28/03/2012
USP está em falta com a democracia
Maior universidade do país e reconhecida por sua excelência, USP vem ganhando fama em outro quesito: o cerceamento da liberdade política
Aline Scarso
da Reportagem
Excelência internacionalmente reconhecida, professores de alto gabarito, uma das 70 melhores instituições de ensino superior do mundo segundo o ranking do instituto britânico Times Higher Education (THE). Essas são características bastante conhecidas da Universidade de São Paulo (USP), que enchem de orgulho o seu reitor, o professor de Direito João Grandino Rodas.
A maior universidade do país, entretanto, vem ganhando fama também em outro quesito: o cerceamento da liberdade de expressão e o aumento do número de processos e expulsões de uspianos que participam de manifestações e ocupações de prédios motivadas por reivindicações políticas.
No dia 09 de março, a Reitoria resolveu se pronunciar publicamente no jornal institucional USP Destaques sobre as manifestações que estão ocorrendo no campus. Em nota, disse que os “protestos extraordinários são cabíveis em um Estado democrático de direito, como o Brasil, por meio de demonstrações etc., mas nunca com a utilização de atos que sejam considerados como crime pelo direito penal, como vem acontecendo há décadas na USP”, em clara referência às últimas ocupações e à movimentação estudantil iniciada no ano passado.
Realmente o cenário não é o dos mais favoráveis aos movimentos sociais, organizações, partidos e indivíduos de esquerda dentro do campus. Desde que Rodas foi nomeado pelo então governador José Serra (PSDB) para a gestão, em dezembro de 2010, seis estudantes foram expulsos, 88 foram presos e 98 processados. Um fato inédito na história da USP.
Além disso, todos os sindicalistas do Sintusp (Sindicato dos Trabalhadores da USP) estão sendo processados e a diretoria da Adusp (Associação de Docentes da USP) corre o risco de sofrer processos da reitoria, caso a entidade não se retrate sobre críticas feitas em relação ao mau uso do dinheiro público pela universidade.
“De todas as últimas reitorias, a atual é a mais fechada ao diálogo, a que mais tem adotado medidas unilaterais repressivas, com uso desproporcional e emblemático de força policial que é para dar uma mensagem não apenas ao movimento estudantil e sindical da USP, mas é uma mensagem global do governo do estado de São Paulo, e do PSDB que o dirige, contra os movimentos sociais. Não é coincidência que esse uso sistemático da força da PM e toda uma operação ideológica para justificá-la coincide com a repressão de Pinheirinho”, analisa o professor de História da instituição, Henrique Carneiro.
No último dia 19, centenas de alunos, apoiados por professores, realizaram um ato em frente à reitoria. Em falas, eles ressaltaram que a maior universidade do país está vivendo um período de militarização e judicialização das manifestações políticas. Perseguições que “inexistem” segundo a reitoria.
“Só se a USP for outro Estado”
Um dos pontos reivindicados pelo movimento estudantil é que o reitor finalize o convênio feito com a Polícia Militar do estado em setembro do ano passado. Apesar de assembleias massivas, com a participação de mais de cinco mil estudantes, a reitoria mantém a mesma posição.
Na rede social Facebook, é comum o relato de estudantes que sofreram ou presenciaram constrangimentos causados pela Polícia Militar em abordagens.
Em 28 de fevereiro, quatro calouros foram detidos e levados à 14º DP no bairro de Pinheiros, em São Paulo, por terem sido pegos com 0,4g de maconha, algo próximo ao peso de um confete. O caso mais grave, entretanto, aconteceu no dia 6 de janeiro quando o estudante de Ciências da Natureza, Nicolas Menezes Barreto, teve uma arma apontada para a sua cabeça por um policial, durante uma ação da Corporação no prédio do Diretório Central dos Estudantes (DCE).
Em nota no USP Destaques, a Reitoria diz que a Constituição Federal autoriza a Corporação a exercer o poder de polícia em todo o território nacional e que para mudar isso só haveria dois caminhos: ou emendar a Constituição ou proclamar a USP como um novo Estado soberano, reconhecido pela comunidade internacional.
