ensino em novas instituições poderão ser ocupadas por professores temporários, sem a obrigatoriedade da promoção de concursos. O mecanismo também valerá para preencher cargos que ficam descobertos quando docentes assumem vagas de reitor, pró-reitor, vice-reitor ou diretor do campus.
Na avaliação do ANDES-SN, a medida institucionaliza a precarização do trabalho docente e do ensino superior público e de qualidade: além de salários menores, é vetado o direito a férias e o acesso ao plano de carreira a estes trabalhadores. De acordo como o texto da MP, a contratação de temporários deverá limitar-se ao prazo de dois anos. O que não está claro, contudo, é se a vaga poderá ser preenchida por outro professor na mesma condição. Em relação aos professores substitutos, fica estabelecido um limite de 20% do total de professores efetivos em cada instituição.
A liberação de contratação de temporários se dá ao mesmo tempo em que o governo federal anuncia um corte de R$ 50 bilhões do Orçamento. “A MP é editada em um momento em que são anunciados o congelamento de vagas e a suspensão de concursos para efetivos. Esta nos parece uma improvisação inconstitucional para resolver situações caóticas”, avalia Marina Barbosa, presidente do ANDES-SN.
A MP está na pauta de discussão do 30o Congresso do ANDES-SN, que reúne mais de 400 professores nesta semana em Uberlândia (MG).
Fonte: ANDES-SN
.
Universidades sofrerão corte de 10% no orçamento para custeio
Redução para a UnB pode chegar a R$ 12 milhões. MEC também pediu diminuição nos gastos com passagens e diárias.
O corte no orçamento do governo federal vai reduzir em 10% as verbas para custeio das universidades federais. A informação foi dada pelo secretário de Ensino Superior do Ministério da Educação, Luiz Cláudio Costa, aos reitores das universidades federais.
.
O orçamento da UnB para 2011 prevê R$ 127 milhões para despesas de custeio – gastos com material de consumo, água, luz e programas de assistência. Ou seja, o corte deve ser da ordem de R$ 12 milhões. "É um valor alto, ainda mais se considerarmos que os recursos do governo já não são suficientes para manter as nossas atividades", afirma o reitor em exercício João Batista de Sousa. "Nós vamos ter que conversar com as unidades acadêmicas para ver o que pode ser cortado ou adiado para 2012".
.
Na reunião com os reitores, o secretário de Ensino Superior pediu compreensão, uma vez que o Ministério da Educação foi um dos que menos sofreu com o corte de R$ 50 bilhões no orçamento da União. O orçamento federal será reduzido em 2,5%. No MEC, essa diminuição chega a 1,7%.
.
Ainda assim, a UnB pode ter prejuízo. "A situação é difícil, e tudo indica que este será um ano muito duro", diz o decano de Administração e Finanças, Pedro Murrieta. Os recursos do governo correspondem a 68% dos gastos da UnB. O restante é coberto com a captação própria da universidade, como, por exemplo, os concursos e seleções realizados pelo Cespe.
.
O problema é que o governo federal também anunciou uma redução no ritmo de concursos públicos, que renderiam à UnB cerca de R$ 35 milhões em 2011. Por outro lado, o reitor em exercício João Batista lembra que a empresa pública que vai gerir os hospitais universitários deve absorver grande parte dos gastos do HUB. "Haverá mais dinheiro vindo para a gestão do HUB, o que pode ajudar".
.
O Ministério da Educação também pediu que as universidades reduzam seus gastos com diárias e passagens em 50%. João Batista disse que vai tentar reverter esse pedido, uma vez que ele afeta diretamente as atividades-fim da universidade – ensino, pesquisa e extensão. "Os reitores vão atuar politicamente para que esse corte não ocorra", afirmou.
.
Histórico de depressão reprova professores
Mariana Mandelli - O Estado de S.Paulo
.
.
Professores aprovados no último concurso para a rede estadual de São Paulo estão impedidos de assumir seus cargos por terem tirado, em algum momento de suas carreiras, licenças médicas por motivo de depressão. Por essa razão, devem continuar com contratos temporários. Especialistas afirmam que a decisão é preconceituosa.
O Estado conversou com dois professores que passaram por todo o processo do concurso que selecionou docentes para atuar no ciclo 2 do ensino fundamental. O concurso tem diversas etapas: prova inicial, curso de preparação (que dura cerca de quatro meses), prova pós-curso e diversos exames de perícia médica - fase na qual foram "reprovados". Docentes míopes e obesos também foram impedidos de assumir seus cargos nessa mesma seleção.
.
.
Jair Berce, de 36 anos, que leciona na rede pública desde 1994 com contrato temporário, é um dos barrados. Ele conta que, na primeira perícia, foi considerado apto. Seu nome foi publicado no Diário Oficial em 8 de janeiro, na lista dos professores nomeados. No entanto, no dia 26, Berce foi convocado para uma nova perícia. O psiquiatra questionou as licenças médicas que ele havia tirado em 2003 (cinco dias afastado) e em 2004 (duas vezes: dez dias e depois duas semanas).
.
"Eu nem lembrava mais disso, foi há tanto tempo. Tomei fluoxetina (um tipo de antidepressivo) por seis meses. Hoje não tomo mais, estou muito bem. Foi um período difícil na minha vida: minha mãe tinha morrido, minha irmã tinha sofrido um acidente e eu estava terminando minha tese", lembra. Berce é formado em Ciências Sociais pela USP e tem mestrado em Antropologia pela PUC-SP. Ele também leciona na rede municipal de Barueri.
.
Nessa mesma perícia, Berce passou pelo teste de Rorschach - que consiste em interpretar dez pranchas com imagens formadas por manchas simétricas de tinta. "Depois que soube da reprovação, pedi para ver o prontuário. Nele, havia a seguinte anotação: "visto avaliação psicológica F-32 - sugiro temerário o ingresso" e "não apto"", conta. F-32 é o código da Classificação Internacional das Doenças (CID) para depressão.
.
O professor C.Z., de 34 anos, que, assim como Berce, leciona Sociologia, atua na rede estadual há dez anos e foi vetado no concurso pelo mesmo motivo. No ano passado, ele terminou um casamento de cinco anos e precisou se afastar do trabalho. "Foi um período difícil, que me consumiu muito e fui orientado a procurar um psiquiatra para tirar uma licença", lembra ele.
.
Z. ficou um mês fora da sala de aula. "Eu nunca havia tirado licença do trabalho. E nunca tomei remédio", afirma. Segundo ele, na perícia do concurso, o médico marcou "não apto". "Eu vi quando ele escreveu e perguntei o porquê. Ele disse que era por causa da licença. Tentei argumentar e explicar os motivos, mas ele não quis me ouvir."
.
Os dois professores continuam dando aulas como temporários. "É contraditório: como posso continuar trabalhando se eles me vetaram?", questiona o professor Berce.
.
Ambos recorreram da decisão e foram convocados para novas perícias, que devem ocorrer nesta semana (mais informações nesta página).
.
Discriminação. A psiquiatra da Unifesp Mara Fernandes Maranhão afirma que vetar um docente pelo fato de ele ter tido depressão é preconceito. "Toda pessoa está sujeita a passar por situações difíceis", explica. "Aquelas que têm propensão ou componente genético desenvolvem processos depressivos."
.
Segundo Mara, são poucos os quadros realmente curáveis, já que há grande chance de recorrência. "Mas a doença é tratável e, com acompanhamento, o paciente pode voltar a trabalhar normalmente. Não existe razão para rejeitá-lo."
.
Eli Alves da Silva, presidente da Comissão de Direito Trabalhista da OAB-SP, concorda. "Essa pessoas estão sendo discriminadas pelo próprio Estado, que é quem deveria combater esse tipo de coisa."
.
Para o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), o governo deve "propor acompanhamento a todos os casos de professores com problemas de saúde e não alijá-los do trabalho". A entidade ressalta que seu departamento jurídico tem ingressado com ações na Justiça para garantir aos professores nessa situação o direito de lecionar.
.
22/02/2011
Veja os 10 Princípios do Forum em Defesa da Escola Pública que serão lançados na UERJ nesta quarta (dia 23/2)
Nesta quarta-feira (dia 23 de fevereiro), às 14h, no auditório 71 da UERJ, ocorrerá o Ato de Lançamento dos Princípios que norteiam a ação do Fórum Estadual em Defesa da Escola Pública (FEDEP). O Fórum foi criado durante a realização do Seminário de Educação do Sepe, em novembro de 2010 e dele participam representantes de entidades diversas ligadas à área educacional (universidades públicas federais e estaduais), movimentos sindicais, trabalhadores sem-terra, educadores das redes públicas e das universidades, estudantes secundaristas e universitários. O principal objetivo da criação do fórum é articular a ação dos educadores e dos movimentos sociais na a luta pelo resgate da educação pública e de qualidade no estado do Rio de Janeiro e em nível nacional.
Veja quais são os 10 Princípios do Fórum em Defesa da Escola Pública:
1 - Defender a educação pública, gratuita, laica, democrática e de qualidade social, em todos os níveis, como um direito social universal e dever do Estado
2 - Exigir do poder público a garantia de acesso e de permanência, assegurando efetiva assistência estudantil (moradia, transporte, meia entrada nos eventos culturais, bolsa de manutenção etc.)
3 - Defender a organização de um efetivo Sistema Nacional de Educação que articule e garanta o cumprimento das responsabilidades educacionais dos diferentes entes federais
4 - Defender a aplicação imediata de montante equivalente a, pelo menos, 10% do PIB na educação pública em todos os níveis e que as verbas públicas sejam destinadas somente para as escolas públicas
5 - Combater todas as formas de mercantilização da educação e a introdução de critérios produtivistas no trabalho dos profissionais de educação e na avaliação das instituições e dos estudantes
6 - Exigir controle social sobre a educação privada, como concessão do poder público. É função do Estado regulamentar e fiscalizar seu funcionamento , observando a garantia de carreira digna aos seus trabalhadores e a autonomia didático-científica diante de suas mantenedoras
7 - Articular a luta em prol da qualidade da educação com a defesa da garantia pelo Estado das condições de trabalho dos profissionais da educação, incluindo a valorização salarial e a autonomia didático-científica
8 - Exigir que a gestão democrática das instituições e sistemas educacionais seja realizada por meio de órgãos colegiados democráticos
9 - Defender a formação inicial e continuada, pública e gratuita, presencial e de qualidade de todos os trabalhadores em educação, em todos os níveis e modalidades educacionais
10 - Ampliar o debate com os movimentos sociais e populares e entidades acadêmicas com o objetivo de reconstruir o Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública e fortalecer a luta pela elaboração coletiva e democrática do Plano Nacional de Educação: proposta da sociedade brasileira.
