31/03/2013

Para entender Gramsci e pensar a educação popular

Por Marcos Cesar de Oliveira Pinheiro

Para compreender um autor, é necessário conhecer profundamente o contexto histórico-político-cultural com o qual está envolvido. Um pensador da envergadura de Antonio Gramsci (1891-1937) requer entender o processo de formação da sua personalidade política e intelectual. A vivência dos momentos mais dramáticos das lutas que agitaram a Europa e, particularmente, das mobilizações sociais, políticas e econômicas que levaram, ao menos na Rússia, à vitória da Revolução em 1917. O progressivo deslocamento de Gramsci da esfera de influência do neo-idealismo, destacando o distanciamento crítico e a superação em relação ao pensamento de Benedetto Croce e Giovanni Gentile. Seu referencial marxista assumido[1], que o leva a formular propostas interpretativas voltadas para a explicação de modos de dominação social em meio à dinâmica do conflito, da luta de classes. A espinhosa interlocução crítica de Gramsci no interior do próprio marxismo e os embates travados com as correntes mecanicistas, dogmáticas e messiânicas.[2] A problemática gramsciana de “explicar a dominação de classes, recusando determinismos de cunho mecanicistas e procurando explicitar mecanismos culturais (sem reivindicar-lhes exclusividade ou determinismo de pólo inverso) que alimentam a dominação, bem como espaços de resistência a esta dominação que se constroem em meio às lutas de classes”.[3]


Tanto os leitores já familiarizados com Antonio Gramsci quanto os novos, a meu ver, dispõem da necessidade de contato com os chamados “especialistas” ou intérpretes dos escritos gramscianos. Justamente por apresentar-se – nas palavras do próprio autor – como um conjunto de notas “escritas ao correr da pena, como rápidos apontamentos para ajudar a memória” (GRAMSCI, 2004a: p. 85), a obra da maturidade de Antonio Gramsci – os Cadernos do cárcere – tem proporcionado as mais variadas interpretações teóricas e políticas da mesma – e até contrastantes leituras.[4] Decerto, as condições peculiares nas quais os Cadernos foram escritos parecem corroborar para que muitos leitores acentuem além da conta o caráter fragmentário da obra, acarretando um instrumental gramsciano distorcido e, de todo, retirado do contexto em que faz sentido. Acaba-se, em muitos casos, contando menos o que Gramsci disse do que aquilo que os seus leitores julgam encontrar em sua obra – o anacronismo é freqüente. Daí a necessidade de uma correta contextualização e um estudo filológico dos textos, ou seja, uma leitura “genética” dos Cadernos do cárcere, considerando a riqueza de seus contrastes, de suas ambigüidades e até de seus limites.[5] Isso permite aos leitores de Gramsci, veteranos ou novatos, encontrar o trajeto unitário e coerente do seu pensamento, possibilitando ler os Cadernos como resultado de uma concepção de mundo orgânica e unitária.

Na perspectiva ampliada do conceito de Estado em Gramsci, a relação entre sociedade política e sociedade civil é dialética. Os termos não se apresentam como mutuamente excludentes, mas um propõe o outro. A sociedade civil é uma arena privilegiada da luta de classes, em que se dá uma intensa luta pela hegemonia e, precisamente por isso, não é o “outro” em relação à sociedade política (o “Estado-coerção”), mas junto dela um de seus inelimináveis momentos constitutivos. Para Gramsci, os aparelhos hegemônicos da sociedade civil, aparentemente “privados” e voltados para a formação do consenso, estão articulados dialeticamente ao Estado, constituindo um poder hegemônico no qual nenhum dos dois aspectos (força e consenso, direção e domínio) pode ser cancelado. O conceito de hegemonia aparece não apenas como sinônimo de consenso, mas como a “combinação da força e do consenso, que se equilibram de modo variado, sem que a força suplante em muito o consenso, mas, ao contrário, tentando fazer com que a força pareça apoiada no consenso da maioria, expresso pelos chamados órgãos da opinião pública” (GRAMSCI, 2002: p. 95). Portanto, não existe uma separação orgânica entre sociedade civil e sociedade política. Tal separação é apenas metodológica.

O Estado é instrumento de uma classe, mas também lugar de luta pela hegemonia e processo de unificação das classes dirigentes. Tal perspectiva admite, no entanto, momentos de “contra-hegemonia”. Uma determinada classe social pode tornar-se hegemônica conquistando o consenso e impondo-se como dirigente, antes mesmo de chegar ao poder. Contudo, o desenvolvimento pleno da função hegemônica (combinação da força e do consenso) só ocorre quando essa classe “se tornar Estado”.[6] Para Gramsci, o processo pelo qual uma classe “se faz Estado” é um momento iniludível na luta pela hegemonia.[7]

A sociedade civil é um momento integrante do Estado entendido em sua acepção ampla e intimamente relacionada com a questão da hegemonia. Portanto, a sociedade civil não é politicamente neutra, mas, ao contrário, é um campo de disputa entre várias propostas de sociedade, entre diferentes concepções de mundo, expressando a mutável correlação de forças entre as classes.[8] Nesse terreno, no qual tanto os dominados quanto os dominadores levam a cabo suas lutas ideológicas, é impossível pensar a educação desvinculada das relações de poder, de hegemonia.

A construção da hegemonia é um ato pedagógico. “Toda relação de ‘hegemonia’ é necessariamente uma relação pedagógica”, que “não pode ser limitada às relações especificamente ‘escolares’” (GRAMSCI, 2004a: p. 399). As relações educacionais constituem o próprio núcleo da hegemonia, enquanto relações sociais produtoras de sentido e de difusão de uma concepção de mundo convertida em norma de vida.[9]

Praticada em diferentes áreas da sociedade civil, seja em nível sindical e partidário, seja nas mais diversas associações e movimentos sociais, a educação popular orienta sua ação educativa para uma ação política, no esforço de mobilização, organização e capacitação dos setores populares.[10] No esforço de mobilização das classes subalternas, movidas por suas necessidades e interesses, é que está colocada a questão política, uma vez que, numa sociedade dividida em classes antagônicas, os interesses de uma se contrapõem aos interesses da outra.[11] Na organização popular é que está colocado o exercício do poder que necessariamente se vai conquistando.[12] Na capacitação científica e técnica é que está colocada a questão da apropriação e produção de um modo de pensar diferente do historicamente predominante

Nesse sentido, deve-se considerar:

“A compreensão crítica dos limites da prática [educativa] tem que ver com o problema do poder, que é de classe e tem que ver, por isso mesmo, com a questão da luta e do conflito de classes. Compreender o nível em que se acha a luta de classes em uma dada sociedade é indispensável è demarcação dos espaços, dos conteúdos da educação, do historicamente possível, portanto, dos limites da prática político-educativa. (...) A leitura atenta e crítica da maior ou menor intensidade e profundidade com que o conflito de classes vai sendo vivido nos indica as formas de resistência possíveis das classes populares, em certo momento. (...) A luta de classes não se verifica apenas quando as classes trabalhadoras, mobilizando-se, organizando-se, lutam claramente, determinadamente, com suas lideranças, em defesa de seus interesses, mas, sobretudo, com vistas à superação do sistema capitalista. A luta de classes existe também, latente, às vezes escondida, oculta, expressando-se em diferentes formas de resistência ao poder das classes dominantes” (FREIRE, 2007: pp. 49-50; grifo do autor)[13]

Em relação à educação, os escritos gramscianos desenvolveram-se em torno de três temas:

1) o papel da educação como parte do processo da formação da hegemonia cultural nas sociedades capitalistas burguesas;
2) as possibilidades de educação formal e não-formal como lugares de formação de consciência revolucionária, contra-hegemônica anterior a qualquer transição revolucionária;
3) os princípios que devem fundamentar a pedagogia socialista de uma sociedade pós-revolucionária.

Gramsci possui chaves interessantes para se pensar a educação popular tanto no plano metodológico quanto dos conceitos fundamentais por ele apresentados e/ou desenvolvidos (como os de hegemonia, Estado integral, revolução passiva, classes e luta de classes / correlação de forças, cultura / nacional popular / senso comum, partido, intelectuais orgânicos). No que diz respeito ao instrumental teórico gramsciano, cabem duas notas de teor metodológico. Gramsci recusa a fossilização dos conceitos ou sua imposição à realidade histórica. Ele adverte que suas observações teóricas não devem “ser concebidas como esquemas rígidos, mas apenas como critérios práticos de interpretação histórica e política” (GRAMSCI, 2004a: p. 67). Não se deve “forçar os textos” para dobrá-los a teses preconcebidas. Sabendo-se que o conhecimento histórico não é peremptório, deve-se admitir a ‘possibilidade do erro’, reconhecer a honestidade intelectual e o ponto de vista dos outros, a provisoriedade dos resultados obtidos e a falibilidade das próprias certezas, sem com isso descaracterizar as próprias convicções de fundo (idem: pp. 91, 123-124, 134 e 174). Essas são indicações metodológicas traçadas por Gramsci nos Cadernos do cárcere.

