14/03/2013

O ESTADO BURGUÊS, O “CHOQUE DE GESTÃO” E AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS EM MINAS GERAIS.


Autor: Agnaldo Damasceno Pereira- Professor de Sociologia


A partir de uma leitura marxiana e marxista, compreendemos a escola como aparelho ideológico do Estado burguês. Veremos aqui a repercussão dessa ideologia no trabalho docente da rede pública de ensino estadual de Minas Gerais. Para tanto, tomaremos o Estado neoliberal, em seu tripé de abertura comercial e financeira, privatizações de empresas estatais, assim como a desregulamentação de direitos sociais e leis trabalhistas, como características próprias do “Choque de Gestão” de que o governo Aécio tem sido signatário. Discutiremos duas ações governamentais próprias do “Choque de Gestão”: Avaliação Desempenho e a Lei Complementar 100, que demonstram a verdadeira função do estado mineiro. Ao nos referirmos ao estado de Minas Gerais, não estamos compreendendo o Estado no seu sentido mais amplo de povo-nação, mas, na sua devida dimensão de estado-membro, que compõem essa unidade maior que é a federação, e que, portanto, reproduz, em proporções menores e, guardadas suas particularidades, as mesmas relações existentes no Estado brasileiro
 
Reconhecemos as gestões do governo do estado de Minas Gerais, de 2003 a 2010, como seguidoras dos ajustes políticos e econômicos empreendidos pelos governos neoliberais no Brasil. A velha retórica positivista ganha uma nova roupagem: a entrada no processo de “globalização” exige uma administração racional, eficiente e participativa, as propostas de reforma da educação básica aparecem como uma tentativa de conformar um novo tipo de sujeito social capaz de se adaptar às novas necessidades de um mundo do trabalho cada vez mais flexível, competitivo e precário.
 
Tendo em vista que o Estado neoliberal obedece às diretrizes de desregulamentação dos direitos sociais e trabalhistas, legitimado pela esfera jurídica e reforçado pela ideia liberal de democracia participativa, os esforços na elaboração das políticas educacionais, nos vários embates entre “ramos do aparelho de Estado” (POULANTZAS, 1978) como: o poder executivo (governo de Minas) e o poder legislativo (assembleia) têm ganhado maior relevância no Estado burguês e as implicações dessas ações e legislações tem produzidos efeitos nocivos ao trabalho docente. 
 
Dentro da perspectiva marxista, e, em especial a de Althusser, buscaremos desenvolver a relevância dos aparelhos repressivos e ideológicos do Estado, na reprodução das relações de produção capitalistas. O Estado capitalista se vale da ideologia e da força para manter a sociedade de classe, isso fica mais visível ao analisarmos os mecanismos de controle e coerção social. Passamos, então, a analisar algumas das ações governamentais, referentes às políticas educacionais mineiras para alcançar esse êxito, em especial, a Avaliação Desempenho e a Lei Complementar 100.
 
Nesse sentido, para Augusto, a avaliação de desempenho representou um elemento importante no controle dos trabalhadores em educação: 
 
“Existem mecanismos de controle na forma organizacional absorvida pelo Estado sobre o gerenciamento de pessoas e escolas em seu sistema educacional. Tais mecanismos se constituem em critérios na avaliação do desempenho institucional e individual. Os resultados das avaliações determinam os salários, as progressões na carreira e formas de intervenção para redirecionar as ações, e até a possibilidade de dispensa de pessoal”. (AUGUSTO, 2005, p.10) 
 
A consequência de tal mecanismo é visível no comportamento do professorado, isso porque, em tempos de perda de direitos trabalhistas, a baixa avaliação pode repercutir em progressão de carreira, e, em casos mais extremos, até na exoneração do funcionário. Os critérios para tal avaliação, embora sejam preestabelecidos, guardam um grande caráter subjetivo, que fica a cargo da comissão examinadora na própria escola, sempre com a participação da direção. Dessa forma, o Estado passa uma visão destorcida e falaciosa de “Gestão Democrática”: se, por um lado, permite a participação da comunidade escolar, por outro, as regras e a ideologia norteadoras já estão definidas, de modo que, a visão liberal burguesa, com mesclas de autoritarismo, permeia por todas as estruturas sociais, e, em específico, na escola, por meio também da Avaliação Desempenho. 
 