Fonte: Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do RJ
21/02/2011
13º Congresso: ata de delegados e normas (SEPE)
á estão à disposição as atas para a eleição de delegados e as normas do 13º Congresso. O prazo para a eleição de delegados, por exemplo, começa hoje e vai até 19 de maio. Abaixo, os links para os textos:
Fonte: http://www.seperj.org.br/ver_noticia.php?cod_noticia=1707
.
20/02/2011
A UNIDADE CLASSISTA E O XXX CONGRESSO DO ANDES-SN
Diante de um quadro político que apresenta sinais que apontam, simultaneamente, para o possível aprofundamento da aplicação de políticas neoliberais no Brasil, reveladas, entre outras manifestações, no anúncio de cortes no orçamento e de congelamento de realização de concursos – afetando diretamente as universidades federais –, e, simultaneamente, para a retomada da mobilização e da luta dos trabalhadores, em diversas áreas, entendemos que é necessária uma reflexão sobre nossa entidade que permita a correção de rumos e o seu fortalecimento.
O Andes-SN exerceu e ainda exerce uma importância fundamental na construção do sindicalismo combativo de nosso país. Desde o enfrentamento contra a ditadura militar que culmina nas primeiras greves de 1980 e 1981 bem como na incansável luta pela construção da universidade pública, gratuita, democrática, laica e socialmente referenciada, como foi formulado no Caderno 2 do Andes-SN, a entidade tem se caracterizado como vanguarda na luta pelas liberdades democráticas e pela construção de uma Universidade de cunho popular.
.
Nos embates mais recentes, o Andes-SN tem tido posturas corretas, de maneira geral, quanto ao enfrentamento de ações do governo Lula, como o Reuni, que amplia o acesso à universidade sem, no entanto, garantir as condições para sua manutenção; o Prouni, que transfere recursos públicos para as universidades privadas ao invés de assegurar o financiamento necessário para as universidades públicas; nas denúncias contra as ditas “fundações de apoio”, verdadeiras caixas secretas dentro das universidades públicas e que recentemente foram desnudadas com acusações de enriquecimento ilícito envolvendo entes privados e dirigentes de universidades que se nutriam de recursos públicos. Também no terreno da luta sindical mais específica, o Andes SN vem demonstrando uma aproximação maior com o professorado, como no caso da recém divulgada nova proposta de Carreira, que contém, além de uma estrutura muito bem construída, propostas concretas que reúnem as condições de se transformarem em referências de mobilização e luta de toda a categoria.
.
No entanto, entendemos que alguns aspectos devem ser problematizados nesta trajetória que inclusive culminam com a crise que o Andes-SN está vivendo atualmente. Desde o seu nascimento as direções que se sucedem, sob a justificativa de defender a liberdade de organização sindical, insistiram na tese do “pluralismo sindical” em contraposição à “unicidade sindical”. A unicidade sindical é uma questão de princípio para um movimento sindical que se queira transformador da realidade e representativo dos trabalhadores. A pluralidade sindical é um desserviço à luta dos trabalhadores e o exemplo é a situação criada com o surgimento da entidade pelega denominada “Proifes”.
.
Todos sabemos que a grande arma do trabalhador é a sua unidade, e como grande parte dos integrantes do anterior e do atual governo são ex-dirigentes de sindicatos de trabalhadores (estando muitos destes hoje a serviço do capital), sabem muito bem como enfraquecer uma categoria: ferindo sua unidade de ação. Desta forma, o governo Lula, juntamente com seu braço sindical, a CUT, estimulou o nascimento do Proifes, com o único intuito de enfraquecer o movimento docente representado pelo Andes-SN.
.
Com a certeza de que a divisão do movimento docente seria benéfica ao governo federal, o Proifes, em nome de nossa categoria, negocia, faz acordos e, desta maneira, confunde e contribui para a desmobilização do movimento docente, sendo participante de várias reuniões em que o Andes-SN sequer foi convidado. Um exemplo dessas negociações sem o apoio da categoria pôde ser observado em 2008 com o “Termo de acordo” assinado com o governo federal (que se transformou na Medida Provisória 431/08) e que não contou com o apoio do Andes-SN e nem da maioria das assembléias gerais realizadas em todo o país.
.
Apesar do surgimento do Proifes, a partir de brechas e ações junto ao Ministério do Trabalho que levaram o Andes-SN a dificuldades financeiras, justamente no momento em que mais precisava dinamizar a luta dos docentes, em junho de 2009, o registro do Andes-SN foi restabelecido pelo MTE, mas uma nova luta começa com a tentativa de rejeitar o pedido de registro sindical do Proifes. Esta “entidade” defende que as próprias seções sindicais escolham a qual sindicato querem ficar filiadas. Isso demonstra, na prática, a ação nociva do pluralismo sindical, já que divide a categoria e enfraquece o movimento.
.
O debate sobre a unicidade e pluralismo sindical deve ser enfrentado com seriedade junto a nossa categoria, já que a prática tem demonstrado os efeitos deletérios que, tanto o pluralismo, como a falta de debate sobre o tema, tem gerado.
.
Além disso, percebemos que a questão da filiação à Conlutas no 26° Congresso, em Campina Grande, mostrou-se precipitada e que hoje nos têm colocado numa posição de isolamento. Se a desfiliação da CUT foi uma medida acertada, devido àquela central sindical não mais representar os interesses da classe trabalhadora, de maneira geral, e dos funcionários públicos, de forma particular, por ter se transformado em um órgão de conciliação de classes e em uma correia de transmissão das políticas neoliberais do governo Lula, a filiação à então recém criada Conlutas em 2007 foi uma medida que se mostrou açodada e não representativa da unidade da classe.
.
Na verdade, o quadro político e sindical brasileiro naquele momento ainda estava em um processo de grandes mudanças com repercussão de novas tendências no movimento sindical, a exemplo do surgimento da Intersindical. Por outro lado, a imediata filiação à Conlutas, sem a antecedência de um amplo e constante debate, sobre o papel e o caráter da Conlutas, que ainda estava no seu nascimento, demonstra uma tendência ao aprofundamento da estreiteza política que funcionou como um mecanismo de aparelhamento do movimento.
.
Nos opomos à concepção de organização proposta pela Conlutas por entendermos que necessitamos de uma verdadeira central sindical que expresse a intervenção dos trabalhadores enquanto classe, em que a centralidade da luta se manifeste na contradição capital-trabalho. É fundamental que todas as demais manifestações de movimentos organizados, seja anti-racismo, gênero, diversidade sexual, estudantil, devam ser interpretados do ponto de vista de classe, pois, sem essa compreensão, se tornam movimentos de busca por melhores condições de participação na dinâmica do sistema capitalista.
.
Entendemos que, no atual estágio de conformação das políticas que possam alicerçar a base social do Andes-SN, o debate e o aprofundamento sobre o papel das universidades estaduais têm que ser mais efetivo dentro do nosso sindicato. As universidades estaduais têm sido um estuário para aplicação de políticas neoliberais e dos moldes propostos pelo Banco Mundial e organismos nacionais e internacionais que visam ao desmonte de um projeto de universidade popular. O mesmo se pode dizer quanto ao caso das universidades particulares, que em grande medida submetem os professores à condição de trabalhadores precarizados e superexplorados e sempre colocados à mercê das leis do mercado.
.
Assim, entendemos que este Congresso do Andes-SN deve ser aberto à discussão dos mais variados temas, mesmo alguns que nos últimos anos têm sido preteridos sob a justificativa de ser matéria vencida e que tem feito com que medidas estreitas fossem adotadas levando ao isolamento da entidade. Desta forma, estaremos certos de buscar superar nossos erros e construir a Universidade pela qual lutamos: uma Universidade como instrumento de transformação da realidade social, uma Universidade popular que contribua efetivamente para o acesso de todos à ciência e à formação superior.
.
Entendemos que o Andes-SN deve participar também das lutas gerais da sociedade, a exemplo da campanha do Petróleo – Petrobrás 100% estatal –, na defesa do Aqüífero Guarani, na solidariedade internacional, bem como na defesa da manutenção e expansão dos direitos conquistados pela classe trabalhadora. É necessário mais do que nunca a unidade dos trabalhadores para vencer os desafios que virão a partir do governo Dilma, já que a crise econômica tende a se alastrar e a receita do capital para minimizar os efeitos da crise é jogar a conta para os trabalhadores através do aumento do desemprego, da diminuição dos salários, da piora das condições de trabalho e por parte dos governos, mesmo dos países centrais, através do corte dos gastos públicos e da reforma da previdência social.
.
A Universidade brasileira é um projeto em disputa e, mesmo entendendo que a Universidade que queremos é um projeto da sociedade socialista, compreendemos que mediações devem ser feitas na luta cotidiana de nossa categoria. Cabe a nós discuti-la e construí-la em fóruns como esse e na sociedade como um todo.
.
Uberlândia (MG), 17 de fevereiro de 2011
.
.
.
A Educação como práxis revolucionária
Alexandre Haubrich
"Educação não transforma o mundo. Educação muda pessoas. Pessoas transformam o mundo" – Paulo Freire
Todos os conceitos devem ser desconstruídos para serem construídos com o espírito revolucionário. Tudo está impregnado pela manipulação, pela dominação intransigente, preconceituosa, agressiva, violenta, que as elites infringem ao povo. Cada instituição precisa ser repensada, reformulada. E a consciência é o único caminho para essa mudança. E essa mudança é o caminho inicial para a revolução. Nos dias de hoje, nada pode ser mais revolucionário do que o pensamento crítico. E nada pode fomentar com mais força o pensamento crítico do que a escola. É ali que, crianças, aprendemos a obedecer sem contestar, a receber sem conceber. É ali que somos colocados na moldura que nos desenhará escravos coisificados. E se a própria moldura rebelar-se?
.
Além da carga genética, os seres humano vão sendo formados a todo instante por suas relações com o ambiente, que inclui tudo o que o indivíduo capta através de cada um de seus sentidos. Algumas dessas captações, porém, têm mais relevância do que outras, pois atuam propositadamente como instâncias formadoras. Tradicionalmente, no mundo ocidental temos quatro instituições que cumprem essa função: família, igreja, imprensa e escola.
.