Outra questão importante diz respeito ao fato de que os pares conceituais empregados por Gramsci – como sociedade civil e sociedade política, consenso e coerção, direção e domínio, entre outros – não se apresentam jamais como mutuamente excludentes. Cada termo pressupõe o outro, de tal modo que o emprego de um depende do emprego do outro. “Desse modo, o problema reside na determinação empírica da proporção, peso e valor de cada elemento da díade no contexto de uma situação histórica concreta”.[14]


No meu entender, o conjunto de categorias desenvolvidas por Antonio Gramsci constitui um campo aberto de criação histórica, apesar dos limites inerentes a qualquer conceito. Mas o que explica essa “adoção” de Gramsci é a análise da validade operatória de muitas de suas categorias para formular interpretações mais aprofundadas da realidade social concreta.

Bibliografia básica:

GRAMSCI, A. Cadernos do Cárcere. V. 1. Introdução ao estudo da filosofia. A filosofia de Benedetto Croce. 3 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004a.
____ .Cadernos do Cárcere. V. 2 . Os intelectuais. O princípio educativo. Jornalismo. 3 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004b.

____ . Cadernos do Cárcere. V. 3. Maquiavel. Notas sobre o Estado e a política. 2 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

____ . Cadernos do Cárcere. V. 4. Temas de cultura. Ação Católica. Americanismo e Fordismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.

[1] Indiscutivelmente, nas reflexões dos Cadernos do cárcere está presente a proposição básica de que as classes sociais, o conflito de classes e a consciência de classe existem e desempenham um papel na história.

[2] Para compreender o processo de formação política e intelectual de Gramsci ver: LOSURDO, Domenico. Antonio Gramsci: do liberalismo ao “comunismo crítico”. Rio de Janeiro: Revan, 2006; MAESTRI, Mário e CANDREVA, Luigi. Antonio Gramsci: vida e obra de um comunista revolucionário. 2 ed. São Paulo: Expressão Popular, 2007.

[3] MATTOS, Marcelo Badaró. “Os historiadores e os operários: um balanço”. In: ____ . (coord.). Greves e repressão policial ao sindicalismo carioca: 1945-1964. Rio de Janeiro: APERJ / FAPERJ, 2003, p. 33.

[4] Por exemplo, há muita polêmica em torno das interpretações dos usos de “sociedade civil”, “sociedade política” e Estado em Gramsci.

[5] Muitos estudos atendem a esse propósito, entre eles: BARATTA, Giorgio. As rosas e os Cadernos: o pensamento dialógico de Antonio Gramsci. Rio de Janeiro: DP&A, 2004; BIANCHI, Álvaro. O laboratório de Gramsci: filosofia, história e política. São Paulo: Alameda, 2008; COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci: um estudo sobre seu pensamento político. 2 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003; LIGUORI, Guido. Roteiros para Gramsci. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2007; SEMERARO, Giovanni. Gramsci e a sociedade civil: cultura e educação para a democracia. 2 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.

[6] LIGUORI, Guido. Roteiros para Gramsci. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2007, pp. 13, 21, 24, 29 e 47.

[7] Idem, p. 36.

[8] Sobre a problemática das relações de força ver GRAMSCI, 2002, pp. 36-46.

[9] ACANDA, Jorge Luis. Sociedade civil e hegemonia. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2006, pp. 208-211.

[10] FREIRE, Paulo e NOGUEIRA, Adriano. Que fazer: teoria e prática em educação popular. 9 ed. Petrópolis: Vozes, 2007, p. 19.

[11] RODRIGUES, Antônio Carlos. “Educação popular: histórico e concepções teóricas”. In: MELLO, Marco (org.). Paulo Freire e a Educação Popular. Porto Alegre: IPPOA, ATEMPA, 2008, p. 45.

[12] FREIRE e NOGUEIRA, op. cit, p. 19.

[13] FREIRE, Paulo. Política e Educação. 8 ed. Indaiatuba: Villa das Letras, 2007, pp. 49-50.
[14] FONTANA, Benedetto. “Hegemonia e a nova ordem mundial”. In: COUTINHO, C. N. e TEIXEIRA, A. P. Ler Gramsci, entender a realidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, pp. 119-120.


FONTE: http://prestesaressurgir.blogspot.com.br/2012/10/a-guisa-de-introducao-para-entender.html

30/03/2013

Em ano eleitoral, movimento estudantil chileno se divide sobre apoio a ex-líderes


Também há divergências sobre uma abstenção em massa no pleito presidencial de novembro deste ano.



Depois de quase dois anos levando adiante uma intensa batalha de ideias contra o governo nacional em prol de mudanças profundas no sistema educacional e de fomentar inclusive o debate em torno de uma nova assembleia constituinte no país, o Movimento Estudantil Chileno se encontra, pela primeira vez, dividido.

As divergências se acentuaram entre as distintas frentes dentro do movimento justamente quando o país começa a se preparar para uma eleição presidencial – a que escolherá o sucessor do atual presidente, Sebastián Piñera, e que tem Michelle Bachelet como principal favorita. A situação não é casual, já que a divisão ocorre pelas posturas diferentes que cada frente defende sobre como encarar o processo eleitoral.

De um lado estão os líderes universitários que levantaram o movimento em 2011, que reaparecem agora no cenário nacional, defendendo suas candidaturas a deputado, por diferentes legendas. Do outro estão os atuais líderes da Confech (Confederação dos Estudantes do Chile), defendendo que os estudantes devem participar do debate eleitoral cobrando todos os candidatos, inclusive os oriundos do movimento, e não tentar transformá-lo em um partido político. E em uma terceira tendência, os secundaristas, que defendem uma abstenção em massa para forçar a criação de uma assembleia constituinte no país.

Segundo Andrés Fielbaum, presidente da FECH (Federação de Estudantes da Universidade do Chile, a maior do país), as eleições não vão frear as marchas estudantis, apesar dos comentários de figuras do atual governo dizendo que o movimento perdeu poder de mobilização. “Eles podem falar o que quiserem, pois nós sabemos que internamente a força e a convicção em torno das bandeiras estudantis ainda são as mesmas de 2011, basta ver que todos os candidatos estão baseando seu discurso em projetos educacionais”, comentou.


Os candidatos estudantis


Apesar de a disputa presidencial ser o foco do movimento para este ano, são as eleições legislativas que iniciaram a polêmica entre os estudantes. Isso porque os três principais líderes da Confech em 2011 (quando o movimento teve suas primeiras marchas massivas e chegou a reunir mais de 500 mil pessoas em diferentes marchas pelo país), já anunciaram suas candidaturas para deputados.

Líder das primeiras marchas daquele ano, a hoje geóloga formada Camila Vallejo aceitou disputar uma vaga como deputada pela Região Metropolitana de Santiago e será uma das cartas fortes do Partido Comunista na capital, junto com outro líder estudantil de 2011, Camilo Ballesteros, que no ano passado quase foi eleito prefeito da comuna de Estación Central – perdeu por menos de 1% de diferença.

O terceiro nome do triunvirato que levantou a Confech naquela “primavera escolar” chilena também já está em campanha. Depois de sair do movimento estudantil, Giorgio Jackson criou seu próprio referente político, batizado como Revolução Democrática, e teve participação fundamental em algumas disputas eleitorais municipais em 2012 – por exemplo, foi o braço direito de Josefa Errázuriz, a dona de casa que derrubou a dinastia de Cristián Labbé, o ex-guarda-costas de Pinochet, em Providencia, principal comuna de classe média da capital, evitando assim que ele conseguisse seu sexto mandato consecutivo. Este ano, Jackson estará focado em sua própria candidatura.
Andrés Fielbaum, atual presidente da FECH (a mesma federação de onde surgiu Camila Vallejo), pertence à tendência que acha que o movimento estudantil deve participar do processo eleitoral fomentando o debate, mas sem apresentar candidatos próprios, mas não condena os colegas que se lançaram: “se eu pudesse votaria em todos, e talvez um deles tenha o meu voto. O único que esperamos é que eles sejam fiéis às bandeiras que defendemos durante esses anos, por exemplo, não apoiando presidenciáveis que representam o sistema educacional atual”.

O comentário final de Fielbaum se refere à outra polêmica que tem colaborado para a divisão dentro do movimento estudantil. O Partido Comunista, de Camila Vallejo e Camilo Ballesteros, pretende participar das primárias abertas da Concertação (coalizão de centro-esquerda, hoje opositora, mas que governou o país entre 1990 e 2010, período no qual manteve vigente o atual sistema educacional, herdado da ditadura de Pinochet).

Sendo assim, em uma provável vitória da ex-presidente Michelle Bachelet (2006-2010) nas primárias, os candidatos estudantis do PC se veriam na constrangedora situação de ter que apoiar a candidatura de quem vem sendo uma das figuras mais criticadas pelos estudantes, e por eles mesmos, desde 2011.

Secundaristas pregam abstenção



Considerados por muitos analistas como os principais responsáveis pelos 55% de abstenção nas eleições municipais de 2012, os estudantes secundaristas pretendem manter a aposta este ano. É o que explica a porta-voz da ACES (Assembleia Coordenadora dos Estudantes Secundaristas), Eloísa González: “este momento, em que tanto o governo de direita quanto a oposição de centro-esquerda sofrem com baixa popularidade, é o mais propício do pós-ditadura para dar um golpe de morte a este sistema eleitoral viciado e exigir uma nova Constituição e um novo sistema político, mais representativo”.

