31/03/2012

Redes sociais como ferramenta de mobilização

O recente protesto popular contra o aumento abusivo das barcas chamou a atenção pela forma como o movimento surgiu: DAS REDES SOCIAIS PARA AS RUAS. Para debater sobre o tema, o programa Censura Livre, que vai ar neste sábado (31-03), das 18h às 20h, na Rádio Comunitária Aliança (98,7 FM), vai contar com a participação dos professores de História, Manuel Farias e Cláudio Márcio Prado. Neste sábado, acontece ainda a estreia do quadro Ecos da Natureza, com o professor e ambientalista Carlos Henrique Martins.

Você é o nosso convidado para participar através do telefone 2724-2263, do e-mailprogramacensuralivre@gmail.com ou nos siteswwww.radioaliancafm.com.br ou wwww.radioaliancafm.org. Esperamos a sua audiência, comentário e opinião! O programa Censura Livre é reprisado todas as terças-feiras, das 20h às 22h. 


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30/03/2012

Como foi e é construída a privatização do ensino superior no Brasil

Escrito por Otaviano Helene    

Uma das características do ensino superior brasileiro nas últimas várias décadas é a constante redução da participação das instituições públicas na sua oferta: em 1960, cerca de 60% das matrículas eram em instituições públicas; atualmente, elas são da ordem de 25% e com uma tendência a continuar aumentando (veja gráfico).

Nas décadas de 1960 e 1970, período marcado pelo regime militar, a participação do setor privado cresceu de 40% até pouco mais do que 60% das matrículas. Após uma década sem aumento dessa participação, a privatização voltou a crescer após 1990, período marcado pela expansão do neoliberalismo, continuando a aumentar ao longo da década seguinte.

O que aconteceu na década de 1980, quando a taxa de privatização permaneceu praticamente estável, ao contrário de ter sido um sinal de que o setor público passou a ter uma postura mais positiva, ilustra um dos muitos problemas que a privatização apresenta. A década de 1980 foi marcada por uma profunda recessão econômica e, consequentemente, redução de renda e aumento do desemprego. Como consequência, aquela crise econômica afetou fortemente as possibilidades que as pessoas tinham de arcar com as mensalidades escolares, afastando os estudantes, como, obviamente, seria esperado. Esse fato ilustra bem um dos graves problemas da privatização da educação: a educação, quando privatizada, ao invés de ser um instrumento que possa ajudar a suportar uma crise econômica (fixando os jovens por mais tempo no setor educacional e reduzindo, assim, a pressão sobre os empregos) e a criar as condições necessárias para superá-la (preparando a força de trabalho do país), passa a ser um fator a intensificação da própria crise.

Subsídios

Se “conseguimos” atingir a taxa de privatização de 75%, é porque, ao longo do tempo, todos os níveis governamentais contribuíram para isso, por meio de incentivos financeiros diretos e indiretos, por meio de legislações e por deixarem espaço livre para a atuação do setor privado.

No campo financeiro, tanto a União como os estados e municípios têm contribuído, ao longo dos últimos 50 anos, cada um de sua forma, para o aumento da privatização. Essas subvenções ocorrem na forma de isenções de taxas, contribuições e impostos (nacionais, estaduais e municipais), abatimento de despesas com educação privada no imposto de renda de pessoa física, repasses diretos de recursos públicos para entidades privadas, pagamento das mensalidades dos alunos ou financiamento delas pelo setor público, convênios com ONGs ligadas a instituições privadas, entre diversas outras.

Como já estamos acostumados com todas essas práticas, o que faz com que muitas pessoas as achem positivas, vale a pena esmiuçar uma delas, talvez até a mais aceita como sendo adequada, justa e necessária: o abatimento no imposto de renda de pessoas físicas das despesas educacionais. Esse abatimento, que encontra enorme apoio nas classes mais privilegiadas e mesmo reclamações por considerarem-na pequena, é, na prática, uma distorção do que se esperaria de um sistema tributário ou de um subsídio a uma atividade essencial.

Como o abatimento das despesas educacionais ocorre antes do cálculo do imposto devido, quanto maior for a renda de uma pessoa, maior será o abatimento do imposto. Vejamos. No caso de pessoas com altas rendas, os governos subsidiam em 27,5% das despesas com educação privada passíveis de serem abatidas. Já no caso de uma pessoa com renda modesta, eventuais despesas educacionais podem ser subsidiadas em proporções bem menores do que aqueles 27,5 % ou mesmo não terem subsídio algum.

Uma espécie de Robin Hood às avessas. Embora possa parecer que é o contribuinte que está sendo beneficiado, quem de fato recebe aquela subvenção é a instituição de ensino. Por exemplo, alguém de alta renda que tenha pago R$ 1.000 para uma instituição de ensino, receberá do governo, na forma de abatimento de imposto, R$ 275,00; ou seja, gastou, de fato, R$ 725,00, enquanto a instituição recebeu, também de fato, os R$ 1000 pagos. Alguém de baixa renda que tenha gasto os mesmos R$ 1.000 não terá redução alguma do imposto devido.

Em última instância, o abatimento no imposto de renda é um subsídio indireto às instituições privadas de educação. Embora este seja apenas um exemplo, mostra como as políticas de transferência de recursos ao setor privado podem ser distorcidas. Uma redução dos impostos por causa de despesas educacionais só seria justificável (embora inadequado) se a redução fosse inversamente proporcional à renda, subsidiando mais quem ganha menos, não da forma que é hoje. Evidentemente, não há nenhuma dificuldade técnica para se fazer isso: se subsidiamos mais quem menos precisa e menos quem mais precisa, é porque é para ser assim mesmo.

Legislação

Além das ações financeiras e econômicas em favor da privatização da educação, há muitas ações no campo legal que vão no mesmo sentido. Novamente, ao invés de detalhar as muitas formas com que isso ocorre, vamos ilustrar algumas delas. Uma universidade é um tipo de instituição cujas atribuições incluem, segundo a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), desenvolver a pesquisa científica e tecnológica, conferir diplomas com validade nacional, criar e extinguir cursos e definir seus currículos, desenvolver atividades de extensão universitária, entre outras. Para isso, seria esperado que tal tipo de instituição tivesse, em seu quadro, pessoas altamente qualificadas para aquelas atividades, o que no mundo acadêmico significa doutores.

Entretanto, ainda que possa parecer absurdo, a LDB não exige doutores no corpo docente de uma universidade: a sutil redação daquela lei exige que pelo menos um terço do seu corpo docente tenha “titulação acadêmica de mestrado ou doutorado”. A partícula “ou” revela a real intenção do legislador: uma universidade, no Brasil, não precisa de doutores! Essa redação é desrespeitosa e mesmo um escárnio, na medida em que a palavra doutorado está apenas enfeitando o texto, sem nenhuma consequência prática; se a frase acabasse em “mestrado”, estaria dizendo exatamente a mesma coisa.

Além disso, exigir uma terça parte dos docentes com determinada titulação não significa que eles venham a exercer a terça parte das atividades desenvolvidas pelas instituições, pois pode se atribuir a essa terça parte uma carga horária pequena, com apenas algumas poucas horas semanais de trabalho.