De acordo com o contexto local, outros ambientes podem atuar com força semelhante, como as organizações de bairro ou os sindicatos. De forma diferente, mas também relevante, as relações estabelecidas no trabalho contribuem cada vez mais para a moldagem de cada indivíduo. De certa forma, todos esses ambientes contêm e/ou são os "fatos sociais" identificados por Émile Durkheim. Segundo o sociólogo francês, fatos sociais são "coisas", criadas socialmente, que induzem as ações dos indivíduos.
.
Ao mesmo tempo, entendemos que são os próprios indivíduos – é claro que em suas relações sociais e de forma coletiva – que alimentam ou matam pela fome os fatos sociais. Demonstração disso é a intensa dinâmica de variação entre os níveis de influência de cada aspecto sobre a sociedade, variando de acordo com o espaço ou mesmo com o tempo dentro de uma mesma formação social. Nada está dado, tudo é construído e reconstruído diariamente, a cada ação. É nessa possibilidade constante de mudança, criada pelos indivíduos em suas inter-relações, que se baseia qualquer intenção verdadeiramente revolucionária. Para Durkheim, porém, a função da educação formal não pode deixar de ser fundamentalmente coercitiva, objetivando sempre moldar cada ser em acordo com as necessidades funcionais da sociedade. Essas necessidades, no pensamento do sociólogo francês, parecem ser sempre alienadas e alienantes, sem conter a possibilidade de emancipação e libertação.
.
Percebemos, por outro lado, forte potencial revolucionário na Educação e em outras instituições. Entendemos que a revolução é latente nas classes dominadas, e que as instituições podem ser modificadas profundamente sem serem substituídas em sua essência. A refundação da escola, que visualizamos como necessária, não precisa destruir a totalidade do legado educacional para tornar-se redentora. A escola não precisa ser opressora, sua essência é educativa, ainda que sua história mostre origens de opressão.
.
Mesmo reconhecendo o papel formador dos outros "fatos sociais", é difícil negar o papel protagonista das quatro instituições citadas anteriormente (família, igreja, imprensa e escola) no que se refere à forma como as pessoas agem em sociedade. Isso acontece porque, diferentemente das outras "origens de formação pessoal", o quarteto opera basicamente a partir da noção de autoridade introjetada pelo sujeito. A força coercitiva desse grupo de instituições é proporcional à sua aceitação pelo restante da sociedade, pois essa força amplia-se na medida em que o respeito ou temor é assimilado pelos semelhantes. A cada indivíduo aderente, portanto, uma instituição multiplica seu potencial para propagar-se. Essa é a razão geral, mas cada uma – família, igreja, imprensa e escola – possui sua forma específica de exercer coerção e, por extensão, dominação.
.
Seguindo as formas de dominação demonstradas por Max Weber (legal, tradicional e carismática), a família parte da dominação tradicional (baseada na crença formada antes mesmo do nascimento do indivíduo) e da dominação carismática (baseada na devoção ao líder). Da mesma forma a igreja, e até a imprensa. Por relacionarem-se às formas de dominação menos formais e mais subjetivas, revolucionar essas três instituições é uma tarefa mais complexa, na medida em que elas mesmas alimentam o imaginário do qual se servem para exercer sua dominação. A escola, por sua vez, baseia-se em seu caráter legal, ou seja, baseada em estatutos e regras. Cabe ao Estado uma possível opção por refunda-la. Partindo-se do pressuposto de que o Estado, ao menos em teoria, é um instrumento da sociedade, cabe à esta, na medida em que organiza-se como fonte de pressão, modificar os parâmetros da educação formal.
.
Se em outros momentos da história tivemos a igreja e a família com predominância na capacidade de influenciar os sujeitos, esse papel esvaziou-se. A aceleração das atividades humanas retirou tempo de convivência com a família e de presença nas diversas igrejas. Concomitantemente, o tempo de permanência na escola vem aumentando gradativamente, e, em muitos casos, já chega a um terço do dia da criança ou do adolescente. A imprensa, por sua vez, tem papel extremamente variável de acordo com a cultura nacional. No Brasil, por exemplo, o que vemos é uma gradativa perda de público por parte da televisão e dos grandes jornais, com ascensão da internet, terreno ainda de difícil avaliação como formador social. Dessa forma, a escola ganha importância e torna-se hegemônica na construção do sujeito e, por óbvia extensão, da sociedade. Sua atuação é, portanto, decisiva.
.
A escola tradicional opera historicamente, no mundo ocidental, como transição entre a infância e o trabalho. É um espaço de preparação cultural para a submissão à autoridade e à disciplina de produção contínua. A escola molda os indivíduos para suas relações sociais e, especialmente, para suas relações de trabalho, tanto frente aos outros trabalhadores quanto frente ao patrão ou à empresa. É no ambiente escolar que a criança transforma-se em adolescente e em "jovem adulto", e em meio a essa transformação aprende a submeter-se à autoridade do professor para depois submeter-se à autoridade do patrão e aprende a submeter-se à escola para depois submeter-se à empresa. No atual modelo escolar, essa autoridade é imposta através do temor, jamais do respeito, assim como a submissão é obtida através da força, jamais da conscientização e do diálogo.
.
A transformação da educação formal, em todos os seus níveis, em produto de consumo, vai na contramão da necessidade de criação de autonomia nos e com os estudantes. As gradações entre os níveis de ensino, idem. A lógica que seguimos hoje no Brasil, por exemplo, é a da escola como preparação direta para o vestibular, única forma de acesso ao Ensino Superior. A escola não educa, firma-se como processo de passagem ao mundo do trabalho, e não mais se envergonha disso, pelo contrário: as campanhas publicitárias de muitas instituições de ensino têm seu foco na capacidade de aprovação nos mais concorridos vestibulares do país. Seu papel como fabricante de mão de obra está escancarado. Seu papel como educador formador de sujeitos conscientes e emancipados poucas vezes esteve tão esvaziado. Logicamente inserida no processo capitalista, a escola é a mercadoria inicial, faz do professor a mercadoria segunda, da decoreba conceitual a mercadoria terceira, e do próprio estudante a mercadoria final, consumida, paradoxalmente, pelo chamado "mercado de trabalho". Ou seja, em última instância, após ser consumida a escola coisifica seu consumidor. Em vez de torná-lo sujeito, aprofunda seu caráter de objeto a ser manipulado e utilizado para livre usufruto das classes dominantes. O papel da escola hoje praticamente reduz-se a alimentar o sistema de exploração capitalista, antidemocrática, e a "empresariação" dos estabelecimentos de ensino contribui fundamentalmente para fortalecer essa lógica opressora.
.
Para mudar o aluno é preciso mudar a escola, e essa mudança só pode acontecer acompanhada de uma cultura na qual o aluno não mais tema a sala de aula nem o professor, não mais os odeie. Para transformar-se em um adulto com autonomia para pensar e para posicionar-se de forma consciente é preciso que tal atitude de emancipação seja estimulada de forma intermitente durante sua educação formal.
.
Paulo Freire foi o grande entusiasta da "Educação como prática de liberdade", como diz o título de um de seus mais importantes trabalhos. Para ele, é necessária a reversão da lógica "bancária" da atividade educativa, na qual os professores apenas depositam conteúdos nos estudantes, que, dessa forma, não praticam a liberdade, o diálogo, a autonomia, tornando-se objetos a partir da opressão que sofrem enquanto sujeitos. Outra premissa essencial para a refundação da escola é a não-aplicação, no ambiente educativo, da lógica de competição. A escola não deve preparar para o vestibular, mas para a participação democrática. Tem de ser um espaço de emancipação, e como diz Paulo Freire, em uma sociedade essencialmente política a emancipação é, na verdade, politização. Então, não basta possibilitar escola a todos, a escola deve politizar. Os próprios métodos de alfabetização criados por Paulo Freire, explicados detalhadamente no livro citado acima, são um exemplo de como a educação formal pode ser diferente.
.
A regionalização sem que se perca de vista a noção de totalidade é outra necessidade. As especificidades nacionais ou regionais devem ser respeitadas para que o estudante seja respeitado. Só dessa forma, a partir da compreensão da realidade específica do aluno, é possível estabelecer-se o diálogo, impreterível para o verdadeiro aprendizado politizante. Essa profunda mudança na concepção educacional precisa partir de um Estado popular, comprometido com a participação social constante de toda a população. É esse Estado, a partir da compreensão, pela população, de tal necessidade, que detém todos os instrumentos facilitadores da criação de uma nova escola.
.
Em primeiro lugar, há a urgência do desmanche imediato da percepção da Educação como mercadoria. Isso só pode ser feito com a abrangência total da educação pública. Como direito e como dever, a educação formal precisa ser 100% gratuita, sem espaço para a busca pelo lucro financeiro nas instituições de ensino, seja em seu nível básico ou avançado (no Brasil, o processo divide-se em "ensino fundamental", "ensino médio" e "ensino superior"). Toda a população deve ter acesso à formação integral, sem distinção na qualidade dessa formação, que deve pautar-se sempre pela politização do estudante. Em 1961, no Uruguai, Ernesto Che Guevara falou, em uma entrevista, da nacionalização das escolas católicas realizada em Cuba pelo governo revolucionário que recém tomara o poder: "Agora são simplesmente escolas", disse. Com o fim da Educação como mercadoria, todos os espaços educacionais formais se tornariam apenas escolas. As consequências iniciais de medidas nesse sentido já estão postas, mas há ainda o fato de forçar-se assim a interação entre diferentes desde a infância, que acaba por criar o respeito à diversidade. Meninos estudando com meninas, ricos com pobres, brancos com negros. A escola também como prática de tolerância.
.
Com a educação formal nas mãos de um Estado verdadeiramente democrático, participativo, a formação dos professores se daria também de outra forma, compreendendo e trabalhando as necessidades de cada aluno, construindo o conhecimento com o estudante, e não apenas depositando o conhecimento no estudante. Participando dessa construção, a criança / adolescente se torna consciente de seu papel de sujeito, de agente social decisivo, e aprende na teoria e com a prática – ou seja, na práxis – a atuar socialmente de forma efetiva, de forma política. "Saber ensinar não é transferir conhecimento, mas criar possibilidades para a sua própria produção e construção", escreveu Paulo Freire.
.
Em um processo constituído dessa forma, o aluno aprende a aprender e aprende a ensinar, a construir. Ao mesmo tempo, o professor também aprende, já que a relação deixa de se estabelecer através da dominação e da verticalidade para tornar-se horizontal. Paulo Freire escreveu que "ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo". Assim, o professor adquire conhecimento juntamente com o aluno. Este se torna sujeito do processo, e aquele não perde seu papel de educador e administrador da dinâmica, mas ganha um novo papel, o de aprendiz.