Eloísa também assegura que ela e os demais líderes da ACES não pretendem romper com os universitários, pois “ainda defendemos as mesmas demandas, apenas temos uma visão diferente de como lutar por elas, mas há um respeito mútuo apesar das divergências”.

A nova agenda proposta pelos novos líderes da Confech (Confederação dos Estudantes do Chile), que será iniciada no dia 11 de abril, com uma marcha envolvendo universitários, secundaristas e líderes sindicais, será um momento oportuno para manter pelo menos a comunhão das diferentes frentes em torno das quatro principais ideias defendidas pelo movimento nestes dois anos: educação pública gratuita, desmunicipalização do ensino público, proibição do lucro em estabelecimentos educacionais e a realização de uma nova assembleia constituinte para o país – a constituição vigente no Chile ainda é a mesma imposta em 1980, durante a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990).


Fonte: Opera Mundi
  

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25/03/2013

Programa Universidade para Todos: democratizar ou mercantilizar?

Por Roberto Leher
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A expansão das matrículas do ensino médio, o recrutamento de força de trabalho pelo capital e as mobilizações de estudantes e docentes em prol de uma reforma universitária tornaram improrrogável a questão da democratização do acesso à educação superior. O crescimento econômico motivou a emergente classe média a investir – como o passaporte para a mobilidade social – em cursinhos pré-vestibulares para garantir o acesso de seus filhos à universidade. Os estudantes excedentes (aprovados, mas sem vagas) saíram às ruas em protestos que abalavam a imagem do “Brasil potência”.

Diante das pressões, o governo argumentou que as vagas públicas não poderiam atender prontamente à demanda. “Sensível” aos reclamos sociais, induziu a abertura de vagas no setor privado, em instituições universitárias ou não (uma firula, diante da causa democrática), por meio de pesadas isenções tributárias e empréstimos estudantis fortemente subsidiados pelo poder público. Assim, o anseio dos estudantes poderia ser realizado “aqui e agora”. Ao mesmo tempo, contemplaria os interesses capitalistas dos empresários da educação, segmento que demonstrara força política no processo de elaboração da Lei de Diretrizes e Bases.

Evidentemente, referimo-nos até aqui à ditatura civil-militar de 1964. O sistema de bolsas foi colocado em prática pela Emenda Constitucional n. 1, de 1969, que determinava a criação de bolsas de estudo restituíveis, e pelo artigo 20 da Constituição de 1967, que vedava à União, aos estados e aos municípios a cobrança de impostos sobre renda, patrimônio e serviços dos estabelecimentos de ensino. Houve uma acentuada expansão das matrículas no ensino superior: entre 1960 e 1980, de 200 mil para 1,4 milhão (cerca de 500%), mas o grande impulsionador da expansão foi o setor privado (crescimento superior a 800%), quepartiu de um patamar de 42% das matrículas no início dos anos 1960, alcançando 50% em meados dos 1970 e, em 1980, sendo responsável por 63% do total. A solução emergencial do problema do acesso expandiu e diferenciou as instituições de ensino superior privadas, legitimando a contrarreforma de 1968, calibrada pelos Acordos MEC-Usaid. Ao final da ditadura, o sistema público assumiu função complementar ao privado. As frações mais pauperizadas teriam de se conformar com cursos aligeirados, adequados para formar o exército industrial de reserva.

A crítica à ditadura colocou em evidência o perverso modelo privado-mercantil: embora ofertando cursos, em geral sem qualidade, os lucros do setor ampliaram exponencialmente sob o manto da filantropia. Daí por que a luta na Constituinte ter priorizado a consigna: verbas públicas para as escolas públicas. Derrotas e avanços coexistem no capítulo da educação da Carta de 1988. O artigo 207 consagra a universidade como uma instituição autônoma e referenciada na indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, mas o artigo 209 estabelece que o ensino é livre à iniciativa privada, e os artigos 150 e 213 admitem a possibilidade de repasse de recursos públicos (apenas) para as instituições “sem fins lucrativos” (comunitárias, filantrópicas e confessionais).

Fernando Henrique Cardoso institucionalizou o caráter privado-mercantil das “particulares” (Decreto n. 2.306/1997). A expansão, doravante, foi liderada por essas instituições com fins lucrativos (em 2008, das 2.016 privadas, 1.579 eram particulares). Após o boomdas matrículas privadas entre 1995-1999, o setor educacional foi afetado por uma crise semelhante à dos anos 1980: não havia mercado consumidor, com renda, para comprar o serviço educacional. Nesse contexto, o poder do atraso se impôs. O resgate das organizações privadas dar-se-ia em nome do interesse público. Tratava-se de democratizar o acesso “aqui e agora”, ainda que financiando as instituições privadas. O diagnóstico do governo era de que o setor público não daria conta e era pouco eficiente nos gastos. O setor privado seria auspiciado por uma dupla medida já conhecida: a) oferecer isenções tributárias para as organizações privadas (Programa Universidade para Todos), ultrapassando até mesmo os limites da Constituição (ao conceder isenções às instituições com fins lucrativos) e b) turbinar o programa de empréstimos subsidiados para os clientes (Fies).

Muitos estudantes se beneficiaram do ProUni. E devem ser apoiados em seu direito à educação superior. Não resta dúvida de que outros muitos se beneficiaram da expansão e das bolsas na ditadura. O problema é que tal política destrói qualquer projeto democrático de nação. A opção pelo setor privado leva ao encolhimento do setor público. Em 2002, apenas 27% das matrículas eram públicas; em 2010, 25%. Difunde-se um padrão de educação minimalista e desvinculado das necessidades do país: apenas 0,002% das bolsas do ProUni foram para Geologia e 0,6% em Medicina, por exemplo; o grosso se destina a cursos de “humanidades”, tecnológicos de curta duração (sem relação com as áreas tecnológicas duras) e ciências sociais aplicadas, cursos fast deliverydiploma.

O próprio nome do programa é enganoso: não é universidade para todos, já que as vagas estão dispersas em todo tipo de instituição de ensino superior, inclusive nas mal avaliadas pelo MEC. É de baixa efetividade. Em 2005, apenas 77% das vagas anunciadas em maciças campanhas publicitárias foram ocupadas. Em 2008, apenas 58% das vagas anunciadas. O custo-aluno para o Estado é enorme, muito acima da mensalidade média das empresas: a) organizações com fins lucrativos: R$ 436; custo do bolsista: R$ 495; b) sem fins lucrativos beneficentes: R$ 597; valor pago por aluno: R$ 1.043 (2006).

Uma diferença em relação aos anos da ditadura precisa ser realçada. Atualmente, o setor é controlado por corporações e fundos de investimento com grande participação de capital estrangeiro. Não se trata mais de empresas familiares, mas de negócios que compõem o rol de investimentos especulativos do setor financeiro. Permitir, em nome da democracia, que a juventude brasileira permaneça prisioneira dessa educação mercantilizada é algo brutal. Urge mudar a direção da política educacional. E o eixo tem de ser público e universal. Uma universidade aberta a todos os que possuem um rosto humano. A história se move!



Roberto Leher é professor titular da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRJ, além de pesquisador do CNPq



Fonte: Diário Liberdade

Nota do Sepe sobre agressão sofrida por diretora


Hoje (25), um fato lamentável foi noticiado pela mídia. A diretora Leila Soares da Escola Municipal João Kopke, em Piedade, foi espancada por um aluno de 15 anos. O fato ocorreu na última quinta-feira (21), porém a profissional ainda está em estado de choque e com diversos ferimentos.

A EM João Kopke é apenas um exemplo do que acontece na maioria das escolas de nosso município. Nela, só existem duas agentes educacionais (antigo inspetor de alunos) para mais de 700 estudantes. As duas funcionárias administrativas ainda têm de se revezar no trabalho. Ou seja, na prática, uma agente educacional tem de coordenar mais de 700 crianças e adolescentes.

O acontecimento comprova a falta de estrutura e pessoal sofrida pelas escolas públicas municipais do Rio de Janeiro, que o Sepe denuncia há anos.

A direção do Sepe está na escola, dando todo apoio psicológico e jurídico à comunidade.

O sindicato também se coloca à disposição da professora Leila.



Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do RJ
Endereço: Rua Evaristo da Veiga, 55 - 8º andar - Centro - Rio de Janeiro/RJ
Telefone: (21) 2195-0450

23/03/2013

CABRAL ODEIA ÍNDIOS E TRABALHADORES DA EDUCAÇÃO


PROJETO DE LEI Nº 2055/2013 
EMENTA: 

DISPÕE SOBRE A EXTINÇÃO DE CARGOS DE SERVENTE, MERENDEIRA, VIGIA E ZELADOR DO QUADRO DE PESSOAL DE APOIO DA SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO



Autor(es): PODER EXECUTIVO   A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO 


RESOLVE:

Art. 1º Os cargos de servente, merendeira, vigia e zelador, integrantes do quadro de pessoal de apoio da Secretaria de Estado de Educação, constituído pela Lei Estadual nº 1.348 de 22 de setembro de 1988, e aqueles criados no âmbito da extinta Fundação de Apoio a Escola Pública – FAEP, transferidos à SEEDUC segundo autorização prevista na Lei Estadual 2.512, de 11 de janeiro de 1996, nos termos do artigo 145, inciso XIV da Constituição do Estado do Rio de Janeiro: I – ficam imediatamente extintos se, na data da publicação desta Lei, encontrarem-se vagos. II – extinguir-se-ão, à medida que se tornarem vagos, caso estejam providos na data da publicação desta Lei.  Art. 2º Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação.