E tem mais: para desenvolver aquelas atividades, os docentes universitários deveriam contar com as necessárias condições de trabalho, o que significaria, na prática acadêmica, contratos em tempo integral e, preferencialmente, com dedicação exclusiva à instituição. Mas a mesma LDB exige que uma universidade tenha pelo menos “um terço do corpo docente em regime de tempo integral”. Ora, se a essa terça parte do corpo docente for atribuída uma carga didática alta e/ou muitas tarefas administrativas, a lei estará sendo cumprida, sem, de fato, garantir as condições necessárias para a pesquisa e as atividades de extensão universitária previstas pela LDB.

Evidentemente, essa legislação, que não está respondendo a nenhuma necessidade real das instituições universitárias públicas, favorece, e muito, as instituições privadas.

A ausência do setor público abre espaço ao setor privado

Uma terceira forma de favorecimento do setor privado ocorre por meio da restrição de vagas oferecidas pelo setor público, o que abre o necessário espaço para o crescimento das instituições privadas. Uma evidência dessa prática é que a falta de vagas públicas nada tem a ver com as dificuldades financeiras do setor público, diferentemente do que é dito com frequência. Tanto é assim que a privatização é maior exatamente nos estados com maiores possibilidades econômicas e orçamentárias e que maiores contribuições dão ao governo federal.

São Paulo é o caso exemplar: exatamente nesse estado em que a ausência do setor público é mais marcante, como mostra a tabela. A porcentagem de matrículas em instituições privadas em São Paulo, 87%, é bem maior do que nos demais estados (69%). Mesmo quando comparada com a população total ou com o número de concluintes do ensino médio, a privatização paulista é maior do que nos outros estados por um fator dois, como mostram os dados da tabela.

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Essa maior privatização em São Paulo é totalmente compatível com a hipótese de que a ausência do setor público é estratégica, não fruto de uma impossibilidade econômica ou financeira.

Conseqüências

As políticas de privatização, quando associadas com a distribuição dos cursos oferecidos pelas instituições privadas pelas diferentes áreas do conhecimento, fazem com que alguns indicadores da educação superior no Brasil estejam em completo desacordo com o que se observa em outros países com possibilidades econômicas equivalentes ou mais modestas que as nossas. Essa característica nos coloca em uma situação bastante frágil.

Evidentemente, não se está defendendo que haja uma competição entre os países, coisa que, ao contrário, devemos combater. Entretanto, uma força de trabalho mal preparada, distribuída de forma inadequada pelas diferentes áreas profissionais, e quantitativamente insuficiente, fragiliza o país nos embates internacionais e compromete nossa soberania. Consequentemente, não conseguimos sequer criar um ambiente que permita lutar por uma relação mais saudável entre as nações e que priorize as cooperações em lugar das competições.

Leia também os outros cinco artigos da série:


Otaviano Helene, professor no Instituto de Física da USP, foi presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).



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28/03/2012

USP está em falta com a democracia

Maior universidade do país e reconhecida por sua excelência, USP vem ganhando fama em outro quesito: o cerceamento da liberdade política 

Aline Scarso
da Reportagem   

Excelência internacionalmente reconhecida, professores de alto gabarito, uma das 70 melhores instituições de ensino superior do mundo segundo o ranking do instituto britânico Times Higher Education (THE). Essas são características bastante conhecidas da Universidade de São Paulo (USP), que enchem de orgulho o seu reitor, o professor de Direito João Grandino Rodas.  
A maior universidade do país, entretanto, vem ganhando fama também em outro quesito: o cerceamento da liberdade de expressão e o aumento do número de processos e expulsões de uspianos que participam de manifestações e ocupações de prédios motivadas por reivindicações políticas.   
No dia 09 de março, a Reitoria resolveu se pronunciar publicamente no jornal institucional USP Destaques sobre as manifestações que estão ocorrendo no campus. Em nota, disse que os “protestos extraordinários são cabíveis em um Estado democrático de direito, como o Brasil, por meio de demonstrações etc., mas nunca com a utilização de atos que sejam considerados como crime pelo direito penal, como vem acontecendo há décadas na USP”, em clara referência às últimas ocupações e à movimentação estudantil iniciada no ano passado.   
Realmente o cenário não é o dos mais favoráveis aos movimentos sociais, organizações, partidos e indivíduos de esquerda dentro do campus. Desde que Rodas foi nomeado pelo então governador José Serra (PSDB) para a gestão, em dezembro de 2010, seis estudantes foram expulsos, 88 foram presos e 98 processados. Um fato inédito na história da USP.   
Além disso, todos os sindicalistas do Sintusp (Sindicato dos Trabalhadores da USP) estão sendo processados e a diretoria da Adusp (Associação de Docentes da USP) corre o risco de sofrer processos da reitoria, caso a entidade não se retrate sobre críticas feitas em relação ao mau uso do dinheiro público pela universidade.    
“De todas as últimas reitorias, a atual é a mais fechada ao diálogo, a que mais tem adotado medidas unilaterais repressivas, com uso desproporcional e emblemático de força policial que é para dar uma mensagem não apenas ao movimento estudantil e sindical da USP, mas é uma mensagem global do governo do estado de São Paulo, e do PSDB que o dirige, contra os movimentos sociais. Não é coincidência que esse uso sistemático da força da PM e toda uma operação ideológica para justificá-la coincide com a repressão de Pinheirinho”, analisa o professor de História da instituição, Henrique Carneiro.     
No último dia 19, centenas de alunos, apoiados por professores, realizaram um ato em frente à reitoria. Em falas, eles ressaltaram que a maior universidade do país está vivendo um período de militarização e judicialização das manifestações políticas. Perseguições que “inexistem” segundo a reitoria.  
“Só se a USP for outro Estado”
Um dos pontos reivindicados pelo movimento estudantil é que o reitor finalize o convênio feito com a Polícia Militar do estado em setembro do ano passado. Apesar de assembleias massivas, com a participação de mais de cinco mil estudantes, a reitoria mantém a mesma posição.
Na rede social Facebook, é comum o relato de estudantes que sofreram ou presenciaram constrangimentos causados pela Polícia Militar em abordagens.    
Em 28 de fevereiro, quatro calouros foram detidos e levados à 14º DP no bairro de Pinheiros, em São Paulo, por terem sido pegos com 0,4g de maconha, algo próximo ao peso de um confete. O caso mais grave, entretanto, aconteceu no dia 6 de janeiro quando o estudante de Ciências da Natureza, Nicolas Menezes Barreto, teve uma arma apontada para a sua cabeça por um policial, durante uma ação da Corporação no prédio do Diretório Central dos Estudantes (DCE).   
Em nota no USP Destaques, a Reitoria diz que a Constituição Federal autoriza a Corporação a exercer o poder de polícia em todo o território nacional e que para mudar isso só haveria dois caminhos: ou emendar a Constituição ou proclamar a USP como um novo Estado soberano, reconhecido pela comunidade internacional.    
“Sendo um espaço público é impossível evitar a presença da polícia militar e ninguém questiona isso. O que se questiona é o convênio que foi feito, sobretudo de estabelecerem um banco de dados de troca de informações recíprocas entre a Polícia e a reitoria a partir das ocorrências verificadas. Isso acabou gerando um estágio de medo em relação à presença ostensiva da polícia e permite a lógica da espionagem, como já foi divulgado”, contra-argumenta o juiz e professor de Direito da USP, Jorge Luiz Souto Maior.      
Para o juiz, a universidade chegou em um nível muito grave de falência democrática. “A coisa vem numa crescente tão grande que até dá para imaginar que possa piorar. Isso é claramente verificável, começou pequeno e hoje está bem maior a ponto da reitoria ameaçar todo mundo, no [jornal] USP Destaques, dizendo que pode haver processos a partir do que for dito contra ela”, pontua, destacando que as pessoas – como não têm noção do que seja uma imputação caluniosa – deixam de falar e escrever manifestos, textos, planfletos e participar de manifestações. “Realmente calúnia é crime, mas essa ameaça é usada politicamente no sentido de gerar medo e calar as pessoas. E é uma forma repressiva clássica. O debate posto sob uma perspectiva de espada política é um debate que se evita”.    
Democratização da USP
Recentemente uma polêmica envolvendo a universidade ganhou destaque na imprensa nacional por sua peculiaridade. Na ocasião, uspianos perseguidos pelo regime militar e parentes de ativistas assassinados se recusaram a receber uma homenagem da instituição, que prevê a construção de um monumento às vítimas da ditadura na Praça do Relógio, na campus Butantã em São Paulo (SP).    
Em documento intitulado Manifesto pela Democratização da USP e assinado com 231 nomes, eles afirmavam que a recusa se dava porque a reitoria “reatualiza o caráter autoritário e antidemocrático das estruturas de poder da USP”. Além disso, a placa que indicava a construção utilizava a expressão “Homenagem às vítimas da Revolução de 1964”.   
Segundo a reitoria e o Núcleo de Estudos da Violência da USP, que coordena o projeto, a palavra “Revolução” em referência ao golpe militar foi um erro causado pela empresa Scopus Construtora e Incorporadora, que venceu a licitação da obra. O manifesto dos ativistas, entretanto, não foi bem recebido pela reitoria que disse que os assinantes se autointitulam perseguidos e parentes dos assassinados pelo regime.   
A situação gerou manifestações e críticas na rede social Facebook. Textos chamavam atenção que o reitor João Grandino Rodas votou de forma favorável aos militares quando fez parte da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), organizada pela Secretaria de Direitos Humanos. Em 10 casos, Rodas votou contra a culpabilidade do Estado, tendo posição igual ao general do exército Oswaldo Pereira Gomes em diversas vezes.  