.
A função de refundar a educação formal só pode ser realizada pelo Estado, e através de uma participação ampla da sociedade no processo. É uma via de mão dupla: através da escola a sociedade pode ser modificada, e através da sociedade modifica-se a escola. Como, então, resolver esse embate? O processo é longo, e necessita da participação profunda dos setores da sociedade que já estão organizados em defesa de interesses democratizantes. Ao mesmo tempo em que devem exercer pressão sobre o Estado, precisam iniciar esse processo de conscientização popular através de organizações de base – que trabalhem inclusive com crianças e adolescentes – em suas áreas de atuação, em ações dialógicas que transformem em povo politizado a massa alienada, em revolução o potencial de rebelião. Mudar a escola para mudar o Estado ou mudar o Estado para mudar a escola? Não há uma regra e nem existirá necessariamente um momento claro de ruptura, impõe-se um processo dinâmico em que os sentidos se revezam e se complementam. Mudar o Estado e a escola ao mesmo tempo, para que a mudança seja profunda e duradoura, para que seja revolucionária.
.
O respeito ao aluno como ser autônomo – sem que se perca a certeza de que só a ação coletiva constrói com qualidade – gera o respeito do aluno à educação e ao professor. Valoriza-se o profissional, valoriza-se a instituição, valoriza-se o aluno. Quem perde? As empresas de ensino e todas as elites nacionais interessadas na coisificação do ser humano, em manter o povo alienado e sem recursos para combater a opressão engendrada por essas elites.
.
Um novo paradigma educacional resultaria, a curto prazo, em mudanças também na lógica do trabalho a partir da conscientização ativa da exploração sofrida pelos trabalhadores. A prática política, a médio prazo, também seria fortemente influenciada, pois um povo emancipado, politizado, exige participação e poder de decisão. Dessa forma, há um natural (ou imposto pelo povo) aprofundamento democrático, que, por sua vez, tende a realimentar a prática da autonomia do estudante, da educação para a liberdade, para a emancipação, para a transformação de objetos em sujeitos.
.
A refundação da práxis educacional pode ser essencialmente revolucionária, na medida em que é um passo no grande e necessário caminho de refundação da sociedade sobre um paradigma de democracia verdadeira – não a falsa "democracia liberal" –, com a massa inerte transformada em povo atuante, livre, emancipado. Povo revolucionário é o povo parido – dolorosamente – pelo próprio povo, no momento em que rebela-se contra a opressão.
Fonte: http://www.diarioliberdade.org/index.php?option=com_content&view=article&id=12413:a-educacao-como-praxis-revolucionaria&catid=309:espelhismos&Itemid=21
.
19/02/2011
István Mészáros e a educação para além do capital
Correio da Cidadania - [Demetrio Cherobini] Um clássico, um engodo e uma aposta: tal é o que se encontra na edição brasileira de A educação para além do capital de István Mészáros, lançado primeiramente em 2005 e depois em 2008, pela Editora Boitempo. O clássico fica por conta do próprio texto de Mészáros, uma proposta consistente, coerente e radical a respeito de como os revolucionários do século XXI podem orientar seus esforços no campo da educação, a fim de superar a dominação exercida pelo capital sobre o sócio-metabolismo humano e realizar a "comunidade humana emancipada". O engodo, destaque negativo da publicação, cabe inteiramente ao prefaciador do livro, Emir Sader, que, desgraçadamente, tenta desviar a atenção do leitor para preocupações e objetivos diversos dos que estão contidos nas formulações do pensador húngaro. A aposta, o que resta disso tudo, é a de que os trabalhadores saibam ter a postura crítica necessária para perceber e superar as mistificações ideológicas que proliferam em nossos dias – até mesmo em torno das publicações progressistas - e tentam lhes perpetuar na condição de acomodação, entorpecimento e paralisia frente ao seu inimigo visceral.
.
Desde A teoria da alienação em Marx, escrito na década de 1960, até seus textos mais recentes, como O desafio e o fardo do tempo histórico, de 2007, o ponto-chave que orienta a reflexão filosófica de Mészáros é a realização da transcendência positiva da auto-alienação do trabalho. O mesmo se dá, evidentemente, em A educação para além do capital, concebido originalmente como uma conferência a ser proferida no Fórum Mundial de Educação, na cidade de Porto Alegre, em 2004. Nesse contexto, pode-se dizer que a crítica radical da alienação é o elemento decisivo para se entender não apenas a proposta, discutida nesse livro, de "contra-interiorização" da realidade histórico-social, que precisa se dar em ambientes formais e informais de aprendizagem, mas da teoria social e política do filósofo húngaro em sua totalidade.
Desde A teoria da alienação em Marx, escrito na década de 1960, até seus textos mais recentes, como O desafio e o fardo do tempo histórico, de 2007, o ponto-chave que orienta a reflexão filosófica de Mészáros é a realização da transcendência positiva da auto-alienação do trabalho. O mesmo se dá, evidentemente, em A educação para além do capital, concebido originalmente como uma conferência a ser proferida no Fórum Mundial de Educação, na cidade de Porto Alegre, em 2004. Nesse contexto, pode-se dizer que a crítica radical da alienação é o elemento decisivo para se entender não apenas a proposta, discutida nesse livro, de "contra-interiorização" da realidade histórico-social, que precisa se dar em ambientes formais e informais de aprendizagem, mas da teoria social e política do filósofo húngaro em sua totalidade.
.Sem compreender isso, qualquer empreendimento que vise elucidar criticamente as proposições de Mészáros sobre as formas – atuais e vindouras - de mediar o sócio-metabolismo humano fica tremendamente prejudicado. A educação é importante para um projeto político-social alternativo porque a superação da alienação só pode ser feita por meio de uma atividade autoconsciente. Esta é, pois, a condição para passarmos de uma situação onde nos encontramos completamente fragmentados, cindidos, diminuídos, submissos às nossas próprias criações materiais e estranhos em relação aos nossos semelhantes, para uma outra, na qual poderemos nos desenvolver ao máximo e nos tornarmos ricos no sentido qualitativo da palavra: sujeitos que sentem intimamente a carência de uma multiplicidade de manifestações humanas de vida (Cf. Marx).
.,
Mas quem lê desavisadamente o prefácio à edição brasileira de A educação para além do capital é induzido a crer que as preocupações de Mészáros são as mesmas de Sader, a saber: como fortalecer a esfera pública em contraposição ao domínio do privado. Vejamos, nesse sentido, o que afirma o politólogo brasileiro: "Talvez nada exemplifique melhor o universo instaurado pelo neoliberalismo, em que ‘tudo se vende, tudo se compra’, ‘tudo tem preço’, do que a mercantilização da educação. Uma sociedade que impede a emancipação só pode transformar os espaços educacionais em shoppings centers, funcionais à sua lógica do consumo e do lucro. O enfraquecimento da educação pública, paralelo ao crescimento do sistema privado, deu-se ao mesmo tempo em que a socialização se deslocou da escola para a mídia, a publicidade e o consumo" (Cf. SADER, 2005, 16).
.
Uma leitura atenta, contudo, vai nos mostrar que os termos de referência de Mészáros são completamente outros. Em primeiro lugar, porque não é o neoliberalismo que mercantiliza tudo – inclusive a educação -, e sim, em nosso contexto, o sistema do capital. Em segundo lugar, a questão realmente importante não é exatamente o "enfraquecimento da educação pública" em comparação com o crescimento do ensino privado. Ao colocar as questões desse modo, Sader tenta fazer-nos crer que a preocupação de Mészáros seria com um eventual fortalecimento do setor público em contraposição ao setor privado – seria, portanto, combater precipuamente o "neoliberalismo".
.
Mas o filósofo húngaro não é tão ingênuo assim e não mistifica dessa maneira o setor "público" (o Estado). Antes disso, está muito mais interessado em demonstrar como é o sistema do capital – e não somente o "neoliberalismo" -, com todas as suas contradições, incluindo-se aí o próprio Estado, que faz parte de sua base material e que deve ser superado em concomitância com esse complexo mais amplo no qual está inserido. A educação pode contribuir com esse propósito, desde que não se limite apenas ao âmbito formal de ensino – note-se, então, que não se trata de colocar a questão em termos de "público" e "privado" - e se volte para a formação das mediações materiais não antagônicas de regulação do sócio-metabolismo humano. E isso só pode ser feito se a educação em questão for radicalmente crítica, isto é, articuladora teórico-prática de negação e afirmação no sentido da construção do socialismo – ponto importantíssimo que nem sequer é tocado no curioso prefácio.
.
A preocupação de Mészáros, portanto, é em firmar uma educação revolucionária, e não meramente "pública" (ademais, em Para além do capital, o filósofo húngaro deixa bem claro que o objetivo dos socialistas é a socialização do poder de decisão sobre todos os âmbitos da atividade humana, e não a mera estatização das coisas – porque isto não elimina, em definitivo, o problema da alienação).
.
Em terceiro lugar, é um equívoco completo afirmar algo parecido com "a socialização se deslocou da escola para a mídia, a publicidade e o consumo". Na verdade, a socialização - isto é, o aprendizado das relações, normas e valores sociais, a internalização do mundo humano, a apropriação ativa das produções histórico-culturais - nunca poderia ter feito esse percurso porque ela é, na verdade, como a educação, "a própria vida", ou seja, se confunde com a própria vida, seja na escola ou fora dela. O referido prefácio, portanto, desvia o foco da nossa atenção para pontos que não são preocupações centrais de Mészáros. Constitui, na verdade, um tragicômico registro de um caso de prefaciador que apresentou como se fossem do prefaciado idéias que na verdade não lhe pertenciam (acreditamos que mistificação seja um termo bastante apropriado para designar o sentido desse tipo de operação intelectual).
.
A educação para a superação da alienação é, de acordo com Mészáros, a que se insere conscientemente na luta de classes. Aí, ela se desenvolve a partir da adoção crítica de um ponto de vista estruturalmente antagônico em relação ao sistema do capital. Essa nova práxis compreende tal perspectiva, os interesses que lhe são inerentes, articula-os em torno de uma ideologia capaz de proporcionar os devidos "estímulos mobilizadores" para as ações sócio-políticas da "classe com cadeias radicais" rumo à sua emancipação. É uma educação que está, pois, consciente de que só uma revolução pode libertar os trabalhadores da prisão configurada pelos processos alienados e alienantes de produção e reprodução do capital.
.