Rio de Janeiro, 21 de março de 2013  SÉRGIO CABRAL Governador



JUSTIFICATIVA 


 Rio de Janeiro, 21 de março de 2013 MENSAGEM Nº 09 /2013   EXCELENTÍSSIMOS SENHORES PRESIDENTE E DEMAIS MEMBROS DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Tenho a honra de submeter à deliberação dessa Egrégia Casa o incluso Projeto de Lei que “DISPÕE SOBRE A EXTINÇÃO DE CARGOS DE SERVENTE, MERENDEIRA, VIGIA E ZELADOR DO QUADRO DE PESSOAL DE APOIO DA SECRETARIA DE ESTADO

DE EDUCAÇÃO”.  A proposta tem por finalidade extinguir cargos públicos a que sejam cometidas funções voltadas para o desempenho de atividades de apoio. O fundamento da proposição reside-se no fato de que a contratação das atividades em comento junto à iniciativa privada mostra-se mais vantajosa para a Administração Pública. A terceirização dos serviços por meio de empresas especializadas, além de permitir a execução do serviço de forma mais eficaz, reduz o custo advindo da sua prestação. O provimento de novos cargos, mediante a realização de concursos públicos, importa na criação de despesas com a remuneração dos servidores e com o custeio dos encargos sociais respectivos, de caráter assistencial e previdenciário. Portanto, a opção pela terceirização, na hipótese, funda-se no princípio da eficiência, consagrado no artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil. A medida adotada importará, sobretudo, na racionalização do uso dos recursos públicos, sem que haja prejuízo à qualidade dos serviços prestados. Também o princípio da subsidiariedade sustenta a possibilidade de contratação de serviços junto a empresas especializadas. De acordo com tal postulado, somente as atividades que, por sua natureza, não puderem ser exercidas pela iniciativa privada, deverão ser prestadas diretamente pelo Estado.  Acrescente-se que a extinção dos cargos ocupados dar-se-á de forma gradual, conforme se tornem vagos. Com isso, os servidores que atualmente os ocupam permanecerão no exercício de suas atividades, evitando que os mesmos sejam postos em disponibilidade remunerada, o que geraria um desperdício de mão de obra. Ressalte-se, ainda, que as atribuições vinculadas aos cargos de que trata esse Projeto não configuram atividades típicas de estado, não havendo impedimento à sua delegação a agentes privados.  Esperando contar mais uma vez com o apoio e o respaldo dessa Egrégia Casa, solicito seja atribuído ao processo o regime de urgência, nos termos do art. 114 da Constituição do Estado e reitero a Vossas Excelências os protestos de estima e consideração.

SÉRGIO CABRAL Governador



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ANTÔNIO GRAMSCI E O OFÍCIO DO HISTORIADOR COMPROMETIDO COM AS LUTAS POPULARES


Autor: Anita Leocadia Prestes Instituição: Programa de Pós-graduação em História Comparada da UFRJ

RESUMO

No texto aborda-se a questão de qual deve ser a postura do historiador comprometido com as lutas populares, com os interesses de classe dos explorados e oprimidos. Faz-se uma discussão a respeito do ofício de tal historiador e da sua prática diante da História Oficial, que se encontra consagrada e difundida principalmente nos livros escolares e na mídia.

Afirma-se que o marxismo é a opção teórica que melhor consegue explicar racionalmente o funcionamento das sociedades humanas, principalmente na época atual. Destaca-se a importância do legado teórico de A. Gramsci para o ofício do historiador que pretende contribuir para a elaboração de uma história dos movimentos sociais no Brasil e, em particular das lutas dos comunistas brasileiros durante o século XX. Ressalta-se o papel dos intelectuais orgânicos (segundo Gramsci) – e, em particular,dos historiadores – junto aos movimentos populares.

São abordados vários momentos e diversos aspectos da história do PCB tendo como pressupostos teóricos categorias gramscianas como sociedade civil e sociedade política, consenso e hegemonia, guerra de posição e guerra de movimento, entre outras. É discutido o conceito de bloco histórico de Gramsci e sua aplicação para o entendimento da atuação política dos comunistas. Da mesma forma, tendo como base as indicações gramscianas sobre o conceito de partido político e a respeito da formação do grupo dirigente do Partido Comunista, apresenta-se uma proposta de explicação para as características assumidas pelo PCB a partir de sua Conferência da Mantiqueira, realizada em 1943.

O texto ressalta as inesgotáveis possibilidades que a contribuição teórica de Gramsci oferece para a elaboração de uma História comprometida com a evidência e, por isso mesmo, também com as aspirações de emancipação econômica, social e política de milhões de homens e mulheres explorados e oprimidos, com os objetivos dos movimentos sociais e das lutas populares por um mundo melhor, com justiça social e liberdade, por um futuro socialista.

PALAVRAS-CHAVE:GRAMSCI – OFÍCIO DO HISTORIADOR – HISTÓRIA DO PCB

TEXTO

Como é sabido, não existe História neutra ou História que seja uma mera reprodução dos fatos ocorridos em determinado momento histórico. O fato histórico é uma escolha do historiador, um recorte feito por ele e que reflete seu posicionamento diante do mundo e daquela realidade que está sendo por ele descrita. A História é uma construção, que pode ter maior ou menor compromisso com a evidência, mas na qual existe sempre uma carga indiscutível de subjetividade.

Numa sociedade atravessada, e movida, por conflitos sociais, ou seja, numa

sociedade onde há explorados e exploradores, onde há classes antagônicas, a História Oficial é sempre uma construção que reflete os interesses dos grupos sociais dominantes. Em outras palavras, é uma construção das classes sociais que detém o poder e os meios de comunicação. E isso é verdade, mesmo quando tal situação está mascarada, não explicitada, quando não é evidente.

Qual deverá ser, portanto, a postura do historiador comprometido com as lutas populares, com os interesses de classe dos explorados e oprimidos? Como deverá ser o ofício de tal historiador? Qual deverá ser a prática desse historiador diante da História Oficial, que se encontra consagrada e difundida principalmente nos livros escolares e na mídia?

No meu entender, é o marxismo que melhor consegue responder aos grandes desafios postos perante a humanidade, que melhor consegue explicar racionalmente o funcionamento das sociedades humanas, principalmente na época atual, período pós Era dos Extremos, segundo a expressão cunhada por Eric Hobsbawm (HOBSBAWM, 1995)

O grande historiador francês Pierre Vilar escreveu que é necessário encontrar “no espaço e no tempo, o marco legítimo de modelo estrutural utilizável em história” e concluiu que “até o momento, o melhor marco parece ser o proposto por Marx: a noção de ‘modo de produção’”. Segundo Vilar, “um modo de produção é uma estrutura que expressa um tipo de realidade social total”, é o modelo capaz de assegurar uma explicação racional do funcionamento das sociedades humanas (VILAR, 1982: 67). A meu ver, a partir desse modelo é possível aproximar-se de uma explicação científica das sociedades humanas.

Marx e Engels, os pais fundadores da teoria marxista, abriram caminho para que a História se tornasse uma “ciência em construção”, nas palavras de Pierre Vilar (VILAR, 1979: 146-178), para que conceitos como classe, luta de classes e Estado adquirissem caráter científico. Se Lênin desenvolvera a teoria marxista na época do imperialismo e nas condições de um país atrasado como a Rússia czarista, coube ao filósofo e dirigente revolucionário italiano Antônio Gramsci um papel extraordinário no que diz respeito à teorização do Estado, do poder e da política, numa situação diferente, existente no Ocidente europeu no primeiro pós-guerra. Tendo por base o conceito de hegemonia, elaborado e amplamente utilizado por Lênin, em particular em sua obra O Estado e a Revolução (LÊNIN, 1960: 291­389), Gramsci o viria a desenvolver de forma criativa.

Torna-se, pois, indispensável abordar a teoria gramsciana do “Estado ampliado”. Segundo Christine Buci-Glucksmann, “a ampliação do conceito de Estado” constitui a maior contribuição teórico-política de Gramsci. (BUCI-GLUCKSMANN, 1976: 65))

Em que sentido podemos falar em “ampliação” do conceito de Estado por parte do filósofo italiano? De acordo com Guido Liguori, em duas direções principais:

1ª direção) Sem invalidar a tese marxista da determinação “em última instância” do Estado e da política pelos fatores econômicos, Gramsci percebeu a presença de uma nova relação entre política e economia como um dos traços peculiares do século XX. Em outras palavras, destacou a importância dos fenômenos relacionados com a autonomia relativa do Estado e da política , dentre os quais o fascismo adquiria grande destaque. (LIGUORI, 2007: 13-14)

2ª direção) A compreensão da nova relação entre “sociedade política” e “sociedade civil” (entendida esta como “lugar de consenso”), a que Gramsci chega formulando sua teoria da hegemonia. É uma relação – entre sociedade política e sociedade civil – que, segundo este autor, começa a mudar já no século XIX, para afirmar-se plenamente no século XX. Tal mudança é expressa pela metáfora espacial “Oriente-Ocidente”, segundo a qual a Rússia seria o “Oriente” e a Europa Ocidental, o “Ocidente”. (Idem: 14) No Oriente a sociedade civil seria débil, pouco desenvolvida, se comparada com a robustez da mesma no Ocidente.