Leia mais: 

Manifesto pela Democratização
O manifesto pela democratização da USP, assinado por 231 docentes, surgiu no ano passado para criticar o uso da expressão “Revolução de 1964” na placa da obra de um monumento localizado na Praça do Relógio, na Cidade Universitária, e também para exigir o fim das perseguições políticas pela reitoria e pelo Governo de São Paulo a estudantes, professores e movimentos sociais. 
Rodas e a ditadura
A relação entre o reitor da USP, João Grandino Rodas, e a ditadura militar é “indireta”. Com o processo da redemocratização, a lei da anistia foi instaurada e previa que o Estado pagasse indenizações às famílias que foram atingidas pelo regime, ou para as próprias vítimas que tiveram parte de suas vidas interrompidas. Rodas era um dos promotores públicos que julgava os casos de anistia e votou contra a culpabilidade do Estado em 10 casos. 
Eleição para reitor
Na USP, uma pequena parte da comunidade acadêmica pode votar para reitor. Em 2009, Rodas foi o segundo candidato mais votado, mas mesmo assim foi escolhido pelo governador José Serra como governante da Universidade. 
Estrutura de poder
O regimento disciplinar interno da USP elaborado em 1972, no auge da ditadura militar, vigora até hoje. No regimento consta, dentre outras coisas, a proibição a atividades políticas dentro da universidade.



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Venha se manifestar contra a privataria da Cultura!




Ato acontece no dia 3 de abril, terça-feira, no Sindicato dos Engenheiros de SP

As rádios e a TV Cultura de São Paulo se consolidaram historicamente como uma alternativa aos meios de comunicação privados. As rádios AM e FM ficaram conhecidas pela excelente programação de música popular brasileira e de música clássica. A televisão criou alguns dos principais programas de debates de temas nacionais, como o Roda Viva e o Opinião Nacional, e constituiu núcleos de referência na produção de programas infantis e na de musicais, como o Ensaio e o Viola, Minha Viola. As emissoras tornaram-se, apesar dos percalços, um patrimônio da população paulista.
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Contudo, nos últimos anos, a TV e as rádios Cultura estão passando por um processo de desmonte e privatização, com a degradação de seu caráter público. Esse e outros fatos se destacam:
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mais de mil demissões, entre contratados e prestadores de serviço (PJs);
extinção de programas (Zoom, Grandes Momentos do Esporte, Vitrine, Cultura Retrô, Login) e tentativa de extinção do Manos e Minas;
demissão da equipe do Entrelinhas e extinção do programa, sem garantias de que ele seja quadro fixo do Metrópolis;
aniquilação das equipes da Rádio Cultura e estrangulamento da equipe de jornalismo;
enfraquecimento da produção própria de conteúdo, inclusive dos infantis;
entrega, sem critérios públicos, de horários na programação para meios de comunicação privados, como a Folha de S.Paulo;
cancelamento de contratos de prestação de serviços (TV Justiça, Assembleia e outros);
doação da pinacoteca e biblioteca;
sucateamento da cenografia, da marcenaria, de maquinaria e efeitos, além do setor de transportes.
Pela sua composição e formato de indicação, o Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta não tem a independência necessária para defender a Cultura das ações predatórias vindas de sua própria presidência. Mesmo que tivesse, sobre alguns desses pontos o Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta sequer foi consultado.
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Não podemos deixar esse patrimônio do povo de São Paulo ser dilapidado, vítima de sucateamento promovido por sucessivas gestões sem compromisso com o interesse público, seriamente agravado na gestão Sayad.
Nesse momento, é preciso afirmar seu caráter público e lutar pelos seguintes pontos:
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Contra o desmonte geral da rádio e TV Cultura e pela retomada dos programas.
Em defesa do pluralismo e da diversidade na programação.
Por uma política transparente e democrática para abertura à programação independente, com realização de pitchings e editais. 
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Pela democratização do Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta 
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ATO CONTRA A PRIVATARIA DA CULTURA
3 de abril, terça-feira, às 19h
Sindicato dos Engenheiros de São Paulo
Rua Genebra, 25 – Centro (ao lado da Câmara Municipal)
Gilberto Maringoni
Hamilton Octavio de Souza
Ivana Jinkings
Joaquim Palhares – Agência Carta Maior
Laurindo Lalo Leal Filho
Luiz Carlos Azenha – blog Vi o Mundo
Luiz Gonzaga Belluzzo
Renato Rovai – Revista Fórum e Presidente da Altercom
Rodrigo Vianna – blog Escrevinhador
Wagner Nabuco – Revista Caros Amigos
Emir Sader
Flávio Aguiar
Altercom – Associação Brasileira de Empresas e Empreendedores da Comunicação
Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé
CUT – Central Única dos Trabalhadores
Frente Paulista pela Liberdade de Expressão e o Direito à Comunicação
Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social


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O discurso final do filme "O Grande Ditador"

"Todos nós desejamos ajudar uns aos outros. Os seres humanos são assim. Desejamos viver para a felicidade do próximo - não para o seu infortúnio. Por que havemos de odiar e desprezar uns aos outros? Neste mundo há espaço para todos. A terra, que é boa e rica, pode prover a todas as nossas necessidades. 
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     O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça envenenou a alma dos homens, levantou no mundo as muralhas do ódio e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido. .