Nesse contexto, todas as mistificações sobre as relações dos homens com os produtos do seu trabalho, onde estes lhes aparecem como auto-constituídos e dotados de propriedades humanas, devem ser combatidas. A educação socialista é, por definição, uma educação desmistificadora dos processos atualmente estabelecidos de controle sócio-metabólico, realizados de acordo com as exigências do capital. É, pois, numa palavra, crítica radical dos fetiches de um sistema que vive de produzir fetiches – incluindo-se aí, evidentemente, o próprio fetiche do Estado.
.
O projeto socialista requer, assim, que nos orientemos a partir de um quadro estratégico adequado, de atuação nacional e internacional, com vistas a irmos para além do capital, e não meramente do capitalismo e seu regime jurídico garantidor da propriedade privada. A educação para além do capital é aquela que, concebendo-se como mediação indispensável, se integra conscientemente nesse projeto de transição que deverá fazer vir à luz uma sociedade capaz de proporcionar tempo disponível para a realização das potencialidades humanas. A educação é, portanto, na visão de Mészáros, parte de um projeto político-social - mediação coadunada com outras mediações - que precisa progressivamente negar a forma de sociabilidade atualmente cristalizada e afirmar uma alternativa viável em relação a ela. É esse movimento que constitui, pois, a crítica radical, a práxis revolucionária rumo à comunidade humana emancipada, a sociedade regulada pelos produtores livremente associados de que falava Marx.
.
É importante ressaltar tais questões, pois Mészáros volta a elas freqüentemente. É a crítica da ordem do capital que deve constituir a forma da educação transformadora. Isto exige uma ampla e profunda modificação de práticas e relações materiais – ou seja, dos sistemas de mediações atualmente estabelecidos -, que deve se dar com base no objetivo de transferir o poder de decisão sobre os processos sócio-metabólicos da humanidade para os produtores associados. Por isso, a reflexão sobre educação não pode se realizar meramente tendo-se em vista os ambientes formais de ensino, mas sim, sobretudo, as esferas informais de apropriação dos produtos históricos. Nessas duas "frentes de batalha", ela necessita se estabelecer como prática que é, assim como a revolução, auto-determinada e permanente.
.
O filósofo húngaro frisa constantemente que as formas de apropriação do mundo que o capital controla não se dão somente na escola ou na universidade, mas na vida como um todo. Por causa disso, a educação revolucionária não pode visar apenas os ambientes formais de ensino, mas sim se voltar para todas as outras atividades em que a interiorização ocorre, a fim de produzir uma contra-interiorização (ou contra-consciência) radical. Não mais hierárquica, fetichista, perdulária, destrutiva, e sim sustentável, cooperativa, consciente, emancipada, numa palavra, socialista. Por tal razão, uma educação alternativa só pode ser bem fundamentada se estiver amparada por uma teoria política concretamente produzida para fins específicos de confrontação de um determinado sistema de relacionamento social. Isto deve estar claro para os sujeitos envolvidos com atividades formais de ensino, pois eles necessitam ser capazes de fazer com que a sua instituição específica se abra para toda a sociedade, a fim de poder se articular com os movimentos materiais que visam superar a ordem do capital rumo à "nova forma histórica".
.
A teoria de Mészáros é, portanto, uma defesa intransigente e sem concessões de que as instituições de ensino e seus participantes – educadores, educandos, trabalhadores da educação, comunidade escolar – entrem numa relação dialética com os processos políticos e sociais que, em nosso tempo, visam à construção do futuro emancipado da humanidade. Isto não significa, contudo, que tal teoria não diga algo digno de poder ser utilizado para orientar ações dentro do âmbito da escola ou da universidade. Por exemplo: se a atividade organizada pelo sistema fetichista de exploração de trabalho excedente – isto é, o sistema do capital - é estruturada hierarquicamente, a prática superadora de tal conjunto de relações precisa se ordenar de modo diverso. Isto pode ocorrer tanto no que toca à própria estrutura institucional como no interior da sala de aula: um movimento progressivo de transcendência da forma da interiorização que se dá de acordo com a lógica do capital (hierárquica), para uma outra, não fetichista, horizontal, cooperativa, auto-determinada. É esse novo tipo de prática social que torna possível a generalização do pensamento crítico e a formação da consciência socialista de massa de que fala Mészáros.
.
Uma forma revolucionária de educação é, pois, segundo o filósofo húngaro, imprescindível para as classes trabalhadoras na sua luta contra o capital. Não uma educação que, impregnada de retórica mistificadora, contemporize com interesses escusos de partidos que desejam se perpetuar nos postos mais altos do Estado a partir de uma engenharia política hábil na conciliação entre as classes. Não uma educação que se dê meramente no âmbito "público", mas que seja capaz de criticar os próprios fundamentos da divisão entre o público e o privado. Não uma educação que fetichize o Estado, considerando-o como panacéia para todos os problemas, mas que combata suas contradições lá onde elas se enraízam. Finalmente: não uma educação apenas contra o setor privado, o neoliberalismo, o partido X ou Y, e sim uma educação contra o capital, suas personificações e seus ideólogos de todos os tipos - principalmente, os que exercem sua influência deletéria no interior da própria esquerda...
Ficha
Título: A educação para além do capital
Autor: István Mészáros
Editora: Boitempo
Ano: 2008 (2ª edição)
Páginas: 124
Preço: R$ 25,00
Sobre o autor: István Mészáros nasceu em Budapeste, em 1930. Em sua juventude, trabalhou em fábricas de aviões, tratores, têxteis, tipografias e até no departamento de manutenção de uma ferrovia elétrica. Aos dezoito anos, graças ao fato de haver se formado com notas máximas, ganhou uma bolsa de estudos na Universidade de Budapeste, onde pôde conhecer o filósofo György Lukács, de quem foi grande amigo e discípulo. Da Hungria, Mészáros foi para a Itália, onde trabalhou na Universidade de Turim. A partir de 1959, seu destino foi a Grã-Bretanha, onde lecionou em vários lugares: no Bedford College da Universidade de Londres (1959-1961), na Universidade de Saint Andrews, na Escócia (1961-1966), e na Universidade de Sussex, em Brighton, na Inglaterra (1966-1971). Em 1971, trabalhou na Universidade Nacional Autônoma do México, e em 1972 foi nomeado professor de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade de York, em Toronto, no Canadá. Em janeiro de 1977, retornou à Universidade de Sussex, onde veio a receber o título de Professor Emérito de Filosofia em 1991. Afastou-se das atividades docentes em 1995 e atualmente vive na cidade de Rochester, próxima a Londres.
Demetrio Cherobini é cientista social (UFSM) e mestre em Educação (UFSC).
Fonte: AQUI
Leia mais AQUI
.
.
.,
Mas quem lê desavisadamente o prefácio à edição brasileira de A educação para além do capital é induzido a crer que as preocupações de Mészáros são as mesmas de Sader, a saber: como fortalecer a esfera pública em contraposição ao domínio do privado. Vejamos, nesse sentido, o que afirma o politólogo brasileiro: "Talvez nada exemplifique melhor o universo instaurado pelo neoliberalismo, em que ‘tudo se vende, tudo se compra’, ‘tudo tem preço’, do que a mercantilização da educação. Uma sociedade que impede a emancipação só pode transformar os espaços educacionais em shoppings centers, funcionais à sua lógica do consumo e do lucro. O enfraquecimento da educação pública, paralelo ao crescimento do sistema privado, deu-se ao mesmo tempo em que a socialização se deslocou da escola para a mídia, a publicidade e o consumo" (Cf. SADER, 2005, 16).
.
Uma leitura atenta, contudo, vai nos mostrar que os termos de referência de Mészáros são completamente outros. Em primeiro lugar, porque não é o neoliberalismo que mercantiliza tudo – inclusive a educação -, e sim, em nosso contexto, o sistema do capital. Em segundo lugar, a questão realmente importante não é exatamente o "enfraquecimento da educação pública" em comparação com o crescimento do ensino privado. Ao colocar as questões desse modo, Sader tenta fazer-nos crer que a preocupação de Mészáros seria com um eventual fortalecimento do setor público em contraposição ao setor privado – seria, portanto, combater precipuamente o "neoliberalismo".
.
Mas o filósofo húngaro não é tão ingênuo assim e não mistifica dessa maneira o setor "público" (o Estado). Antes disso, está muito mais interessado em demonstrar como é o sistema do capital – e não somente o "neoliberalismo" -, com todas as suas contradições, incluindo-se aí o próprio Estado, que faz parte de sua base material e que deve ser superado em concomitância com esse complexo mais amplo no qual está inserido. A educação pode contribuir com esse propósito, desde que não se limite apenas ao âmbito formal de ensino – note-se, então, que não se trata de colocar a questão em termos de "público" e "privado" - e se volte para a formação das mediações materiais não antagônicas de regulação do sócio-metabolismo humano. E isso só pode ser feito se a educação em questão for radicalmente crítica, isto é, articuladora teórico-prática de negação e afirmação no sentido da construção do socialismo – ponto importantíssimo que nem sequer é tocado no curioso prefácio.
.
A preocupação de Mészáros, portanto, é em firmar uma educação revolucionária, e não meramente "pública" (ademais, em Para além do capital, o filósofo húngaro deixa bem claro que o objetivo dos socialistas é a socialização do poder de decisão sobre todos os âmbitos da atividade humana, e não a mera estatização das coisas – porque isto não elimina, em definitivo, o problema da alienação).
.
Em terceiro lugar, é um equívoco completo afirmar algo parecido com "a socialização se deslocou da escola para a mídia, a publicidade e o consumo". Na verdade, a socialização - isto é, o aprendizado das relações, normas e valores sociais, a internalização do mundo humano, a apropriação ativa das produções histórico-culturais - nunca poderia ter feito esse percurso porque ela é, na verdade, como a educação, "a própria vida", ou seja, se confunde com a própria vida, seja na escola ou fora dela. O referido prefácio, portanto, desvia o foco da nossa atenção para pontos que não são preocupações centrais de Mészáros. Constitui, na verdade, um tragicômico registro de um caso de prefaciador que apresentou como se fossem do prefaciado idéias que na verdade não lhe pertenciam (acreditamos que mistificação seja um termo bastante apropriado para designar o sentido desse tipo de operação intelectual).
.