Devo lembrar que, para Gramsci, o Estado pode ser examinado em dois grandes níveis: o que ele denomina de sociedade civil, isto é, o conjunto dos organismos vulgarmente chamados “privados”; e o da sociedade política ou Estado propriamente dito. A sociedade civil corresponde à função hegemônica que o grupo dominante exerce em toda a sociedade e a sociedade política à função de dominação direta ou de comando que se exprime no Estado e no governo “jurídico”. (GRAMSCI, 2001, V.2: 20-21) Na sociedade civil se elaboram as concepções do mundo, as ideologias e todas as atividades mais ou menos intelectuais pelas quais se amalgamam as diversas formas do consenso social, desde os jornais até os organismos religiosos ou escolares. Na sociedade civil se elabora o consenso em torno dos interesses dominantes na sociedade, tem lugar a hegemonia da classe dominante, que é transmitida e difundida junto aos grupos subalternos. (Idem)

Resumindo, podemos afirmar que, segundo Gramsci, não existe uma separação orgânica entre sociedade civil e sociedade política. Tal separação é apenas metodológica. O importante é compreender que toda classe dominante exerce a dominação através da coerção (cujos aparelhos fazem parte da sociedade política) e também do consenso e da hegemonia (produzidos na sociedade civil). É na sociedade civil que tem lugar a luta ideológica entre diversas concepções do mundo, ou melhor, entre as ideologias dos grupos dominantes e as dos setores dominados e explorados. Para Gramsci, a sociedade civil é atravessada e movida pelas lutas de classes, tese oposta à de ideólogos burgueses, como é o caso de Norberto Bobbio, para quem a sociedade civil seria o lugar do consenso, compreendido por este autor como entendimento, numa concepção de caráter liberal, segundo a qual não existiriam interesses antagônicos em choque (LIGUORI, 2007: 39-41).

É na sociedade civil que, de acordo com Gramsci, atuam os intelectuais orgânicos, aqueles intelectuais que expressam consciente ou inconscientemente os interesses dos diferentes grupos sociais existentes em cada sociedade. Segundo Gramsci, cada classe gera seus intelectuais orgânicos, ou produtores culturais, que atuam na sociedade civil, representando os interesses dos grupos dominantes nessa sociedade, e contribuem para que seja assegurada, através do consenso, a hegemonia desses setores. Para haver hegemonia, é necessário que haja aceitação e adesão dos setores subalternos ou dominados.

Voltando à produção da História Oficial, entendo que ela é construída pelos donos do poder (as classes dominantes), ou, segundo A.Gramsci, pelos seus intelectuais orgânicos. Em outras palavras, a História Oficial é expressão da ideologia dominante, ou seja, dos interesses das classes dominantes numa determinada sociedade dividida em classes antagônicas.

Por isso mesmo, a História Oficial freqüentemente não atende ao compromisso do historiador com a evidência. Nas palavras de E. Hobsbawm, ao criticar o irracionalismo “pós­moderno”: “(...) é essencial que os historiadores defendam o fundamento de sua disciplina: a supremacia da evidência (...). Se a história é uma arte imaginativa, é uma arte que não inventa, mas organiza objetos encontrados”. (HOBSBAWM, 1998: 286-287; grifo meu).

Nos dias de hoje, a meu ver, a luta ideológica é a principal forma da luta de classes, que não deixará de existir enquanto perdurarem o capitalismo e a exploração do homem pelo homem. (A violência, ou coerção, estará sempre presente, como a Espada de Dâmocles, quando necessária na manutenção do poder.) As classes dominantes buscam a hegemonia através do consenso. Mas, quando necessário, apelam para a coerção.

Eis a razão por que a elaboração da História Oficial adquire uma importância crescente nas sociedades contemporâneas. Trata-se de proclamar e difundir as vitórias e os sucessos alcançados pelos donos do poder, de hoje e do passado, nos permanentes conflitos sociais presentes na história mundial. Trata-se de consagrar o capitalismo. Em contrapartida, os ideais e as lutas dos setores, que não obtiveram êxito em seus propósitos revolucionários e transformadores e, muitas vezes, sofreram duras derrotas, são, segundo a lógica da História Oficial, esquecidos, silenciados, deturpados e combatidos. Em nossas sociedades contemporâneas, são os intelectuais orgânicos, comprometidos com a burguesia que cumprem a função de produzir tal História Oficial. Dessa forma, são consagradas inúmeras deformações históricas, inúmeras inverdades históricas e silenciados numerosos acontecimentos que não são do interesse dos setores dominantes que sejam do conhecimento da grande maioria das pessoas e, em particular, das novas gerações.

Entretanto, a hegemonia das classes dominantes nunca é absoluta, pois a exploração capitalista e o agravamento dos conflitos sociais levam ao surgimento de intelectuais orgânicos comprometidos com os interesses dos trabalhadores, dos explorados e oprimidos. O historiador marxista E.P. Thompson escreve: “não posso aceitar a opinião (...) de que a hegemonia imponha um domínio total sobre os governados – ou sobre todos aqueles que não são intelectuais – que atinge até mesmo o limite de sua experiência, e implanta em seus espíritos desde o seu nascimento categorias de subordinação, das quais são incapazes de libertar-se e, para cuja correção, sua experiência resulta impotente” (THOMPSON, 1984: 60).

Observação fundamental para quem pretende contribuir para a elaboração de uma outra História, uma História comprometida com a evidência, uma História que possa ajudar a construir uma outra hegemonia ou, dito de outra maneira, uma contra-hegemonia. Uma História comprometida com a criação de propostas libertadoras e de emancipação da grande maioria dos homens e mulheres explorados, oprimidos e subordinados na sociedade capitalista em que vivemos. O historiador engajado em tal proposta poderá transformar-se num intelectual orgânico comprometido com os interesses populares, os interesses da maioria do povo brasileiro, se estiver atento para a postura militante que deve assumir diante da História Oficial, produzida pelos intelectuais orgânicos a serviço da burguesia.

Tendo como ponto de partida tais pressupostos, para mim, o ofício de historiador consiste no esforço permanente de contribuir para a elaboração de uma história dos movimentos sociais no Brasil e, em particular, das lutas dos comunistas brasileiros durante o século XX comprometida tanto com a evidência quanto com a perspectiva de uma solução revolucionária para o nosso povo. Nesse sentido, o legado de Gramsci é primordial.

Em meu último livro, recentemente publicado (PRESTES, 2010), resultante de ampla pesquisa em fontes diversificadas da atuação dos comunistas brasileiros no período 1945 a 1956/58 -e do papel de Luiz Carlos Prestes à frente do Partido Comunista durante esses anos -, as categorias gramscianas de sociedade civil e sociedade política, consenso e hegemonia, guerra de posição e guerra de movimento, entre outras, constituem referências teóricas de valor inestimável para os resultados a que pude chegar.

Vale a pena lembrar, por exemplo, que os comunistas brasileiros, assim como boa parte dos seus contemporâneos do movimento comunista internacional, sempre afirmaram em seus documentos que, na atuação política de seus partidos, uma das metas mais importantes seria a conquista da hegemonia da classe operária junto aos diferentes setores sociais aliados nos processos revolucionários em pauta. Meta essa fundamental para que os objetivos revolucionários traçados pudessem ser efetivamente alcançados.

Como era entendida, entretanto, na maioria dos casos, tal luta pela hegemonia da classe operária? Ao não levar em conta o papel desempenhado pelo consenso ea hegemonia alcançados pelos intelectuais orgânicos das classes dominantes na sociedade civil (na concepção gramsciana de tais categorias), ao desconsiderar, frequentemente, o papel decisivo do consenso e da hegemonia construídos pela burguesia nas sociedades contemporâneas, os comunistas, muitas vezes, subestimaram a importância da luta ideológica. Ainda que esta fosse bastante enfatizada nos documentos partidários, ao não perceber a necessidade imperiosa, para o êxito de qualquer transformação revolucionária, da construção de uma contra-hegemonia revolucionária na sociedade civil, os dirigentes comunistas, por vezes, abdicaram, na prática, de um empenho real voltado para a formação de intelectuais orgânicos comprometidos com a elaboração de tal contra-hegemonia e com a luta pela sua conquista.

Na história do PCB, tais fatores contribuíram para que a ideologia burguesa alcançasse significativa penetração em suas fileiras. Desde a sua fundação, na década de 1920, o nacionalismo, sob diferentes formas, viria a tornar-se a concepção ideológica dominante entre os comunistas brasileiros. Como pude mostrar em meu referido livro:

“A comparação entre as várias formas de nacionalismo que estiveram presentes em diversos momentos da trajetória política dos comunistas brasileiros contribui para que melhor se possa perceber a permanência nas fileiras do PCB da ideologia nacional-libertadora – ideologia esta que, encontrando ampla receptividade na sociedade brasileira dos anos 1950, sobrepôs-se à ideologia do proletariado, ou seja, contribuiu para que o PCB continuasse a ser, como antes, um partido progressista, movido pelos ideais nacionalistas e democráticos, cuja real implementação se tornara inviável devido às características do desenvolvimento capitalista brasileiro,subordinado e associado ao grande capital internacionalizado.” (PRESTES, 2010: 154)

Penso que, o desconhecimento da teoria gramsciana do Estado ampliado e de suas importantes implicações, em particular no que diz respeito à luta pela hegemonia na sociedade civil, contribuiu para que os dirigentes do PCB incorressem num sério risco, para os marxistas, advertido por E. Hobsbawm, de “aceitar o nacionalismo como ideologia e programa, ao invés de encará-lo realisticamente como um fato, uma condição de sua luta como socialista” (HOBSBAWM, 1980: 310).