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     A aviação e o rádio nos aproximou. A própria natureza dessas coisas é um apelo eloqüente à bondade do homem, um apelo à fraternidade universal, a união de todos nós. Neste mesmo instante a minha voz chega a milhares de pessoas pelo mundo afora. Milhões de desesperados: homens, mulheres, criancinhas, vítimas de um sistema que tortura seres humanos e encarcera inocentes. Aos que podem me ouvir eu digo: não desespereis! A desgraça que tem caído sobre nós não é mais do que o produto da cobiça em agonia, da amargura de homens que temem o avanço do progresso humano. Os homens que odeiam desaparecerão, os ditadores sucumbem e o poder que do povo arrebataram há de retornar ao povo. E assim, enquanto morrem homens, a liberdade nunca perecerá.

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     Soldados! Não vos entregueis a esses brutais, que vos desprezam, que vos escravizam, que arregimentam vossas vidas, que ditam os vossos atos, as vossas idéias e os vossos sentimentos. Que vos fazem marchar no mesmo passo, que vos submetem a uma alimentação regrada, que vos tratam como gado humano e que vos utilizam como bucha de canhão. Não sois máquina. Homens é que sois. E com o amor da humanidade em vossas almas. Não odieis. Só odeiam os que não se fazem amar, os que não se fazem amar e os inumanos. 

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     Soldados! Não batalheis pela escravidão. Lutai pela liberdade. No décimo sétimo capítulo de São Lucas está escrito que o reino de Deus está dentro do homem - não de um só homem ou grupo de homens, mas de todos os homens. Está em vós. Vós, o povo, tendes o poder - o poder de criar máquinas; o poder de criar felicidade. Vós o povo tendes o poder de tornar esta vida livre e bela, de fazê-la uma aventura maravilhosa. Portanto - em nome da democracia - usemos desse poder, unamo-nos todos nós. Lutemos por um mundo novo, um mundo bom que a todos assegure o ensejo de trabalho, que dê futuro à mocidade e segurança à velhice. 

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     É pela promessa de tais coisas que desalmados têm subido ao poder. Mas, só mistificam. Não cumprem o que prometem. Jamais o cumprirão. Os ditadores liberam-se, porém escravizam o povo. Lutemos agora para libertar o mundo, abater as fronteiras nacionais, dar fim à ganância, ao ódio e a prepotência. Lutemos por um mundo de razão, um mundo em que a ciência e o progresso conduzam à ventura de todos nós. Soldados, em nome da democracia, unamo-nos. 

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     Hannah, estás me ouvindo? Onde te encontrares, levanta os olhos. Vês, Hannah? O sol vai rompendo as nuvens que se dispersam. Estamos saindo da treva para a luz. Vamos entrando num mundo novo - um mundo melhor, em que os homens estarão acima da cobiça, do ódio e da brutalidade. Ergue os olhos, Hannah. A alma do homem ganhou asas e afinal começa a voar. Voa para o arco-íris, para a luz da esperança. Ergue os olhos, Hannah. Ergue os olhos."


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27/03/2012

ANTON SEMIONOVITCH MAKARENKO - O PROFESSOR DO COLETIVO

TRABALHO COLETIVO NA ESCOLA PÚBLICA: CONTRIBUIÇÕES PEDAGÓGICAS DE ANTON SEMIONOVITCH MAKARENKO 
Maria José Ferreira RUIZ1  


RESUMO: o texto objetiva apresentar algumas concepções pedagógicas de Anton Semionovitch Makarenko. A partir delas, propõe um repensar sobre a escola atual. Tem como foco o trabalho coletivo e cooperativo. Utiliza-se como aporte teórico, dentre outros, o livro de Luedemann, “Anton Makarenko: Vida e obra: A pedagogia da revolução”. Parte de uma perspectiva materialista histórica, na qual se tem o entendimento que ao analisar as concepções teóricas de um autor, estas devam ser situadas no lócus histórico e concreto no qual foram produzidas. Para tanto, é mister levar em conta a conjuntura temporal e as especifidades históricas e materiais da época. O texto trata de algumas questões aventadas por Makarenko, a saber: individualismo, disciplina, representatividade, assembléias, normatização, cortesia e perspectiva. Ao apresentar e discutir estas questões aponta possíveis desdobramentos e subsídios à construção de propostas coletivas diferenciadas daquelas que temos hoje, pautadas em instâncias colegiadas representativas que, de forma geral, enfatizam mais os princípios administrativos e burocráticos do que os princípios pedagógicos e educativos. 


INTRODUÇÃO 

O trabalho coletivo não parece ser uma realidade na maioria das instituições escolares. Esta afirmação procede da análise de diferentes pesquisas e textos produzidos sobre este assunto (BARROS, 1995, LELES, 2007, CONTI, 2007). Sabe-se que a possibilidade de se desenvolver a coletividade é um tanto quanto limitada em sociedades divididas em classes sociais antagônicas, nas quais os valores mercadológicos, neoliberais são imperativos. A escola é tida como uma instituição burocrática, hierárquica que tende a professar e reiterar a lógica do capital neoliberal em seu interior. Nesta lógica, os valores imperiosos são a competitividade, a meritocracia e o individualismo, valores estes que ofuscam a possibilidade de se vislumbrar qualquer alternativa significativamente diferenciada em relação à forma de organização do trabalho pedagógico nesta instituição.
As assertivas acima são coesas, mas parecem expressar a idéia de imutabilidade histórica. De acordo com Boron (2004, p. 57) “nada na história autoriza a pensar que o neoliberalismo como fórmula econômica-política de governo alcançou uma hegemonia total e definitiva”. Este autor ainda prossegue enfatizando que muitos segmentos sociais têm partido do pressuposto que “o mundo será, daqui por diante, neoliberal até o fim dos tempos” (2004, p. 57). Therborn (2004, p. 89), neste mesmo sentido, enfoca que “nesta virada de século, devemos considerar o neoliberalismo apenas como uma pequena onda na imensidão do oceano histórico”. 
Partindo de princípios gramscianos, Boron (2004) entende que o problema atual é que, apesar de o neoliberalismo mostrar alguns sintomas de esgotamento, ainda não é possível vislumbrar um outro modelo substitutivo a esta forma de organização política, econômica e social. Momentos assim, nos quais o velho ainda agoniza e o novo ainda não tem condição de se mostrar hegemônico são momentos de crise.
                        Que a crise está posta, poucas pessoas desacreditam, basta observar as atrocidades, as aberrações, a consternação, que acometem o momento hodierno. Boron (2004) cita como exemplos desses flagelos a limpeza étnica, a corrupção, a disseminação de armas e materiais bélicos, dentre outros. Cury (2005, p.19), ao fazer a crítica ao colonialismo do capital nos últimos séculos, ainda acrescenta outros: “a escravatura, repressões impiedosas, torturas, expropriação [...] desmatamento, e desertificação, desastres ecológicos, fome, êxodo das populações rumo às megalópoles, onde as esperam o desemprego e a miséria”. Todos estes fatores levam ao entendimento que o sistema atual está se fragilizando, ao criar dentro de si tamanhas atrocidades.

Para Mészáros (2006, p. 76) o capital passa por uma época de“crise estrutural global”. É uma época histórica que pode indicar que estamos em transição de “uma ordem social existente, para outra qualitativamente diferente”. Estão postos os desafios para se romper com a lógica do capital e tentar vislumbrar uma educação que vá além deste sistema. Mészáros (2006, p. 76) ainda afirma que “a transformação social emancipadora radical requerida é inconcebível sem uma concreta e ativa contribuição da educação no seu sentido amplo”.
 