A educação para a superação da alienação é, de acordo com Mészáros, a que se insere conscientemente na luta de classes. Aí, ela se desenvolve a partir da adoção crítica de um ponto de vista estruturalmente antagônico em relação ao sistema do capital. Essa nova práxis compreende tal perspectiva, os interesses que lhe são inerentes, articula-os em torno de uma ideologia capaz de proporcionar os devidos "estímulos mobilizadores" para as ações sócio-políticas da "classe com cadeias radicais" rumo à sua emancipação. É uma educação que está, pois, consciente de que só uma revolução pode libertar os trabalhadores da prisão configurada pelos processos alienados e alienantes de produção e reprodução do capital.
.
Nesse contexto, todas as mistificações sobre as relações dos homens com os produtos do seu trabalho, onde estes lhes aparecem como auto-constituídos e dotados de propriedades humanas, devem ser combatidas. A educação socialista é, por definição, uma educação desmistificadora dos processos atualmente estabelecidos de controle sócio-metabólico, realizados de acordo com as exigências do capital. É, pois, numa palavra, crítica radical dos fetiches de um sistema que vive de produzir fetiches – incluindo-se aí, evidentemente, o próprio fetiche do Estado.
.
O projeto socialista requer, assim, que nos orientemos a partir de um quadro estratégico adequado, de atuação nacional e internacional, com vistas a irmos para além do capital, e não meramente do capitalismo e seu regime jurídico garantidor da propriedade privada. A educação para além do capital é aquela que, concebendo-se como mediação indispensável, se integra conscientemente nesse projeto de transição que deverá fazer vir à luz uma sociedade capaz de proporcionar tempo disponível para a realização das potencialidades humanas. A educação é, portanto, na visão de Mészáros, parte de um projeto político-social - mediação coadunada com outras mediações - que precisa progressivamente negar a forma de sociabilidade atualmente cristalizada e afirmar uma alternativa viável em relação a ela. É esse movimento que constitui, pois, a crítica radical, a práxis revolucionária rumo à comunidade humana emancipada, a sociedade regulada pelos produtores livremente associados de que falava Marx.
.
É importante ressaltar tais questões, pois Mészáros volta a elas freqüentemente. É a crítica da ordem do capital que deve constituir a forma da educação transformadora. Isto exige uma ampla e profunda modificação de práticas e relações materiais – ou seja, dos sistemas de mediações atualmente estabelecidos -, que deve se dar com base no objetivo de transferir o poder de decisão sobre os processos sócio-metabólicos da humanidade para os produtores associados. Por isso, a reflexão sobre educação não pode se realizar meramente tendo-se em vista os ambientes formais de ensino, mas sim, sobretudo, as esferas informais de apropriação dos produtos históricos. Nessas duas "frentes de batalha", ela necessita se estabelecer como prática que é, assim como a revolução, auto-determinada e permanente.
.
O filósofo húngaro frisa constantemente que as formas de apropriação do mundo que o capital controla não se dão somente na escola ou na universidade, mas na vida como um todo. Por causa disso, a educação revolucionária não pode visar apenas os ambientes formais de ensino, mas sim se voltar para todas as outras atividades em que a interiorização ocorre, a fim de produzir uma contra-interiorização (ou contra-consciência) radical. Não mais hierárquica, fetichista, perdulária, destrutiva, e sim sustentável, cooperativa, consciente, emancipada, numa palavra, socialista. Por tal razão, uma educação alternativa só pode ser bem fundamentada se estiver amparada por uma teoria política concretamente produzida para fins específicos de confrontação de um determinado sistema de relacionamento social. Isto deve estar claro para os sujeitos envolvidos com atividades formais de ensino, pois eles necessitam ser capazes de fazer com que a sua instituição específica se abra para toda a sociedade, a fim de poder se articular com os movimentos materiais que visam superar a ordem do capital rumo à "nova forma histórica".
.
A teoria de Mészáros é, portanto, uma defesa intransigente e sem concessões de que as instituições de ensino e seus participantes – educadores, educandos, trabalhadores da educação, comunidade escolar – entrem numa relação dialética com os processos políticos e sociais que, em nosso tempo, visam à construção do futuro emancipado da humanidade. Isto não significa, contudo, que tal teoria não diga algo digno de poder ser utilizado para orientar ações dentro do âmbito da escola ou da universidade. Por exemplo: se a atividade organizada pelo sistema fetichista de exploração de trabalho excedente – isto é, o sistema do capital - é estruturada hierarquicamente, a prática superadora de tal conjunto de relações precisa se ordenar de modo diverso. Isto pode ocorrer tanto no que toca à própria estrutura institucional como no interior da sala de aula: um movimento progressivo de transcendência da forma da interiorização que se dá de acordo com a lógica do capital (hierárquica), para uma outra, não fetichista, horizontal, cooperativa, auto-determinada. É esse novo tipo de prática social que torna possível a generalização do pensamento crítico e a formação da consciência socialista de massa de que fala Mészáros.
.
Uma forma revolucionária de educação é, pois, segundo o filósofo húngaro, imprescindível para as classes trabalhadoras na sua luta contra o capital. Não uma educação que, impregnada de retórica mistificadora, contemporize com interesses escusos de partidos que desejam se perpetuar nos postos mais altos do Estado a partir de uma engenharia política hábil na conciliação entre as classes. Não uma educação que se dê meramente no âmbito "público", mas que seja capaz de criticar os próprios fundamentos da divisão entre o público e o privado. Não uma educação que fetichize o Estado, considerando-o como panacéia para todos os problemas, mas que combata suas contradições lá onde elas se enraízam. Finalmente: não uma educação apenas contra o setor privado, o neoliberalismo, o partido X ou Y, e sim uma educação contra o capital, suas personificações e seus ideólogos de todos os tipos - principalmente, os que exercem sua influência deletéria no interior da própria esquerda...
Ficha
Título: A educação para além do capital
Autor: István Mészáros
Editora: Boitempo
Ano: 2008 (2ª edição)
Páginas: 124
Preço: R$ 25,00
Sobre o autor: István Mészáros nasceu em Budapeste, em 1930. Em sua juventude, trabalhou em fábricas de aviões, tratores, têxteis, tipografias e até no departamento de manutenção de uma ferrovia elétrica. Aos dezoito anos, graças ao fato de haver se formado com notas máximas, ganhou uma bolsa de estudos na Universidade de Budapeste, onde pôde conhecer o filósofo György Lukács, de quem foi grande amigo e discípulo. Da Hungria, Mészáros foi para a Itália, onde trabalhou na Universidade de Turim. A partir de 1959, seu destino foi a Grã-Bretanha, onde lecionou em vários lugares: no Bedford College da Universidade de Londres (1959-1961), na Universidade de Saint Andrews, na Escócia (1961-1966), e na Universidade de Sussex, em Brighton, na Inglaterra (1966-1971). Em 1971, trabalhou na Universidade Nacional Autônoma do México, e em 1972 foi nomeado professor de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade de York, em Toronto, no Canadá. Em janeiro de 1977, retornou à Universidade de Sussex, onde veio a receber o título de Professor Emérito de Filosofia em 1991. Afastou-se das atividades docentes em 1995 e atualmente vive na cidade de Rochester, próxima a Londres.
Demetrio Cherobini é cientista social (UFSM) e mestre em Educação (UFSC).
Fonte: AQUI
Leia mais AQUI
.
.
18/02/2011
Carta Aberta ao Ziraldo, por Ana Maria Gonçalves
Caro Ziraldo,
Olho a triste figura de Monteiro Lobato abraçado a uma mulata, estampada nas camisetas do bloco carnavalesco carioca "Que merda é essa?" e vejo que foi obra sua. Fiquei curiosa para saber se você conhece a opinião de Lobato sobre os mestiços brasileiros e, de verdade, queria que não. Eu te respeitava, Ziraldo. Esperava que fosse o seu senso de humor falando mais alto do que a ignorância dos fatos, e por breves momentos até me senti vingada. Vingada contra o racismo do eugenista Monteiro Lobato que, em carta ao amigo Godofredo Rangel, desabafou: "(...)Dizem que a mestiçagem liquefaz essa cristalização racial que é o caráter e dá uns produtos instáveis. Isso no moral – e no físico, que feiúra! Num desfile, à tarde, pela horrível Rua Marechal Floriano, da gente que volta para os subúrbios, que perpassam todas as degenerescências, todas as formas e má-formas humanas – todas, menos a normal. Os negros da África, caçados a tiro e trazidos à força para a escravidão, vingaram-se do português de maneira mais terrível – amulatando-o e liquefazendo-o, dando aquela coisa residual que vem dos subúrbios pela manhã e reflui para os subúrbios à tarde. E vão apinhados como sardinhas e há um desastre por dia, metade não tem braço ou não tem perna, ou falta-lhes um dedo, ou mostram uma terrível cicatriz na cara. “Que foi?” “Desastre na Central.” Como consertar essa gente? Como sermos gente, no concerto dos povos? Que problema terríveis o pobre negro da África nos criou aqui, na sua inconsciente vingança!..." (em "A barca de Gleyre". São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1944. p.133).
.
Ironia das ironias, Ziraldo, o nome do livro de onde foi tirado o trecho acima é inspirado em um quadro do pintor suíço Charles Gleyre (1808-1874), Ilusões Perdidas. Porque foi isso que aconteceu. Porque lendo uma matéria sobre o bloco e a sua participação, você assim o endossa : "Para acabar com a polêmica, coloquei o Monteiro Lobato sambando com uma mulata. Ele tem um conto sobre uma neguinha que é uma maravilha. Racismo tem ódio. Racismo sem ódio não é racismo. A ideia é acabar com essa brincadeira de achar que a gente é racista". A gente quem, Ziraldo? Para quem você se (auto) justifica? Quem te disse que racismo sem ódio, mesmo aquele com o "humor negro" de unir uma mulata a quem grande ódio teve por ela e pelo que ela representava, não é racismo? Monteiro Lobato, sempre que se referiu a negros e mulatos, foi com ódio, com desprezo, com a certeza absoluta da própria superioridade, fazendo uso do dom que lhe foi dado e pelo qual é admirado e defendido até hoje. Em uma das cartas que iam e vinham na barca de Gleyre (nem todas estão publicadas no livro, pois a seleção foi feita por Lobato, que as censurou, claro) com seu amigo Godofredo Rangel, Lobato confessou que sabia que a escrita "é um processo indireto de fazer eugenia, e os processos indiretos, no Brasil, 'work' muito mais eficientemente".
.