Nos dizeres de Althusser, a escola, juntamente com a Igreja, torna-se, na sociedade contemporânea, um dos principais aparelhos ideológicos do Estado,
“assim sendo, ao mesmo tempo, e junto com essas técnicas e conhecimentos, aprendem-se na escola as “regras” do bom comportamento, isto é, as conveniências que devem ser observadas por todo agente da divisão do trabalho conforme o ponto que ele esteja “destinado a ocupar”. A reprodução de sua qualificação representa também a reprodução de sua submissão”. (Althusser, 1992, p.58) 
 
Nesse sentido, a escola ganha uma relevância na reprodução da hegemonia burguesa, e o Estado garante, por meio do processo legislativo, os interesses da classe dominante, no ambiente formal da escola. Nessa perspectiva, o estado e, em particular, o de Minas Gerais, consegue alcançar sua função jurídica de individualizar os agentes da produção e ao mesmo tempo, sua função política de neutralizar a ação coletiva dos trabalhadores. Apesar dos interesses diversos dos partidos políticos que compõem o poder legislativo da assembleia mineira, nota-se um atrelamento dos interesses do poder executivo e o parlamento, de modo que, a oposição é praticamente inexistente. 
 
É dessa maneira que o trabalho docente tem enfrentado grandes desafios, isso porque a implementação do neoliberalismo no país tem tratado o sistema educacional como terreno fértil na difusão de seu programa, o que se apresenta sob forma dos vários mecanismos jurídicos: leis, decretos, medida provisória, resolução e outros, que têm o intuito de retirar/flexibilizar os direitos sociais e trabalhistas, na premência de diminuir os gastos públicos. Essas diretrizes têm atingido também o sindicalismo, como defende Galvão (2002), para quem, principalmente a partir, da década de 1990, ocorrem mudanças significativas, na maior parte dos sindicatos brasileiros, que passam a tomar uma postura muito mais propositiva, de negociações com o “patronato” e aceitando, sem grandes mobilizações e resistências, as reformas trabalhistas em geral. 
 
Para a gestão pública neoliberal, o Estado não seria mais o ente responsável a propor soluções “universalistas” para as políticas educacionais (estas passaram a ser entendidas sempre como supérfluas), fazendo com que, nesse cenário, ocorressem a descentralização e a privatização de boa parte de suas atribuições, além da responsabilização crescente do indivíduo (tanto o aluno pelo seu desempenho, quanto o professor pela sua progressão de carreira) por seu sucesso ou fracasso. A escola pública passa a ser tratada como se pertencesse à lógica da esfera privada, exceto, pelos baixos investimentos destinados ao sistema público de educação, que segundo (PINTO, 2008), dados da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE, 2007), encontram-se entre os mais ínfimos: 
 
“[...] aplicando aí [na escola] os princípios e métodos da chamada administração geral (que nada tem de geral, pois politicamente interessada em manter a dominação e a desigualdade de posição do trabalho diante do capital), por outro, estimular a busca de recursos junto aos próprios usuários, ou às empresas privadas, cujos interesses não são necessariamente educativos”. (PARO, 2009, p. 30) 
 
As justificativas desse governo, apropriando-se do liberalismo burguês, sustentam-se na concepção de uma administração pública racional, moderna e eficiente, com ideologias tecnocráticas, própria de setores da classe média (SAES, 1985), que têm uma adesão significativa de parcela da sociedade, tendo em vista a insatisfação da população em relação ao “Estado Burocrático” ineficiente e parcial. Como argumenta Viriato: 
 