São nestes momentos que as forças progressistas necessitam avançar em busca de outro sistema, menos perverso e mais justo, pois “só a exposição das cicatrizes e da miséria produzidas pelo capitalismo não bastará para achar uma saída ‘pela esquerda’ para a crise atual” (BORON, 2004, p. 60). A célebre frase: “quanto mais negra é a noite, mais brilham as estrelas”, de Rosa de Luxemburgo parafraseada por Boron (2004, p. 60), traz ânimo para se repensar a educação e vislumbrar a possibilidade de se construir uma escola melhor para os filhos das classes trabalhadoras, que muitas vezes têm esta instituição como o único lócus de apropriação do conhecimento científico sistematizado. Trata-se de entender a escola como um ambiente conflituoso, permeado constantemente por contradições no qual ocorrem, diuturnamente, “lutas pedagógicas” que podem vir a somar-se com a luta sócio-política, em prol da transformação social.
 Tendo isto em vista, o objetivo que move este texto é apresentar algumas concepções pedagógicas de Anton Semionovitch Makarenko (1888-1939), para a partir delas repensar a escola atual. O foco do texto é o trabalho coletivo e cooperativo. Entende-se por trabalho coletivo e cooperativo na escola, aquele concretizado por um grupo de pessoas diversas (comunidade, alunos, professores, coordenadores, diretores) com um objetivo em comum. O trabalho só é coletivo quando, além de possibilitar a participação da coletividade na elaboração e na formulação de propostas, assim como na sua execução, propicia tambéma possibilidade de participação na tomada de decisão. É uma forma de trabalho que busca a democratização das relações no interior da escola, numa perspectiva contra-hegemônica de luta que não se submete aos ditames do capital neoliberal.
Utiliza-se como aporte teórico, para compreender as implicações pedagógicas de Makarenko, o livro da educadora e jornalista Cecília Luedemann, “Anton Makarenko: Vida e obra: A pedagogia da revolução”. No espaço e no limite deste trabalho, não se tem a intenção de apresentar em minúcias a experiência educativa deste pedagogo russo e nem seus dados biográficos. Tampouco se quer transformar uma experiência tão rica e polêmica em receita ou manual para professores. Como já dito, a intenção apenas é contribuir modestamente para se repensar a educação hodierna à luz de um pensamento tão brilhante.
Numa perspectiva materialista histórica, parte-se do entendimento de que ao analisar o pressuposto teórico de um autor este deve ser situado no lócus histórico e concreto no qual foi produzido, sem perder de vista a conjuntura temporal e as especificidades históricas e materiais nas quais os mesmos se constituíram. Sendo assim, mesmo considerando que Makarenko pode servir de referência para se pensar a coletividade na escola contemporânea, não deve se perder de vista que produz em um tempo e um lugar específico. Escreve pós-revolução soviética e pensa em uma educação para um novo homem, que participaria da construção da sociedade socialista. Porém, este fato não inviabiliza que suas idéias sirvam de referência aos profissionais da educação na atualidade. Neste texto, considera-se que, embora Makarenko viva em época e em contexto completamente díspares do momento atual, é possível apreciar suas idéias e refletir sobre elas, tendo em vista o momento de crise hodierno, também percebido na escola. Crise esta que tem levado para o interior da escola problemas que não são originários nela (fome, miséria, desemprego, prostituição, tráfico, dentre outros), mas que estão em seu interior. Pensa-se então que este referencial pode contribuir para vislumbrar uma ressignificação na organização escolar.
Neste texto, para limitar a discussão, apenas alguns temas aventados por Makarenko são apresentados, a saber: individualismo, disciplina, representatividade, assembléias, normatização, cortesia e perspectiva. Ao apresentar e discutir cada um destes temas aponta-se possíveis desdobramentos e subsídios à construção de propostas coletivas diferenciadas daquelas que temos hoje, pautadas em instâncias colegiadas representativas. Estas instâncias, de forma geral, enfatizam mais os princípios administrativos e burocráticos do que os princípios pedagógicos educativos. Em grande parte das vezes, ainda servem para reforçar a lógica do capital neoliberal, contribuindo para a desresponsabilização do Estado sobre as questões da escola, delegando a esta instituição a responsabilidade de angariar recursos financeiros, para tanto, unindo-se à sociedade civil. 

SITUANDO MAKARENKO NA HISTÓRIA 

As transformações econômicas, sociais e políticas vividas pela Rússia nas primeiras décadas do século XX, sugerem mudanças também na área educacional. De acordo com Cambi (1999, p. 558), neste momento histórico Lenin ocupa o governo do país e busca estabelecer uma estratégia revolucionária, dando ênfase às novas características que deveriam compor a educação comunista. Defende assim uma relação muito próxima entre escola e política. Tenta estabelecer na Rússia a educação politécnica, que una instrução e trabalho produtivo, partindo de pressupostos marxianos.

Cambi (1999) ainda cita que Lenin procura desenvolver uma pedagogia socialista no país, que dê ênfase às questões organizacionais da escola para corroborar com o emergir de uma sociedade comunista. Para tanto, investe em construções de escolas, em contratação de professores, e outras reformas que se fazem necessárias para a efetivação desta nova forma de educação, para uma nova forma de organização social. Nesta época, a Rússia passa por uma fase de grande entusiasmo. O ideário de alguns pedagogos revolucionários ganha expressão, tendo destaque, Makarenko. 

ANTON SEMIONOVITCH MAKARENKO: O PEDAGOGO DA REVOLUÇÃO 

A coletividade é um complexo de indivíduos que tem um obje­tivo determinado, estão organizados e possuem organismos coletivos. São conscientes, devem discutir esses projetos e se responsabilizar por ele, passo a passo (MAKARENKO apud LUEDEMANN, 2002, p. 151). 

Com a epígrafe acima, citada por Luedemann inicia-se a exposição das idéias de Makarenko. Este pedagogo ucraniano foi um educador que teve idéias radicais em relação a desenvolver o espírito de grupo e o trabalho coletivo. Foi incumbido, por um funcionário do Estado Soviético, bolchevique, a elaborar uma proposta pedagógica que fosse capaz de auxiliar na educação de crianças e jovens vitimados pela revolução soviética, muitos deles órfãos e abandonados à própria sorte. Entretanto, não se tratava simplesmente de elaborar uma proposta pedagógica, esta necessitava ter em vista a educação de um homem novo, com uma mentalidade diferente daquela anterior à revolução.
Anton logo percebeu que se tratava de elaborar uma teoria pedagógica antes nunca pensada, que superasse a “educação liberal burguesa” muito pautada na psicologia e na educação da personalidade individual. Para tanto, centra sua atenção na educação da coletividade se desapegando das “fórmulas livrescas” para pensar em como “construir a coletividade educacional a partir das necessidades concretas da vida coletiva, para daí extrair uma metodologia educacional (LUEDEMANN, 2002, p. 123).
Makarenko inicia o trabalho pedagógico na colônia de Gorki em 1920. A princípio, passou por toda espécie de privações e falta de recursos para o empreendimento de suas idéias. Faltava espaço físico, faltava professores, a alimentação era insuficiente, dentre outros fatores. 