Lobato estava certo. Certíssimo. Até hoje, muitos dos que o leram não vêem nada de errado em seu processo de chamar negro de burro aqui, de fedorento ali, de macaco acolá, de urubu mais além. Porque os processos indiretos, ou seja, sem ódio, fazendo-se passar por gente boa e amiga das crianças e do Brasil, "work" muito bem. Lobato ficou frustradíssimo quando seu "processo" sem ódio, só na inteligência, não funcionou com os norte-americanos, quando ele tentou em vão encontrar editora que publicasse o que considerava ser sua obra prima em favor da eugenia e da eliminação, via esterilização, de todos os negros. Ele falava do livro "O presidente negro ou O choque das raças" que, ao contrário do que aconteceu nos Estados Unidos, país daquele povo que odeia negros, como você diz, Ziraldo, foi publicado no Brasil. Primeiro em capítulos no jornal carioca A Manhã, do qual Lobato era colaborador, e logo em seguida em edição da Editora Companhia Nacional, pertencente a Lobato. Tal livro foi dedicado secretamente ao amigo e médico eugenista Renato Kehl, em meio à vasta e duradoura correspondência trocada pelos dois: “Renato, tu és o pai da eugenia no Brasil e a ti devia eu dedicar meu Choque, grito de guerra pró-eugenia. Vejo que errei não te pondo lá no frontispício, mas perdoai a este estropeado amigo. (...) Precisamos lançar, vulgarizar estas idéias. A humanidade precisa de uma coisa só: póda. É como a vinha".
.
Impossibilitado de colher os frutos dessa poda nos EUA, Lobato desabafou com Godofredo Rangel: "Meu romance não encontra editor. [...]. Acham-no ofensivo à dignidade americana, visto admitir que depois de tantos séculos de progresso moral possa este povo, coletivamente, cometer a sangue frio o belo crime que sugeri. Errei vindo cá tão verde. Devia ter vindo no tempo em que eles linchavam os negros." Tempos depois, voltou a se animar: "Um escândalo literário equivale no mínimo a 2.000.000 dólares para o autor (...) Esse ovo de escândalo foi recusado por cinco editores conservadores e amigos de obras bem comportadas, mas acaba de encher de entusiasmo um editor judeu que quer que eu o refaça e ponha mais matéria de exasperação. Penso como ele e estou com idéias de enxertar um capítulo no qual conte a guerra donde resultou a conquista pelos Estados Unidos do México e toda essa infecção spanish da América Central. O meu judeu acha que com isso até uma proibição policial obteremos - o que vale um milhão de dólares. Um livro proibido aqui sai na Inglaterra e entra boothegued como o whisky e outras implicâncias dos puritanos". Lobato percebeu, Ziraldo, que talvez devesse apenas exasperar-se mais, ser mais claro em suas ideias, explicar melhor seu ódio e seu racismo, não importando a quem atingiria e nem por quanto tempo perduraria, e nem o quão fundo se instalaria na sociedade brasileira. Importava o dinheiro, não a exasperação dos ofendidos. 2.000.000 de dólares, ele pensava, por um ovo de escândalo. Como também foi por dinheiro que o Jeca Tatu, reabilitado, estampou as propagandas do Biotônico Fontoura.
.
Você sabe que isso dá dinheiro, Ziraldo, mesmo que o investimento tenha sido a longo prazo, como ironiza Ivan Lessa: "Ziraldo, o guerrilheiro do traço, está de parabéns. Finalmente o governo brasileiro tomou vergonha na cara e acabou de pagar o que devia pelo passe de Jeremias, o Bom, imortal personagem criado por aquele que também é conhecido como “o Lamarca do nanquim”. Depois do imenso sucesso do calunguinha nas páginas de diversas publicações, assim como também na venda de diversos produtos farmacêuticos, principalmente doenças da tireóide, nos idos de 70, Ziraldo, cognominado ainda nos meios esclarecidos como “o subversivo da caneta Pilot”, houve por bem (como Brutus, Ziraldo é um homem de bem; são todos uns homens de bem – e de bens também) vender a imagem de Jeremias para a loteca, ou seja, para a Caixa Econômica Federal (federal como em República Federativa do Brasil) durante o governo Médici ou Geisel (os déspotas esclarecidos em muito se assemelham, sendo por isso mesmo intercambiáveis)".
.
No tempo em que linchavam negros, disse Lobato, como se o linchamento ainda não fosse desse nosso tempo. Lincham-se negros nas ruas, nas portas dos shoppings e bancos, nas escolas de todos os níveis de ensino, inclusive o superior. O que é até irônico, porque Lobato nunca poderia imaginar que chegariam lá. Lincham-se negros, sem violência física, é claro, sem ódio, nos livros, nos artigos de jornais e revistas, nos cartoons e nas redes sociais, há muitos e muitos carnavais. Racismo não nasce do ódio ou amor, Ziraldo, sendo talvez a causa e não a consequência da presença daquele ou da ausência desse. Racismo nasce da relação de poder. De poder ter influência ou gerência sobre as vidas de quem é considerado inferior. "Em que estado voltaremos, Rangel," se pergunta Lobato, ao se lembrar do quadro para justificar a escolha do nome do livro de cartas trocadas, "desta nossa aventura de arte pelos mares da vida em fora? Como o velho de Gleyre? Cansados, rotos? As ilusões daquele homem eram as velas da barca – e não ficou nenhuma. Nossos dois barquinhos estão hoje cheios de velas novas e arrogantes, atadas ao mastro da nossa petulância. São as nossas ilusões". Ah, Ziraldo, quanta ilusão (ou seria petulância? arrogância; talvez? sensação de poder?) achar que impor à mulata a presença de Lobato nessa festa tipicamente negra, vá acabar com a polêmica e todos poderemos soltar as ancas e cada um que sambe como sabe e pode. Sem censura. Ou com censura, como querem os quemerdenses. Mesmo que nesse do Caçadas de Pedrinho a palavra censura não corresponda à verdade, servindo como mero pretexto para manifestação de discordância política, sem se importar com a carnavalização de um tema tão dolorido e tão caro a milhares de brasileiros. E o que torna tudo ainda mais apelativo é que o bloco aponta censura onde não existe e se submete, calado, ao pedido da prefeitura para que não use o próprio nome no desfile. Não foi assim? Você não teve que escrever "M*" porque a palavra "merda" foi censurada? Como é que se explica isso, Ziraldo? Mente-se e cala-se quando convém? Coerência é uma questão de caráter.
.
O que o MEC solicita não é censura. É respeito aos Direitos Humanos. Ao direito de uma criança negra em uma sala de aula do ensino básico e público, não se ver representada (sim, porque os processos indiretos, como Lobato nos ensinou, "work" muito mais eficientemente) em personagens chamados de macacos, fedidos, burros, feios e outras indiretas mais. Você conhece os direitos humanos, inclusive foi o artista escolhido para ilustrar a Cartilha de Direitos Humanos encomendada pela Presidência da República, pelas secretarias Especial de Direitos Humanos e de Promoção dos Direitos Humanos, pela ONU, a UNESCO, pelo MEC e por vários outros órgãos. Muitos dos quais você agora desrespeita ao querer, com a sua ilustração, acabar de vez com a polêmica causada por gente que estudou e trabalhou com seriedade as questões de educação e desigualdade racial no Brasil. A adoção do Caçadas de Pedrinho vai contra a lei de Igualdade Racial e o Estatuto da Criança e do Adolescente, que você conhece e ilustrou tão bem. Na página 25 da sua Cartilha de Direitos Humanos, está escrito: "O único jeito de uma sociedade melhorar é caprichar nas suas crianças. Por isso, crianças e adolescentes têm prioridade em tudo que a sociedade faz para garantir os direitos humanos. Devem ser colocados a salvo de tudo que é violência e abuso. É como se os direitos humanos formassem um ninho para as crianças crescerem." Está lá, Ziraldo, leia de novo: "crianças e adolescentes têm prioridade". Em tudo. Principalmente em situações nas quais são desrespeitadas, como na leitura de um livro com passagens racistas, escrito por um escritor racista com finalidades racistas. Mas você não vê racismo e chama de patrulhamento do politicamente correto e censura. Você está pensando nas crianças, Ziraldo? Ou com medo de que, se a moda pega, a "censura" chegue ao seu direito de continuar brincando com o assunto? "Acho injusto fazer isso com uma figura da grandeza de Lobato", você disse em uma reportagem. E com as crianças, o público-alvo que você divide com Lobato, você acha justo? Sim, vocês dividem o mesmo público e, inclusive, alguns personagens, como uma boneca e pano e o Saci, da sua Turma do Pererê. Medo de censura, Ziraldo, talvez aos deslizes, chamemos assim, que podem ser cometidos apenas porque se acostuma a eles, a ponto de pensar que não são, de novo chamemos assim, deslizes.
.
A gente se acostuma, Ziraldo. Como o seu menino marrom se acostumou com as sandálias de dedo: "O menino marrom estava tão acostumado com aquelas sandálias que era capaz de jogar futebol com elas, apostar corridas, saltar obstáculos sem que as sandálias desgrudassem de seus pés. Vai ver, elas já faziam parte dele" (ZIRALDO, 1986,p. 06, em O Menino Marrom). O menino marrom, embora seja a figura simpática e esperta e bonita que você descreve, estava acostumado e fadado a ser pé-de-chinelo, em comparação ao seu amigo menino cor-de-rosa, porque "(...) um já está quase formado e o outro não estuda mais (...). Um já conseguiu um emprego, o outro foi despedido do quinto que conseguiu. Um passa seus dias lendo (...), um não lê coisa alguma, deixa tudo pra depois (...). Um pode ser diplomata ou chofer de caminhão. O outro vai ser poeta ou viver na contramão (...). Um adora um som moderno e o outro – Como é que pode? – se amarra é num pagode. (...) Um é um cara ótimo e o outro, sem qualquer duvida, é um sujeito muito bom. Um já não é mais rosado e o outro está mais marrom" (ZIRALDO, 1986, p.31). O menino marrom, ao crescer, talvez virasse marginal, fado de muito negro, como você nos mostra aqui: "(...) o menino cor-de-rosa resolveu perguntar: por que você vem todo o dia ver a velhinha atravessar a rua? E o menino marrom respondeu: Eu quero ver ela ser atropelada" (ZIRALDO, 1986, p.24), porque a própria professora tinha ensinado para ele a diferença e a (não) mistura das cores. Então ele pensou que "Ficar sozinho, às vezes, é bom: você começa a refletir, a pensar muito e consegue descobrir coisas lindas. Nessa de saber de cor e de luz (...) o menino marrom começou a entender porque é que o branco dava uma idéia de paz, de pureza e de alegria. E porque razão o preto simbolizava a angústia, a solidão, a tristeza. Ele pensava: o preto é a escuridão, o olho fechado; você não vê nada. O branco é o olho aberto, é a luz!" (ZIRALDO, 1986, p.29), e que deveria se conformar com isso e não se revoltar, não ter ódio nenhum ao ser ensinado que, daquela beleza, pureza e alegria que havia na cor branca, ele não tinha nada. O seu texto nos ensina que é assim, sem ódio, que se doma e se educa para que cada um saiba o seu lugar, com docilidade e resignação: "Meu querido amigo: Eu andava muito triste ultimamente, pois estava sentindo muito sua falta. Agora estou mais contente porque acabo de descobrir uma coisa importante: preto é, apenas, a ausência do branco" (ZIRALDO, 1986, p.30).