Conforme pude observar, ao pesquisar a trajetória dos comunistas brasileiros, “se o PCB, desde o início de sua formação, sofreu forte influência das idéias e das posturas nacionalistas presentes na sociedade brasileira da época, nos anos 1940-1950 – quando o nacionalismo se tornou um verdadeiros “divisor de águas” – a adesão do PCB às teses nacionalistas então em voga seria particularmente marcante” (PRESTES, 2010: 59).E tais teses ficaram consagradas na literatura com a etiqueta de nacional-desenvolvimentismo.

A incompreensão da necessidade de elaborar um projeto revolucionário viável para a construção de uma contra-hegemonia, ou seja, capaz de conquistar e unificar amplos setores populares, formando um consenso de contestação ao consenso dominante -fabricado pelos intelectuais orgânicos da burguesia através principalmente do controle dos meios de comunicação de massa -, levou o PCB, na prática, a abandonar os objetivos revolucionários consagrados nos documentos partidários, a enveredar irremediavelmente pelo caminho do reformismo burguês. Na história do PCB, principalmente a partir dos anos 1950, o reformismo, se caracterizaria pela adesão à ideologia do nacional-desenvolvimentismo e a permanência da ilusão na possibilidade de alcançar um capitalismo autônomo em nosso país, com a colaboração de uma hipotética burguesia nacional.

A ausência de um projeto revolucionário viável para as condições do Brasil, contribuiu para que o PCB se mantivesse apegado durante décadas às formulações de uma revolução por etapas, explicitada numa estratégia nacional-libertadora, cuja inadequação à realidade do país acarretava a adoção por parte do partido de drásticas viradas táticas ora à “esquerda” ora à “direita” (PRESTES, A.L.,1980). Como conseqüência, os comunistas brasileiros pouco contribuíram para uma efetiva acumulação de forças, conforme as diretrizes de grande parte dos documentos partidários. As categorias gramscianas de guerra de posição e guerra de movimento (ou assalto ao poder) nos ajudam a melhor compreender a política do PCB. Podemos dizer que uma estratégia política reformista e inadequada às condições do Brasil não ajudava os comunistas a acumularem forças num processo de guerra de posição, segundo Gramsci. Ao mesmo tempo, favorecia a afirmação de uma concepção golpista de assalto imediato ao poder, ou guerra de movimento, tática de sucesso improvável nas condições do mundo ocidental pós Primeira Guerra Mundial, conforme Gramsci explicitou nos Cadernos do Cárcere. Para o filósofo e dirigente comunista italiano, no mundo contemporâneo, emque a sociedade política está vinculada a uma robusta sociedade civil,a guerra de posição seria o caminho para acumular forças e preparar as condições para o sucesso dos revolucionários na conquista do poder, momento em que a guerra de movimento seria oportuna e necessária (GRAMSCI, 2000, V.3: 255-257, 261-262).

Pude observar que na história do PCB, assim como na de grande parte dos seus congêneres em diversos continentes, a defesa de políticas de alianças com outros partidos políticos e com outras forças sociais e políticas pode ser considerada uma constante. Com certa frequência aparecem referências à necessidade de formar um bloco histórico de setores sociais possuidores de interesses e reivindicações comuns ou convergentes. Na realidade, trata-se da tentativa de formação de uma aliança baseada numa certa identidade de interesses econômicos. Entretanto, o conceito gramsciano de bloco histórico pressupõe o momento político dessa aliança. “Sua constituição está assentada em classes ou grupos concretos definidos pela sua situação na sociedade, mas as idéias cumprem um papel fundamental no que se refere à sua coesão.” Em outras palavras, no bloco histórico, há “uma estrutura social – as classes e grupos sociais – que depende diretamente das relações entre as forças produtivas; mas também há uma superestrutura ideológica e política”. (BIGNAMI, s.d.: 27)

Gramsci escrevia nos Cadernos do Cárcere que, segundo Marx, “uma persuasão popular tem, com freqüência, a mesma energia de uma força material”. Tal afirmação, segundo o filósofo italiano, “conduz ao fortalecimento da concepção de ‘bloco histórico’, no qual, precisamente, as forças materiais são o conteúdo e as ideologias são a forma, distinção entre forma e conteúdo puramente didática, já que as forças materiais não seriam historicamente concebíveis sem forma e as ideologias seriam fantasias individuais sem as forças materiais” (GRAMSCI, 2001, V.1: 238).

Os elementos citados da concepção gramsciana de bloco histórico permitem perceber o frequente empobrecimento de tal conceito no âmbito dos partidos comunistas. Nas fileiras do PCB semelhante postura, por exemplo, teria como consequência a subestimação pelo trabalho ideológico de formação teórica e política não só dos seus quadros como também de lideranças populares. A incompreensão da necessidade de criar um bloco histórico contra-hegemônico, capaz de conduzir o processo revolucionário à vitória, condicionou o desarmamento ideológico e político dos comunistas diante do bloco histórico dominante e a inevitável capitulação frente ao reformismo burguês.

As indicações gramscianas sobre o conceito de partido político também são significativas, quando se quer escrever a história de um partido. Segundo Gramsci, “pode-se dizer que escrever a história de um partido significa nada mais do que escrever a história geral de um país a partir de um ponto de vista monográfico, pondo em destaque um seu aspecto característico.Um partido terá maior ou menor significado e peso precisamente na medida em que sua atividade particular tiver maior ou menor peso na determinação da história de um país.” (GRAMSCI, 2000, V.3: 87)

Tendo como base as considerações de Gramsci sobre a formação do grupo dirigente do Partido Comunista por ele fundado e dirigido, verifiquei que, para melhor compreender a orientação política posta em prática pelo PCB a partir dos anos 1940, seria necessário analisar a reestruturação por que passou, nesse período, a direção partidária. Gramsci escrevia que “todos os problemas de organização são problemas políticos” (GRAMSCI, 2004, V.2: 348) e acrescentava: “É preciso criar no interior do Partido um núcleo (...) de companheiros que tenham o máximo de homogeneidade ideológica e, portanto, consigam imprimir à ação partidária um máximo de unidade de orientação” (idem:129-130). A tal núcleo caberia o papel de garantir a “formação de uma vanguarda proletária homogênea e ligada às massas” (idem: 351). Para Gramsci, a formação do grupo dirigente ou núcleo dirigente constituía um ponto de partida fundamental para a construção do Partido Comunista e, consequentemente, as características de tal grupo dirigente iriam definir o perfil da organização partidária em questão.
 
A pesquisa da história dos comunistas brasileiros por mim desenvolvida me levou à conclusão de que na Conferência da Mantiqueira do PCB, realizada em agosto de 1943, foi constituído um novo grupo dirigente, que, embora no decorrer dos anos, sofreria algumas modificações, seus elementos mais destacados foram os que orientaram a reconstrução do partido e o dotaram de um tipo de organização que correspondia aos objetivos políticos traçados naquela Conferência. O caráter nacional-libertador da política então aprovada seria sua marca registrada. As características do novo grupo dirigente iriam definir o perfil da organização partidária que viria a existir daí por diante. O berço do novo PCB, reconstruído após seu esfacelamento em 1940, seria a Conferência da Mantiqueira, e o seu novo perfil foi determinado pelo núcleo dirigente constituído nesse conclave.

Ao estudar a trajetória dos comunistas brasileiros, é possível perceber a atualidade das considerações gramscianas concernentes “à capacidade do partido reagir contra o espírito consuetudinário, isto é, contra as tendências a se mumificar e tornar anacrônico”. Gramsci escrevia:

“Os partidos nascem e se constituem como organização para dirigir a situação em momentos historicamente vitais para suas classes, mas nem sempre eles sabem adaptar-se às novas tarefas e às novas épocas, nem sempre sabem desenvolver-se de acordo com o desenvolvimento do conjunto das relações de força (...) no país em questão ou no campo internacional. (...) A burocracia é a força consuetudinária e conservadora mais perigosa; se ela chega a se constituir como um corpo solidário, voltado para si mesmo e independente da massa, o partido termina por se tornar anacrônico e, nos momentos de crise aguda, é esvaziado de seu conteúdo social e resta como que solto no ar.”(GRAMSCI, 2000, V. 3: 61-62)

Palavras estas adequadas à caracterização da crise que atingiu o PCB no final dos anos 1970 e levou Luiz Carlos Prestes a lançar a “Carta aos Comunistas” de março de 1980 (PRESTES, L.C., 1980).