Ao invés de desanimar, estes problemas contribuíam para que ele percebesse que necessitava iniciar uma “luta contra o individualismo”, mostrando para os educandos que tudo o que havia para partilhar, apesar de pouco, era de todos. Assim o combate ao individualismo fazia parte de um processo de desenvolvimento de atividades práticas em que os educandos percebessem o nosso no lugar do meu. Combater a individualidade era um princípio pedagógico muito caro a Makarenko, que se colocava totalmente contrário a teorias pedagógicas que tinham no centro das atenções a criança e seu desenvolvimento biológico e psicológico. Para ele a “pedagogia socialista” deveria focar a atenção na educação do coletivo, partindo daí acreditava que assim estaria “educando o novo caráter coletivista de cada criança em particular”. Entretanto, diante da escassez de alimentos e vestuários, muitos hábitos individualistas ainda persistiam, mas a coletividade era chamada a ficar de prontidão para combatê-los (LUEDEMANN, 2002, p.128-129).
Na colônia de Gorki, Makarenko recebe cada vez mais alunos. O elemento trabalho torna-se também relevante em sua obra, a partir do momento que os colonos precisam produzir os alimentos e fazer a segurança da região em torno da colônia. Muitos problemas acometiam a comunidade como a violência, bebida, jogo a dinheiro, uso de armas. Estes problemas ao invés de se tornarem obstáculos eram levados para a discussão coletiva nas assembléias gerais, discutidos e resolvidos coletivamente, tendo como subsídio as normas disciplinares e o tribunal popular, criados pelos próprios colonos. Após a resolução dos conflitos, que eram resolvidos no dia-a-dia ou tratados nas assembléias, a norma era avançar a vida sem ficar remoendo ou retornando ao acontecido. O método de Makarenko consistia em “fazer avançar a vida nova, interceder a cada conflito, mas não se deixar envolver por ele, não voltar ao passado, olhar sempre para frente, com otimismo”. Os conflitos serviam para a educação geral da coletividade (LUEDEMANN, 2002,
p. 137-138).
 A assembléia geral era um órgão fundamental na proposta pedagógica de Makarenko. Esta assembléia reunia-se semanalmente e era aberta à participação de todo o coletivo, tendo toda e qualquer pessoa direito a isegoria. Eram muito dinâmicas e não se estendiam morosamente além do tempo necessário, para não atrapalhar as demais atividades de estudos. Isto contribuía para ensinar, os que tomavam posse da palavra, a serem concisos e objetivos, utilizando-se apenas do tempo exato de que necessitasse para expressar suas idéias e opiniões. Entretanto, não era permitido em nenhuma hipótese que os debates fossem interrompidos ou que a lista de oradores fosse limitada, pois o objetivo era atrair uma quantidade cada vez mais ascendente de educandos para este momento de aprendizagem da vida coletiva. Para tanto, impunha-se uma disciplina bastante rigorosa aos debates coletivos. Só era permitida a fala de um integrante por vez, não eram tolerados barulhos, muito menos caminhar pela sala ou sair do local da reunião. (LUEDEMANN, 2002, p. 193-294).
 A intencionalidade era que um grande número de colonos pudesse passar pela experiência de presidir a assembléia. Desta forma, os representantes eram eleitos, tendo em vista que todos pudessem assumir este posto. Medida que era estimulada para assim “incutir em todos os educandos determinados hábitos sociais e atraí-los para uma vida social ativa” (DAL RI; VIEITEZ, 2008, p. 229).
Em relação às assembléias, Dal Ri e Vieitez (2008) ainda acrescentam que Makarenko era bastante meticuloso no sentido de buscar que estes espaços de autogestão da coletividade acontecessem a contento, já que eram fundamentais para a convivência da comunidade. Destacam alguns dispositivos que deveriam ser observados pela coletividade, sendo estes:
a) não interferência da administração da instituição nas questões que são de competência dos órgãos, mesmo que a decisão da direção possa parecer mais correta;
b) cada decisão dos órgãos deve ser cumprida obrigatória e
rapidamente;
c) se a administração considerar errônea uma decisão do órgão,
deve recorrer à assembléia e não anulá-la;
d) o método fundamental para o trabalho da administração deve ser a influência exercida nos próprios órgãos de autogestão e não a provocação de conflitos com os órgãos (DAL RI; VIEITEZ, 2008, p. 229).
Estes dispositivos eram muitos caros a Makarenko e deviam ser observados atenciosamente em cada assembléia.
 Outro fator relevante a ser considerado é a normatização da vida escolar. Na colônia eram os jovens e as crianças que discutiam e estabeleciam as normas disciplinares é claro que depois de já terem compreendido o valor da vida em coletividade. Antes disto não se abria mão de uma direção centralizada e severa, para iniciar o educando no trabalho coletivo. Makarenko, fazendo crítica ao espontaneismo em educação, entendia que não era possível ficar esperando pelo interesse da criança pela coletividade.
Um outro aspecto que chama a atenção na obra de Makarenko e pode contribuir para pensar a escola de hoje é o investimento que se fazia na educação da “unidade do coletivo”. Buscava-se uma união bastante estreita entre os alunos. Estes podiam criticar-se entre si nas assembléias gerais, podiam pressionar uns aos outros nos trabalhos do dia-a-dia, mas, era imperioso que buscassem fazer justiça a cada qual, antes de mais nada, pelo fato de todos serem membros da coletividade. Não deviam difamar uns aos outros, causando intrigas desnecessárias e sempre que necessário deviam defender-se mutuamente dos estranhos. O sentimento de unidade do coletivo era fortalecido, fazendo com que todos se sentissem responsáveis uns pelos outros.
Outra questão trazida para análise é a cortesia. Na Pedagogia pensada por Anton a cortesia era uma forma especial de moderação que devia ser insistentemente desenvolvida nos alunos e nos educadores e sempre que fosse o caso, exigida. Esperava-se que toda a coletividade envolvida no processo educativo usasse de amabilidade e cordialidade, a não ser que a situação necessitasse de uma intervenção mais drástica, dependendo da gravidade do caso. Em situações educativas, segundo Makarenko, os professores e a direção “nunca devem se comportar frivolamente: zombaria, contar anedotas, nenhum excesso verbal, imitações trejeitos etc”. Na colônia era categoricamente inaceitável que tanto os professores como a direção, na presença dos educandos, estivessem “taciturnos, irritados e gritantes”. O humor, a polidez e a cortesia no tratamento entre os membros da coletividade eram elementos constitutivos de um processo educativo que se queriapromissor. É importante relembrar que a comunidade que Makarenko atendia tinha toda a sorte de problemas, mesmo assim, não tratar o outro com rispidez era um exercício constante (LUEDEMANN, 2002,
p. 303).
Em relação à última categoria, Makarenko entendia-a como “um verdadeiro estímulo da vida humana é a alegria do amanhã”. Na pedagogia desenvolvida por ele esta “alegria do amanhã” era considerada um dos elementos mais importantes do trabalho. Sendo assim, havia necessidade de se evidenciar perspectivas individuais e coletivas, a curto, a médio e a longo prazo. Estimulava-se que os educandos imaginassem, dos dias aos anos seguintes, estabelecendo perspectivas dentro das condições e aspirações da coletividade. Exemplificando, uma perspectiva a curto prazo poderia ser um passeio que o coletivo iria participar. As perspectivas a longo prazo envolviam a relação dos educandos com a coletividade em âmbitos maiores e mais complexos, ao país e à humanidade de forma geral. Esperava-se que a juventude conhecesse a história do país e da humanidade para que assim pudesse compreender as dificuldades, os desafios e pensar em qual poderia ser a sua contribuição na luta travada pelas classes trabalhadoras.
As questões apresentadas até aqui podem oferecer desdobramentos e subsídios para, a partir delas, se repensar e se refletir sobre a construção de propostas coletivas diferenciadas daquelas que se tem hoje na escola. Com este entendimento, prossegue-se o texto discutindo elementos como: individualismo, disciplina, representatividade, assembléia, normatização, perspectiva e cortesia. 