“O Estado não perde o controle da política educacional; pelo contrário, planeja e indica diretrizes, responsabiliza os municípios e coopta ‘cidadãos participantes’ para uma prática fiscalizadora. Sendo assim, a participação é canalizada para além da participação instrumental. É uma participação fiscalizadora, visto que é auto-sustentadora. Os ‘cidadãos participantes’ não criam, discutem, debatem objetivos e planejamento político educacional; eles praticam cobranças e executam aquilo que os órgãos centrais planejaram.” (VIRIATO, 2004, p.48) 
 
Dessa maneira, a gestão governamental, orientada pelo ideário neoliberal, encontra importante respaldo na sociedade, nos seus diversos segmentos sociais, uma vez que as reais contradições sociais são mascaradas e renovadas pelo Direito burguês, que, ao atribuir direitos e vontades subjetivas, cria a ideologia que esconde as reais relações de exploração. 
 
Com a concepção espalhada de mercantilização do ensino público e da consequente “otimização empresarial” da gestão da educação, outro fator importante e coetâneo para conformação desses novos sujeitos sociais, em tempos de neoliberalismo, diz respeito ao próprio processo de trabalho do professor. Mediante as sucessivas reformas ou modificações na legislação trabalhista, tem-se a precarização do trabalho docente através do aumento extensivo de sua jornada, isso porque a necessidade de se estender em duas ou três jornadas de trabalho torna-se uma constante, na medida em que há um rebaixamento dos salários e uma visível destruição do “plano de carreira”, o que causa evidentes alterações físicas e emocionais que afetam desfavoravelmente o rendimento acadêmico-profissional do professorado e o processo de aprendizagem por parte do aluno. Uma tendência que se observa, a partir dessas reformas, é que elas acabam por levar o professor a um estado de letargia, desmotivação e diversas patologias físicas e psíquicas que têm claras repercussões na qualidade do ensino e na vida escolar, de maneira geral. 
 
Esse conjunto de modificações não é aplicado sem resistência por parte dos que estão diretamente submetidos a elas. Isso fica mais claro ao se observar as periódicas greves dos trabalhadores em educação na última década, organizadas por seus sindicatos e, muitas vezes, impulsionadas pelas próprias bases dos trabalhadores em educação pública. Por outro lado, como forma também de barrar as lutas dessa categoria, os governos lançam mão de estratégias que as fragmentam, tornando-os (trabalhadores em educação estadual) um grupo que tem interesses diversos, no que diz respeito a direitos e remunerações. Na circunscrição do ensino público estadual praticado em Minas Gerais, podemos observar uma distinção muito clara entre os professores e os demais trabalhadores da educação, e, até mesmo, uma diferenciação entre o próprio grupo dos professores, a saber, efetivos e designados. “Os efetivos são concursados nomeados e os designados são os contratados temporários, que devem concorrer anualmente às vagas remanescentes, no início do ano letivo”. (Augusto, 2005, p.9) 
 
Além dos casos acima citados, em 2007, o governo mineiro criou outra situação funcional conhecida como “efetivados”, através da Lei Complementar 100. Essa Lei, criticada por muitos juristas como inconstitucional, deu relativa estabilidade empregatícia para cerca de noventa e oito mil funcionários públicos, criando um cenário de mais fragmentação e insegurança para os trabalhadores da educação do estado. Esses trabalhadores, não tendo os mesmos direitos dos efetivos, visto que, quaisquer mudanças legislativas podem alterar sua situação funcional, colocando-os em constante vulnerabilidade, se por um lado contribuiu para resolver pendências previdenciárias, criadas pelo próprio estado mineiro, por outro, possibilitou, ainda mais, a fragilização de parte dos trabalhadores em educação de Minas Gerais. Evidentemente, o estado acaba cumprindo sua função de neutralizar, no caso em questão, os professores, a tendência à ação coletiva. Outra medida, por vez, utilizada pelo governo mineiro é recorrer à “justiça”, para derrubar, eventuais, movimentos grevistas, que lutam por melhores condições de trabalho e salário, o que tem configurado uma judicialização da ação política dos trabalhadores em educação do estado. 
 