Os exemplos por mim mencionados são reveladores das inesgotáveis possibilidades que, através dos caminhos apontados pela contribuição teórica de Gramsci, se abrem para a elaboração de uma História comprometida com a evidência e, por isso mesmo, também com as aspirações de emancipação econômica, social e política de milhões de homens e mulheres explorados e oprimidos, com os objetivos dos movimentos sociais e das lutas populares por um mundo melhor, com justiça social e liberdade, que, a meu ver, só poderá ser conquistado com uma transformação radical, de caráter socialista.

Referências:
-BIGNAMI, A. El pensamiento de Gramsci: una introduccion. 2 ed. Buenos Aires:Editorial El Folleto, s.d.-BUCI-GLUCKSMANN, C. Gramsci e lo statu: per uma teoria materialistica dellafilosofia. Roma: Riuniti,1976.-GRAMSCI, A. Cadernos do cárcere. 2 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,2001, V. 1.-____________.Cadernos do cárcere. 2 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,2001, V. 2.-____________.Cadernos do cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000,

V.3.-____________. Escritos Políticos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004, V. 2.-HOBSBAWM, E. Nacionalismo e marxismo. In: J. PINSKY (org.). Questão nacional e marxismo. São Paulo: Brasiliense, 1980, p. 294-323.-_____________.Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo:Companhia das Letras,1995.-_____________. Sobre a história. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.-LENIN, V. I. Obras escogidas en tres tomos. Moscú: Progreso, 1960, V. 2.-LIGUORI, G. Roteiros para Gramsci. Rio de Janeiro: UFRJ, 2007.-PRESTES, A. L. “A que herança devem os comunistas renunciar?” Oitenta, PortoAlegre: LP&M, nº 4, 1980.-_____________. Os comunistas brasileiros (1945-1956/58): Luiz Carlos Prestes e apolítica do PCB. São Paulo: Brasiliense, 2010.-PRESTES, L.C. Carta aos comunistas. São Paulo: Alfa-Omega, 1980.-THOMPSON, E. P. Tradición, revuelta y consciência de clase; estúdios sobre la crisisde la sociedad preindustrial. Barcelona: Crítica, 1984.-VILAR, P. História marxista, história em construção. In: LE GOFF, J.; NORA, P.(Ed.). História: novos problemas. 2 ed. Rio de Janeiro: Alves, 1979, p. 146-178.-________. Iniciación al vocabulario del análisis histórico. Barcelona: Crítica, 1982.

Fonte:https://www.revistas.ufrj.br/index.php/RevistaHistoriaComparada/article/view/74/69










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22/03/2013

OLIMPÍADAS, CHOQUE DE ORDEM E LIMPEZA SOCIAL NO RIO DE JANEIRO. ALGUMAS RESISTÊNCIAS EM CURSO


Gerardo Silva
Professor da Universidade Federal do ABC

No momento em que foi anunciado que o Rio de Janeiro seria sede dos jogos olímpicos de 2016, pela primeira vez a serem celebrados no continente sul-americano, a cidade comemorou – além da multidão em Copacabana reunida para esse fim. Por um lado, não era a primeira vez que a cidade apresentava sua candidatura (já tinha sido preterida duas vezes, para sediar as Olimpíadas de 2004 e 2012); pelo outro, já tinham sido realizados os Jogos Pan-Americanos em 2007 e tinha sido confirmada, aproximadamente na mesma época, a realização da copa do mundo de futebol no Brasil em 2014[1]. A grande novidade do anúncio, entretanto, foi a grande popularidade internacional do presidente Lula e, sobretudo, o alinhamento político entre os níveis de governo federal, estadual e municipal para levar adiante a iniciativa. Sem dúvida, esse alinhamento tornou-a viável, tanto em termos institucionais quanto financeiros, fazendo com que o projeto, classificado em quinto lugar na candidatura anterior, passasse agora em primeiro.

Passado esse momento de euforia, entretanto, os problemas começam a aparecer. O primeiro é a clara determinação institucional de blindar o projeto e oferecer o mínimo de informação para o debate público. A população vai conhecendo os detalhes dos projetos através da mídia, a qual, por sua vez, participa ativamente dessa blindagem. Nenhuma voz discordante tem lugar nos principais meios de comunicação massiva (mesmo quando esses meios estejam posicionados contra o governo Lula). O segundo é a distribuição territorial das atividades olímpicas, que tende a privilegiar a já privilegiada Barra da Tijuca[2]. Esse fato não se deve apenas aos interesses imobiliários e/ou das incorporadoras em jogo (já fortemente concentrados nessa região da cidade), mas à própria determinação do COI (Comitê Olímpico Internacional), que vetou, por exemplo, uma iniciativa da Prefeitura do Rio de Janeiro para levar o Centro de Mídia e algumas provas esportivas para o centro da cidade[3].

Esses dois problemas não são, porém, em minha opinião, os mais importantes. A questão principal hoje reside no fato de que o projeto olímpico coincide com o projeto de governo do atual prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, chamado extra-oficialmente de “choque de ordem”[4]. Se, por um lado, a experiência de Barcelona é considerada uma das principais referências internacionais na organização dos jogos (de fato, o antigo prefeito de Barcelona entre 1982 e 1997, Pasqual Maragall, foi contratado como assessor pela prefeitura do Rio de Janeiro), pelo outro, as medidas que estão sendo tomadas pelo governo municipal no plano social espelham-se mais na política de “tolerância zero” implementada pelo ex prefeito de Nova York entre 1994 e 2002, Rudolph Giuliani. Ou seja, o projeto das Olimpíadas transformou-se numa poderosa justificativa para a repressão do trabalho informal (em um país onde o mercado de trabalho formal não alcança os 50% da população economicamente ativa), e, sobretudo, para a remoção de favelas (quando o que se impõe, na maioria dos casos, é sua urbanização), a expulsão da população de rua e o despejo das ocupações do centro da cidade[5]. Entre os movimentos sociais que começam a esboçar alguma resistência já se fala do “choque de ordem” como uma operação de “limpeza social”.


Informe da Relatoria Especial da ONU para o Direito à Moradia Adequada[6]

Atento aos enormes impactos causados pelos grandes eventos esportivos (as Olimpíadas em particular) nas cidades sede e considerando, sobretudo, as conseqüências sociais regressivas em termos de moradia e habitação que têm acompanhado esses megaeventos, a Relatoria Especial da ONU elaborou um informe amplamente documentado sobre essa problemática questão[7]. Nesse informe, que podemos considerar uma primeira grande tentativa de resistência institucional pelo modo em que são viabilizados os projetos e seus vultosos investimentos, destaca-se o seguinte, com relação às remoções, expulsões e despejos:

28. O legado negativo dos megaeventos incide particularmente nos setores mais desfavorecidos da sociedade. Esses grupos vêm-se afetados desproporcionadamente pela tendência aos despejos forçados, deslocamentos, diminuição da disponibilidade de habitação social, redução da acessibilidade à moradia, carência de lar, distanciamento da comunidade e das redes sociais existentes, restrição das liberdades civis e punição da carência de lar e das atividades marginalizadas. Os deslocamentos e despejos forçados que têm origem no embelezamento e no aburguesamento afetam normalmente a população de baixa renda, as minorias étnicas, os imigrantes e os idosos, a quem se obriga abandonar seus lares e se reassentarem em zonas distantes dos centros da cidade. Da mesma forma, as políticas e leis especiais adotadas para ‘limpar’ (sic) a cidade, resultam na remoção de pessoas sem lar, mendigos, camelôs, trabalhadores sexuais e outros grupos marginalizados das zonas centrais e no seu reassentamento em áreas especiais ou fora da cidade” (2009, p. 11).

Além dessa profética advertência, o documento aborda questões relacionadas com os princípios que orientam a realização dos jogos, principalmente no que diz respeito às dimensões éticas que devem ser respeitadas na sua concepção, organização e realização. Todos os procedimentos do Comitê Olímpico Internacional (COI) relativos à pré-seleção e seleção das cidades candidatas, com efeito, se regem pela Carta Olímpica e pelo Código de Ética da instituição, que estabelecem o sentido humanista dos jogos (de colocar sempre o esporte “a serviço do desenvolvimento harmônico do homem [e] de favorecer o estabelecimento de uma sociedade pacífica e comprometida com a dignidade humana”), e que definem as normas e exigências contratuais que fazem parte do processo, incluindo garantias de transparência e de respeito aos direitos humanos. Porém, a dinâmica de implementação nem sempre é capaz de garantir esses preceitos. Em resumo, o informe nos alerta sobre a existência de elementos de contradição entre a declaração de princípios, a dimensão comercial ou de grandes negócios e a capacidade real do COI de interferir na gestão dos impactos sociais que o megaevento pode vir ocasionar. As condições de realização vão depender, em grande medida, do alcance das ações de inclusão social que cada cidade sede é capaz ou está disposta a promover.