INDIVIDUALISMO 

A exacerbação ao individualismo no sistema capitalista é uma constante, o que tem levado à desarticulação das instâncias coletivas da vida social. Para Bauman (2001) a modernidade é a era na qual a vida social passa a ter como centro o indivíduo, sendo esta a sua marca registrada. As relações humanas, assim como as relações mercadológicas, tornam-se descartáveis. O outro, quando visto, é encarado como instrumento que traga ou possibilite o alcance a alguma vantagem pessoal, algum benefício individual.
Muitas vezes, na escola percebem-se comportamentos reforçadores deste individualismo vindos da comunidade em geral. Assim, se aceita, por exemplo, que um aluno ou um professor difame o outro, estimula-se fofocas como forma de obter informações, classifica-se os alunos por notas e rendimentos, expõe-se a individualidade de alunos e professores citando-lhes como exemplo positivo ou negativo. Estes fatores reforçam a competitividade e abafa-se a possibilidade de desenvolver a “unidade do coletivo”.
Lutar contra o individualismo, dentro da escola, assim como na vida social, trata-se de nadar contra a corrente, talvez de uma luta inglória, mas necessária. Qualquer discurso de democratização do ambiente escolar que não de um trato especial a esta questão, estará fadado ao fracasso. É necessário levar isto em conta se, de fato, o desejo é o de empreender um trabalho coletivo. 

DISCIPLINA 

De certa forma, os problemas disciplinares enfrentados por Makarenko não se diferenciam em muito dos problemas que assolam a escola na atualidade. Muitas escolas convivem diuturnamente com o problema do tráfico de entorpecentes, consumo de drogas em seu interior e uso de armas. A escola e os professores conseguem fazer pouco para enfrentar estas questões que são de ordem social e econômica.
 Entretanto, existem conflitos mais amenos que poderiam ser utilizados com fins pedagógicos, agressão física e verbal, desentendimentos entre o coletivo, dentre outros. Quais as possibilidades que a escola teria para utilizar-se destes conflitos para a aprendizagem da vida coletiva? Como a escola poderia se organizar para tal empreitada, sem perder o foco no processo de ensino e aprendizagem que é seu maior objetivo? Que espaços seriam estes? São questões interessantes para se refletir no interior e na concreticidade de cada escola, de acordo com a realidade de cada qual que é diversa. Portanto, as tentativas para democratizar o ambiente escolar, partindo de modelos, de imposições, tentem a frustrar-se, ou ainda a servir apenas para validar questões burocráticas e administrativas centralizadoras. 

REPRESENTATIVIDADE 

Sabe-se que os espaços instituídos oficialmente para a representação da coletividade na escola são os Grêmios Estudantis, os Conselhos Escolares e as Associações de Pais, Mestres e Funcionários. Mas, será que estes espaços, quando são instituídos, levam à participação efetiva da coletividade? Nestes espaços, a participação é representativa,o que, dependendo da forma como é trabalhada, exclui a grande maioria do coletivo, além de serem questionáveis os critérios utilizados para a escolha os representantes. Makarenko também trabalhava com a idéia de representantes eleitos pelo coletivo, pois conforme a colônia ia crescendo surgia a necessidade de outras formas de organização.
Entretanto, os representantes “não tinham nenhum tipo de privilégio, realizavam as mesmas tarefas que todos, inclusive de trabalho” (LUEDEMANN, 2002 p. 161). Estes cargos eram ocupados através de revezamento em períodos de três a seis meses. Makarenko julgava este tempo conveniente para que os representantes da coletividade não se transformassem em espécies de funcionários, para que um grande número pudesse exercer a função e ainda para que esta representação não se tornasse um fardo muito pesado para as crianças já que esta posição compreendia muitas obrigações e era demasiadamente tensa. Isto implica em entender que se a escola deseja trabalhar com a idéia de representatividade os critérios para tal devem ser estabelecidos sempre tendo em vista o princípio da educação da coletividade 

ASSEMBLÉIAS 

Ruiz (2006) apresentou a possibilidade de a escola trabalhar com as Assembléias Escolares, em pesquisa de Mestrado. Esta autora, por não ter contato com as idéias de Makarenko anteriormente, parte dos referenciais de Araújo (2004), porém percebe-se muitas similitudes entre ambas as propostas. Na pesquisa defende que as deliberações na escola deveriam partir de assembléias, nas quais as decisões deveriam ser tomadas sempre se levando em conta o respeito à coletividade. Solidariedade, confiança, responsabilidade coletiva e participação seriam virtudes imprescindíveis que deveriam ser desenvolvidas pelos sujeitos da coletividade, sem as quais a tendência seria a escola tornar um aglomerado de pessoas cada qual interessada em sua individualidade.
Nesta perspectiva, entende-se que a escola precisa buscar outras formas de reunir a coletividade, além daquelas já pensadas. Se uma escola realmente acredita que a educação da coletividade deve ter prioridade à educação do indivíduo, esta precisa internamente, dentro de suas possibilidades concretas, pensar como organizar este tipo de trabalho. Não porque a gestão democrática é prevista por lei, não porque esta lei prevê a organização de conselhos escolares, mas sim porque é o desejo da coletividade da escola, se assim for. 

NORMATIZAÇÃO 

Em relação à normatização do ambiente escolar são necessários alguns questionamentos. Na escola quem faz as normas? Elas são estabelecidas verticalmente e arbitrariamente? A comunidade escolar vê sentido nas normas que estão postas? Pode negociá-las? O regimento da escola é posto em discussão coletiva?
Ruiz (2006, p. 215) discute que a escola parte de uma perspectiva de homogeneização de condutas em seu interior, assim “as
ORG & DEMO, Marília, v.9, n.1/2, p. 223-240, jan./dez.,2008
regras são estabelecidas de forma unilateral e arbitrária, sem estimular a participação e reflexão da coletividade sobre a validade das mesmas”.
Considera-se que, estando a comunidade envolvida na tomada de decisão, no estabelecimento de normas e regras, na avaliação de necessidades e reivindicações, a tendência seria uma responsabilidade e um cuidado muito maior no momento de aferir julgamentos, uma vez que o que está em jogo é a própria existência da coletividade. 