.
Olha que interessante, Ziraldo: nós que sabemos do racismo confesso de Lobato e conseguimos vê-lo em sua obra, somos acusados por você de "macaquear" (olha o termo aí) os Estados Unidos, vendo racismo em tudo. "Macaqueando" um pouco mais, será que eu poderia também acusá-lo de estar "macaqueando" Lobato, em trechos como os citados acima? Sem saber, é claro, mas como fruto da introjeção de um "processo" que ele provou que "work" com grande eficiência e ao qual podemos estar todos sujeitos, depois de sermos submetidos a ele na infância e crescermos em uma sociedade na qual não é combatido. Afinal, há quem diga que não somos racistas. Que quem vê o racismo, na maioria os negros, que o sofrem, estão apenas "macaqueando". Deveriam ficar calados e deixar dessa bobagem. Deveriam se inspirar no menino marrom e se resignarem. Como não fazem muitos meninos e meninas pretos e marrons, aqueles que são a ausência do branco, que se chateiam, que se ofendem, que sofrem preconceito nas ruas e nas escolas e ficam doídos, pensando nisso o tempo inteiro, pensando tanto nisso que perdem a vontade de ir à escola, começam a tirar notas baixas porque ficam matutando, ressentindo, a atenção guardadinha lá debaixo da dor. E como chegam à conclusão de que aquilo não vai mudar, que não vão dar em nada mesmo, que serão sempre pés-de-chinelo, saem por aí especializando-se na arte de esperar pelo atropelamento de velhinhas.
.
Racismo é um dos principais fatores responsáveis pela limitada participação do negro no sistema escolar, Ziraldo, porque desvia o foco, porque baixa a auto-estima, porque desvia o foco das atividades, porque a criança fica o tempo todo tendo que pensar em como não sofrer mais humilhações, e o material didático, em muitos casos, não facilita nada a vida delas. E quando alguma dessas crianças encontra um jeito de fugir a esse destino, mesmo que não tenha sido através da educação, fica insuportável e merece o linchamento público e exemplar, como o sofrido por Wilson Simonal. Como exemplo, temos a sua opinião sobre ele: "Era tolo, se achava o rei da cocada preta, coitado. E era mesmo. Era metido, insuportável". Sabe, Ziraldo, é por causa da perpetuação de estereótipos como esses que às vezes a gente nem percebe que eles estão ali, reproduzidos a partir de preconceitos adquiridos na infância, que a SEPPIR pediu que o MEC reavaliasse a adoção de Caçadas de Pedrinho. Não a censura, mas a reavaliação. Uma nota, talvez, para ser colocada junto com as outras notas que já estão lá para proteger os direitos das onças de não serem caçadas e o da ortografia, de evoluir. Já estão lá no livro essas duas notas e a SEPPIR pede mais uma apenas, para que as crianças e os adolescentes sejam "colocados a salvo de tudo que é violência e abuso", como está na cartilha que você ilustrou. Isso é um direito delas, como seres humanos. É por isso que tem gente lutando, como você também já lutou por direitos humanos e por reparação. É isso que a SEPPIR pede: reparação pelos danos causados pela escravidão e pelo racismo.
.
Assim você se defendeu de quem o atacou na época em que conseguiu fazer valer os seus direitos: "(…) Espero apenas que os leitores (que o criticam) não tenham sua casa invadida e, diante de seus filhos, sejam seqüestrados por componentes do exército brasileiro pelo fato de exercerem o direito de emitir sua corajosa opinião a meu respeito, eu, uma figura tão poderosa”. Ziraldo, você tem noção do que aconteceu com os, citando Lobato, "negros da África, caçados a tiro e trazidos à força para a escravidão", e do que acontece todos os dias com seus descendentes em um país que naturalizou e, paradoxalmente, nega o seu racismo? De quantos já morreram e ainda morrem todos os dias porque tem gente que não os leva a sério? Por causa do racismo é bem difícil que essa gente fadada a ser pé-de-chinelo a vida inteira, essas pessoas dos subúrbios, que perpassam todas as degenerescências, todas as formas e má-formas humanas – todas, menos a normal, - porque nelas está a ausência do branco, esse povo todo representado pela mulata dócil que você faz sorrir nos braços de um dos escritores mais racistas e perversos e interesseiros que o Brasil já teve, aquele que soube como ninguém que um país (racista) também de faz de homens e livros (racistas), por causa disso tudo, Ziraldo, é que eu ia dizendo ser quase impossível para essa gente marrom, herdeira dessa gente de cor que simboliza a angústia, a solidão, a tristeza, gerar pessoas tão importantes quanto você, dignas da reparação (que nem é financeira, no caso) que o Brasil também lhes deve: respeito. Respeito que precisou ser ancorado em lei para que tivesse validade, e cuja aplicação você chama de censura.
.
Junto com outros grandes nomes da literatura infantil brasileira, como Ana Maria Machado e Ruth Rocha, você assinou uma carta que, em defesa de Lobato e contra a censura inventada pela imprensa, diz: "Suas criações têm formado, ao longo dos anos, gerações e gerações dos melhores escritores deste país que, a partir da leitura de suas obras, viram despertar sua vocação e sentiram-se destinados, cada um a seu modo, a repetir seu destino. (...) A maravilhosa obra de Monteiro Lobato faz parte do patrimônio cultural de todos nós – crianças, adultos, alunos, professores – brasileiros de todos os credos e raças. Nenhum de nós, nem os mais vividos, têm conhecimento de que os livros de Lobato nos tenham tornado pessoas desagregadas, intolerantes ou racistas. Pelo contrário: com ele aprendemos a amar imensamente este país e a alimentar esperança em seu futuro. Ela inaugura, nos albores do século passado, nossa confiança nos destinos do Brasil e é um dos pilares das nossas melhores conquistas culturais e sociais." É isso. Nos livros de Lobato está o racismo do racista, que ninguém vê, que vocês acham que não é problema, que é alicerce, que é necessário à formação das nossas futuras gerações, do nosso futuro. E é exatamente isso. Alicerce de uma sociedade que traz o racismo tão arraigado em sua formação que não consegue manter a necessária distância do foco, a necessário distância para enxergá-lo. Perpetuar isso parece ser patriótico, esse racismo que "faz parte do patrimônio cultural de todos nós – crianças, adultos, alunos, professores – brasileiros de todos os credos e raças." Sabe o que Lobato disse em carta ao seu amigo Poti, nos albores do século passado, em 1905? Ele chamava de patriota o brasileiro que se casasse com uma italiana ou alemã, para apurar esse povo, para acabar com essa raça degenerada que você, em sua ilustração, lhe entrega de braços abertos e sorridente. Perpetuar isso parece alimentar posições de pessoas que, mesmo não sendo ou mesmo não se achando racistas, não se percebem cometendo a atitude racista que você ilustrou tão bem: entregar essas crianças negras nos braços de quem nem queria que elas nascessem. Cada um a seu modo, a repetir seu destino. Quem é poderoso, que cobre, muito bem cobrado, seus direitos; quem não é, que sorria, entre na roda e aprenda a sambar.
.
Peguei-o para bode expiatório, Ziraldo? Sim, sempre tem que ter algum. E, sem ódio, espero que você não queira que eu morra por te criticar. Como faziam os racistas nos tempos em quem ainda linchavam negros. Esses abusados que não mais se calam e apelam para a lei ao serem chamados de "macaco", "carvão", "fedorento", "ladrão", "vagabundo", "coisa", "burro", e que agora querem ser tratados como gente, no concerto dos povos. Esses que, ao denunciarem e quererem se livrar do que lhes dói, tantos problemas criam aqui, nesse país do futuro. Em uma matéria do Correio Braziliense você disse que "Os americanos odeiam os negros, mas aqui nunca houve uma organização como a Ku Klux Klan. No Brasil, onde branco rico entra, preto rico também entra. Pelé nunca foi alvo de uma manifestação de ódio racial. O racismo brasileiro é de outra natureza. Nós somos afetuosos”. Se dependesse de Monteiro Lobato, o Brasil teria tido sua Ku-Klux-Klan, Ziraldo. Leia só o que ele disse em carta ao amigo Arthur Neiva, enviada de Nova Iorque em 1928, querendo macaquear os brancos norte-americanos: "Diversos amigos me dizem: Por que não escreve suas impressões? E eu respondo: Porque é inútil e seria cair no ridículo. Escrever é aparecer no tablado de um circo muito mambembe, chamado imprensa, e exibir-se diante de uma assistência de moleques feeble-minded e despidos da menos noção de seriedade. Mulatada, em suma. País de mestiços onde o branco não tem força para organizar uma Kux-Klan é país perdido para altos destinos. André Siegfred resume numa frase as duas atitudes. "Nós defendemos o front da raça branca - diz o sul - e é graças a nós que os Estados Unidos não se tornaram um segundo Brasil". Um dia se fará justiça ao Kux-Klan; tivéssemos aí uma defesa dessa ordem, que mantém o negro no seu lugar, e estaríamos hoje livres da peste da imprensa carioca - mulatinho fazendo o jogo do galego, e sempre demolidor porque a mestiçagem do negro destroem (sic) a capacidade construtiva." Fosse feita a vontade de Lobato, Ziraldo, talvez não tivéssemos a imprensa carioca, talvez não tivéssemos você. Mas temos, porque, como você também diz, "o racismo brasileiro é de outra natureza. Nós somos afetuosos." Como, para acabar com a polêmica, você nos ilustra com o desenho para o bloco quemerdense. Olho para o rosto sorridente da mulata nos braços de Monteiro Lobato e quase posso ouvi-la dizer: "Só dói quando eu rio".
.
Com pesar, e em retribuição ao seu afeto,
.
Ana Maria Gonçalves
Negra, escritora, autora de Um defeito de cor.
Negra, escritora, autora de Um defeito de cor.
Fonte: AQUI
.
Assinar:
Postagens (Atom)