“Sendo um espaço público é impossível evitar a presença da polícia militar e ninguém questiona isso. O que se questiona é o convênio que foi feito, sobretudo de estabelecerem um banco de dados de troca de informações recíprocas entre a Polícia e a reitoria a partir das ocorrências verificadas. Isso acabou gerando um estágio de medo em relação à presença ostensiva da polícia e permite a lógica da espionagem, como já foi divulgado”, contra-argumenta o juiz e professor de Direito da USP, Jorge Luiz Souto Maior.
Para o juiz, a universidade chegou em um nível muito grave de falência democrática. “A coisa vem numa crescente tão grande que até dá para imaginar que possa piorar. Isso é claramente verificável, começou pequeno e hoje está bem maior a ponto da reitoria ameaçar todo mundo, no [jornal] USP Destaques, dizendo que pode haver processos a partir do que for dito contra ela”, pontua, destacando que as pessoas – como não têm noção do que seja uma imputação caluniosa – deixam de falar e escrever manifestos, textos, planfletos e participar de manifestações. “Realmente calúnia é crime, mas essa ameaça é usada politicamente no sentido de gerar medo e calar as pessoas. E é uma forma repressiva clássica. O debate posto sob uma perspectiva de espada política é um debate que se evita”.
Democratização da USP
Recentemente uma polêmica envolvendo a universidade ganhou destaque na imprensa nacional por sua peculiaridade. Na ocasião, uspianos perseguidos pelo regime militar e parentes de ativistas assassinados se recusaram a receber uma homenagem da instituição, que prevê a construção de um monumento às vítimas da ditadura na Praça do Relógio, na campus Butantã em São Paulo (SP).
Em documento intitulado Manifesto pela Democratização da USP e assinado com 231 nomes, eles afirmavam que a recusa se dava porque a reitoria “reatualiza o caráter autoritário e antidemocrático das estruturas de poder da USP”. Além disso, a placa que indicava a construção utilizava a expressão “Homenagem às vítimas da Revolução de 1964”.
Segundo a reitoria e o Núcleo de Estudos da Violência da USP, que coordena o projeto, a palavra “Revolução” em referência ao golpe militar foi um erro causado pela empresa Scopus Construtora e Incorporadora, que venceu a licitação da obra. O manifesto dos ativistas, entretanto, não foi bem recebido pela reitoria que disse que os assinantes se autointitulam perseguidos e parentes dos assassinados pelo regime.
A situação gerou manifestações e críticas na rede social Facebook. Textos chamavam atenção que o reitor João Grandino Rodas votou de forma favorável aos militares quando fez parte da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), organizada pela Secretaria de Direitos Humanos. Em 10 casos, Rodas votou contra a culpabilidade do Estado, tendo posição igual ao general do exército Oswaldo Pereira Gomes em diversas vezes.
Leia mais:
Manifesto pela Democratização
O manifesto pela democratização da USP, assinado por 231 docentes, surgiu no ano passado para criticar o uso da expressão “Revolução de 1964” na placa da obra de um monumento localizado na Praça do Relógio, na Cidade Universitária, e também para exigir o fim das perseguições políticas pela reitoria e pelo Governo de São Paulo a estudantes, professores e movimentos sociais.
Rodas e a ditadura
A relação entre o reitor da USP, João Grandino Rodas, e a ditadura militar é “indireta”. Com o processo da redemocratização, a lei da anistia foi instaurada e previa que o Estado pagasse indenizações às famílias que foram atingidas pelo regime, ou para as próprias vítimas que tiveram parte de suas vidas interrompidas. Rodas era um dos promotores públicos que julgava os casos de anistia e votou contra a culpabilidade do Estado em 10 casos.
Eleição para reitor
Na USP, uma pequena parte da comunidade acadêmica pode votar para reitor. Em 2009, Rodas foi o segundo candidato mais votado, mas mesmo assim foi escolhido pelo governador José Serra como governante da Universidade.
Estrutura de poder
O regimento disciplinar interno da USP elaborado em 1972, no auge da ditadura militar, vigora até hoje. No regimento consta, dentre outras coisas, a proibição a atividades políticas dentro da universidade.
Fonte: BRASIL DE FATO
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