CORTESIA 

Em tempos que se observa, cada vez mais, o sucateamento do magistério, refletir sobre a questão da cortesia se faz mister. A profissão docente não tem sido valorizada ultimamente. Isto reflete no baixo salário e nas condições de trabalho dos professores, muitas vezes inapropriadas para se desenvolver um trabalho de qualidade. Com a democratização da educação em termos de vaga para todos e a obrigatoriedade do ensino, as salas de aulas estão atendendo números exorbitante de alunos. Assim, ao invés de a universalização da educação pública ser uma esperança para uma educação melhor, este fato acabou contribuindo para piorar ainda mais a situação para os filhos das classes trabalhadoras “enquanto para as classes média e alta o Estado promove a educação privada” (DAL RI; VIEITEZ, 2008, p. 26).
Tudo isto tem tornado a profissão um tanto quantodesalentadora para aqueles que cursam as licenciaturas. É comum ouvir entre os professores que lecionam nestes cursos que os discentes não almejam seguir a carreira docente. Entretanto, na maioria das vezes, é por onde iniciam suas vidas profissionais.
Some-se ainda o fato do aluno da escola pública, muitas vezes, ser oriundo de situações sociais bastante dificultosas. Muitos passam por toda espécie de privação e convivem diariamente com a marginalidade.
Estes fatores refletem no interior das escolas de educação básica, mas precisamente no humor de toda a equipe e, consequentemente, dificulta um relacionamento cortês ente os membros da coletividade. Entretanto, mesmo considerando todas estas questões é necessário ficar atento à polidez que necessita permear as relações. As questões acima sobre a falta de valorização da profissão docente e da educação precisam ser tratadas em outras instâncias de luta organizada em prol da valorização da profissão e da educação. O que tem sido feito enfadonhamente pela classe dos profissionais da educação.
Em relação à procedência social dos alunos da escola pública, a leitura de Makarenko contribui ao enfatizar que a partir do momento que os alunos chegavam à colônia não havia a preocupação de se fazer um levantamento das suas vidas fora da colônia e sim de tentá-los inserir no coletivo. Desta forma, várias são as passagens de sua obra na qual enfatiza que colonos que tinham um passado assombroso, a partir do momento que se deixava de reforçar apenas a individualidade, conseguiam desenvolver outra história de vida a partir do coletivo.
 Makarenko contribui para que, mesmo diante de tantos dissabores, entenda-se que valorizar o tratamento cortês entre os pares é necessário para a educação da coletividade, além de reforçar o sentimento de pertença a esta coletividade. Esta questão é bastante séria e deve ser levada em consideração no interior da escola.

PERSPECTIVA 

Percebe-se que, atualmente, falta perspectiva de vida à maioria da população. Não apenas para jovens e adolescentes, mas também às pessoas de idade adulta. A escolarização burguesa que era vista por muitos como meio de ascensão social, deixa de ser, à medida que o capitalismo neoliberal avança, criando um bolsão de desempregados. A falácia é evidenciada. A escola pode contribuir para formar os trabalhadores, mas, por muito que se esforce, não é capaz de criar vagas de trabalho (PARO, 1999).
O desemprego estrutural é um fato, embora a precarização do trabalho contribua para mascarar os índices oficiais, à medida que os trabalhadores tentam sobreviver no mercado informal, abrindo mão dos direitos trabalhistas conquistados o que é fartamente estimulado pela elite econômica, que achincalha proferindo mensagens ideológicas e cínicas que tentam “transformar a desgraça em virtude” (DAL RI; VIEITEZ, 2008, p. 50). O trabalhador é chamado a ser criativo, flexível e empreendedor. Estas questões contribuem para dificultar a possibilidade de se estabelecer perspectivas na escola.
Mesmo tendo isto em vista, como mostra Anton, é possível pensar em estabelecer na escola perspectivas a curto, a médio e a longo prazo. Muitos professores já traçam perspectivas a curto prazo no dia-a-dia de sala de aula, à medida que vinculam a aprendizagem de conteúdos com fatos concretos da vida da criança. Estes professores cuidam de evidenciar de que forma aquilo que está se aprendendo na escola serve para o bem viver coletivo. Auxiliam assim, por exemplo, os alunos a entenderam os problemas locais, de seu bairro, e como proceder para buscar melhorias, coletivamente, reivindicando às autoridades, providências necessárias para saná-los. Muitos professores, não apenas mostram o caminho, como levam de fato seus alunos a participarem de sessões em câmaras de vereadores ou em outras instâncias responsáveis. Esta, dentre muitas outras que poderiam ser citadas, é uma forma de estabelecer perspectivas a curto prazo com os alunos. Professores, cada um em sua disciplina ou de forma interdisciplinar, podem levar a questão da perspectiva em conta na execução dos planos de trabalho.
Perspectiva a longo prazo, também, podem ser traçadas com os alunos filhos das classes trabalhadoras para que eles entendam que podem contribuir individualmente e coletivamente para a superação do sistema. Tendo em vista que a história não é imutável, como apontam Boron (2004) e Therborn (2004) e que se pode estar, quem sabe, em época de transição como acredita Mészáros (2005). 

APONTAMENTOS FINAIS 

Os investimentos pedagógicos que Makarenko faz em sua colônia é recompensado. Esta afirmação procede tendo em vista o processo educacional pelo qual passa seus colonos e os resultados que obtém, transformando a vida de crianças e adolescentes que, sem interferência educativa, estariam fadados à criminalidade. Entretanto, suas idéias são bastante ousadas e polêmicas até mesmo para o contexto no qual viveu. Isto provoca muitas contendas entre as autoridades da época. Makarenko acaba por se afastar do trabalho na colônia em 1935, dedicando-se à publicação e à divulgação de suas concepções pedagógicas.
Atualmente, suas idéias continuam sendo polêmicas, o que é notório ao analisar o caso das escolas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que busca uma educação diferenciada para suas crianças, a fim de romper com a estrutura de classes. Muitos encaminhamentos antidemocráticos e inconstitucionais vêm sendo efetivados pelas autoridades no sul do Brasil para reprimir a ofensiva deste Movimento. Dentre estes, propõe-se medidas intervencionista nas escolas do Movimento para “readequá-las à legalidade”. Para tal empreendimento, foi criada uma lista de livros “proibidos” para estas escolas. Assim, tenta-se coibir a leitura de teóricos como Florestan Fernandes, Paulo Freire, Chico Mendes, José Martí e Che Guevara. Some-se a esta lista, Makarenko, considerado “um perigoso pedagogo soviético” (LUEDEMANN, 2008).
Dá então para entender porque Makarenko é pouco difundido entre o público leigo e também nos cursos de formação de professores, apesar de ser uma contribuição muito valiosa para se repensar a educação contemporânea.
Neste texto, tem-se a consciência que a escola é uma instituição que se coloca a serviço do Estado, trabalhando para reforçar a hegemonia dominante. Entretanto, defende-se que esta mesma escola é composta de vidas e isto torna o processo educativo dialético, dinâmico,conflituoso e, de certa forma, imprevisível. É diante desta imprevisibilidade que os profissionais da educação encontram ânimo para estar ainda nesta instituição, esperançosos de que se há um projeto novo a se construir a escola poderá participar dele. Neste ensejo, buscam unir forças com movimentos que acreditam em um mundo melhor, que lutam contra a exploração, contra a dominação, que lutam também por uma escola melhor para os filhos das classes trabalhadoras, mesmo diante de tanta precariedade.
Em vista deste entendimento, coloca-se o ideário deste pedagogo revolucionário para apreciação. Conclui-se na expectativa de que os princípios pedagógicos makarenkianos, a luta pela superação do individualismo, a busca pela coletividade, o estímulo à perspectivas futuras, os debates nas assembléias e o tratamento cortês, possam aventar novo ânimo para se repensar a escola, e fortalecer práticas verdadeiramente coletivas em seu interior. Práticas estas que não sirvam apenas para o falseamento do consenso. 

RUIZ, M. J. F. Collective work in public  schools: Anton Semionovitch Makarenko´s pedagogical contributions. Revista ORG & DEMO (Marília), v. 9, n.1/2, p. 223-240, jan./dez., 2008.

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