Segundo Maria Helena Oliveira Gonçalves Augusto:
 
“As medidas implementadas na reforma do Estado, denominada ‘Choque de Gestão’ preveem corte de despesas, redução de custos e enxugamento na área de pessoal da educação, e arrocho salarial. Tais medidas acabam se constituindo em restrições e obstáculos à melhoria da prestação de serviços educacionais, conforme propostas da atual gestão da Secretaria de Educação”. (Augusto, 2005, p.2) 
 
Assim sendo, o Estado é instrumento essencial para reprodução e expansão da dominação de classe e uma força repressiva que mantém as classes dominadas em permanente estado de desorganização política. Nesse cenário, a escola é uma das principais instituições responsável pelo processo de sociabilidade e reprodução social, eivada de contradições, mas, que tem se apresentado eficiente na manutenção da sociedade de classe. A dimensão pedagógica, sob a regência do Estado capitalista, tem dado, também, no espaço formal da escola, sua contribuição na reprodução das políticas estatais, no sentido de conformar a comunidade escolar, e, em particular, discentes e docentes, a aceitarem, sem grandes resistências, as “reformas educacionais” em curso, tais como: a retirada de direitos sociais e trabalhistas, expressão do “desmonte do Estado Social”, que cria um cenário propício e extremamente favorável para uma educação que prioriza a lógica do mercado, alinhados a uma nova reestruturação da acumulação capitalista, atacando os mecanismos de organização e mobilização deste segmento dos trabalhadores não manuais, como suas entidades sindicais, com a finalidade de consolidar a forma e o regime político neoliberal do Estado burguês. Devemos aceitar essa lógica? Óbvio que não. Por isso a organização e a luta dos trabalhadores é o único caminho capaz de superar tais contradições. 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
 
ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos de Estado. Tradução Walter José Evangelista e Maria Laura Viveiros de Castro. 6ª. Ed. Rio de Janeiro, RJ: Edições Graal LTDA, 1992.
ANTUNES, Ricardo. A Desertificação Neoliberal no Brasil (Collor, Fernando Henrique e Lula). 2ª. ed. Campinas: Autores Associados, 2005.
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FRIEDMAN, M. Capitalismo e liberdade. Tradução de Luciana Carli. São Paulo: Arte nova, 1977.
GALVÃO, Andréa. A CUT na encruzilhada: Impactos do neoliberalismo sobre o movimento sindical combativo. Idéias, Campinas. Ano 9 nº 1: 49-104, 2002.
HAYEK, F. O caminho da servidão. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1990.
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MARX, Karl e Friedrich Engels. O Manifesto Comunista. Tradução Maria Lucia Como. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998. 20 reimpressão 2010- (coleção Leitura)
MÉSZÁROS, István. A educação para além do capital. São Paulo. Boitempo. 2005.
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PINTO, J. M. R. . “O custo de uma educação de qualidade”. In: Políticas educacionais e organização do trabalho na escola. 1ª ed. São Paulo. Xamã, 2008, v. 1, p. 57-80.
POULANTZAS, Nicos. Fascismo e ditadura. São Paulo. Martins Fontes, 1978.
_____. Poder político e classe social. São Paulo. Martins Fontes, 1974.
SAES, D. A. M. . Classe média e sistema político no Brasil. São Paulo. Tomaz de Aquino Queiroz. 1985.
VIRIATO, E. O. “Descentralização e desconcentração como estratégia para redefinição do espaço público”. In: Estado, políticas educacionais e gestão compartilhada. São Paulo. Xamã. 2004. p. 39-60. 
 
Fonte: http://socialistalivre.wordpress.com/ 

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