Carta ao COI da Associação de Moradores e Pescadores da Vila Autódromo – AMPVA

A Carta ao COI é na verdade uma notificação ao COI por parte da Coordenadoria de Regularização Fundiária e Segurança da Posse da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro[8], com base numa solicitação de representação da AMPVA sobre a proposta de remoção da Comunidade Vila Autódromo para definição de um perímetro de segurança para os Jogos Olímpicos de 2016. Essa notificação é mais um capítulo da saga de resistência de um núcleo de 950 famílias de baixa renda que há quarenta anos (quando a região da Barra da Tijuca era uma grande gleba de terras sem futuro definido) ocupam uma área adjacente ao Autódromo Internacional Nelson Piquet ou Autódromo de Jacarepaguá[9]. Desde a década de 1990, com efeito, quando a dinâmica de valorização imobiliária da região alcançou seu ápice, a Prefeitura do Rio de Janeiro vem tentando por diferentes meios remover essa comunidade, alegando motivos tais como “danos estéticos, urbanísticos e ambientais”, entre outros. Essa tentativa tornou-se mais agressiva no contexto dos Jogos Pan-Americanos de 2007, celebrados na cidade.

Ora, no dia 02 de outubro de 2009, quando Rio de Janeiro foi escolhida cidade-sede dos Jogos Olímpicos de 2016, centenas de moradores da Vila Autódromo tomaram conhecimento, mais uma vez, por meio da imprensa nacional, que deveriam ser removidos para criação de um “corredor de segurança” para garantia do evento, contrariando uma reivindicação histórica da comunidade pelas melhorias urbanísticas e investimentos públicos no local. Assumindo a defesa jurídica da Vila Autódromo a Defensoria Pública encaminha então a notificação, considerando que com essa medida não apenas se estaria violando o direito dos moradores de permanecer no lugar (uma vez que não existe causal de risco a sua própria segurança), mas também os procedimentos estabelecidos na legislação brasileira sobre as remoções, que exigem, no mínimo, a participação direta dos afetados – e o que é mais importante, a comunidade da Vila Autódromo manifesta na Carta ao COI sua firme determinação de não ser removida[10].

Os considerandos da notificação também denunciam a violação dos princípios da Carta Olímpica, a violação da Resolução da Organização das Nações Unidas relativos aos direitos econômicos, sociais e culturais e das recomendações do Informe da Relatoria Especial da ONU sobre moradia adequada e megaeventos, e a violação da legislação interna brasileira e do Estatuto da Cidade[11]. Na conclusão, o documento assinala que “É dever da cidade anfitriã realizar os festejados jogos de forma a não só proteger os direitos fundamentais, mas também promovê-los e assegurar um novo e mais avançado patamar de democracia política, econômica e social”. Abre-se dessa forma, com a atitude da Defensoria Pública e a Carta ao COI, uma possibilidade efetiva de questionamento ao projeto olímpico e de debate público sobre sua necessidade de adequação aos problemas sociais da cidade. Contudo, ela não possui meios nem atribuições para iniciar esse debate que deveria ser apropriado pelos movimentos.


O Conselho Popular e o REME (Rede Megaeventos Esportivos)

Por enquanto, as ações dos movimentos sociais e o debate público sobre os grandes eventos permanecem difusos e fragmentados. Nos últimos tempos, vários eventos têm acontecido na cidade (e vários estão previstos) alertando sobre os rumos claramente autoritários e perversos que estão adotando tanto o projeto olímpico quanto a Copa do Mundo de Futebol. O resultado, porém, não tem sido muito satisfatório em termos de articulação e organização dos movimentos. No caso do Conselho Popular do Rio de Janeiro, por exemplo, que reúne várias comunidades, a Pastoral de Favelas, os Movimentos Sociais Contra a Remoção e pela Moradia Digna, a Defensoria Pública e outros militantes, a questão dos megaeventos só agora começa a entrar com firmeza na pauta principal do conjunto de reivindicações políticas[12]; já para o REME (Rede Megaeventos Esportivos), que reúne um grupo ainda pequeno e variável de lideranças comunitárias, pesquisadores universitários e militantes, o desafio atual é o de ganhar fôlego na sua capacidade de mobilização dos atores sociais interessados no debate sobre quais poderiam ser os caminhos de uma “Olimpíada para todos”, visivelmente mais democrática do que está aparecendo em cena – enquanto isso, decisões estão sendo tomadas e investimentos estão sendo feitos! Nesse sentido, resulta imperativo neutralizar o quanto antes o “choque de ordem” implementado pelo atual prefeito Eduardo Paes para poder enxergar de maneira mais estratégica o que realmente está em jogo por trás dos Jogos.



Notas


[1] E também as Olimpíadas Militares de 2011, a segunda maior competição do mundo, que servirá como teste para 2016.


[2] A Barra da Tijuca é uma das regiões economicamente mais expressivas da cidade do Rio de Janeiro, e uma das que mais crescem. Grandes empresas migraram para a Barra da Tijuca na década de 1990 em decorrência do boom da construção civil e da oferta de espaços e novos empreendimentos empresariais. Atualmente também é considerado um dos principais centros gastronômicos e de entretenimento da capital.


[3] Não considerada na proposta original dos Jogos Olímpicos, que se concentra na zona oeste, principalmente na Barra da Tijuca, vislumbrou-se a possibilidade de atrair parte de seus benefícios para a região central da cidade. Propôs-se então o projeto “Porto Maravilha” como uma operação de revalorização do centro da cidade a partir da recuperação urbanística de um dos antigos cais do porto, à maneira de Barcelona, Buenos Aires e outras experiências internacionais já consagradas. Para isso, o projeto pleiteou a construção do centro de mídia dos jogos (que o projeto original prevê concentrar na Barra da Tijuca, junto com maioria das atividades esportivas), o deslocamento de uma parte da vila de mídia e a realização de algumas provas olímpicas tais como boxe, levantamento de peso, tênis de mesa e badmington. Essa mudança foi vetada pelo Comitê Olímpico Internacional (COI), em maio de 2010, por entender que comportaria problemas “logísticos” de difícil solução. Também foi descartada a relocalização do centro de mídia (impressa e televisiva). Contudo, concordou-se em trazer para o centro do Rio de Janeiro boa parte de Vila de Mídia e da Vila de Árbitros que, ao todo, representariam mais de 8000 unidades habitacionais novas na região.


[4] Logo depois de assumir o seu mandato, que abarca o período 2009-2013, o atual prefeito (que antes foi subprefeito da Barra da Tijuca e Jacarepaguá) criou a Secretaria Municipal de Ordem Pública, órgão responsável pela implementação do “choque de ordem”. Sobre a relação de total cumplicidade entre esta política e a mídia hegemônica, ver Pablo Laigner e Rafael Fortes, “A criminalização da pobreza sob o signo do ‘choque de ordem’: uma análise dos primeiros cem dias de governo Eduardo Paes a partir das capas de O Globo” in: Comunicação & Sociedade, Ano 31, n. 53, jan./jun. 2010.


[5] A pressão sobre a população de rua e as ocupações do centro da cidade se deve principalmente ao projeto “Porto Maravilha”, que assume claramente uma dimensão de especulação imobiliária de natureza financeira (cf. Eduardo Domingues, Operações Urbanas Consorciadas e o Projeto Porto Maravilha, 2010, mimeo).


[6] O informe foi elaborado pela Relatora Especial em exercício Raquel Rolnik, arquiteta e urbanista brasileira. Suas opiniões sobre este e outros assuntos relacionados com as problemáticas da habitação social e da cidade podem ser acompanhados no seu blog: http://raquelrolnik.wordpress.com.


[7] Na verdade, o informe tem como foco o direito à moradia adequada, como consta no título, mas ele é muito mais abrangente e inclui questões tais como: efeitos positivos e negativos nas transformações urbanas, marco de direitos humanos aplicáveis aos megaeventos, procedimentos e regulamentações dos Jogos Olímpicos e Copa Mundial de Futebol, processos de licitação e seleção, o papel das cidades e dos patrocinadores, etc.. No final são apresentadas recomendações, tanto para os Estados quanto para o COI e a FIFA.


[8] A Coordenadoria de Regularização Fundiária e Segurança da Posse da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, através do Núcleo de Terras e Habitação, é a principal instituição de defesa jurídica das comunidades do Rio de Janeiro, zelando pelo direito a moradia das populações de baixa renda.


[9] O Autódromo Internacional Nelson Piquet, mais conhecido como Autódromo de Jacarepaguá, por estar localizado às margens da lagoa homônima, foi inaugurado em 1978, e até 1989 sediou as provas do GP do Brasil de Fórmula 1. Parte da comunidade da Vila Autódromo trabalhou na sua construção.


[10] O caso da Vila Autódromo é citado no Informe da Relatoria Especial da ONU para o Direito à Moradia Adequada.


[11] O Estatuto da Cidade é a denominação oficial da lei 10.257 de 10 de julho de 2001, que regulamenta o capítulo "Política urbana" da Constituição brasileira.

[12] Favela também é cidade”, manifesto do Conselho Popular do Rio de Janeiro e dos Movimentos Sociais Unidos contra a remoção, (Revista Global/Brasil nº. 12, 2010).
[Edición electrónica del texto realizada por Miriam-Hermi Zaar]

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Ficha bibliográfica:

SILVA, Gerardo. Olimpíadas, choque de ordem e limpeza social no Rio de Janeiro. Algumas resistências em curso. Biblio 3W. Revista Bibliográfica de Geografía y Ciencias Sociales, Universidad de Barcelona, Vol. XV, nº 895 (18), 5 de noviembre de 2010. <http://www.ub.es/geocrit/b3w-895/b3w-895-18.htm>. [ISSN 1138-9796].

Fonte:http://www.ub.edu/geocrit/b3w-895/b3w-895-18.htm