01/04/2012

O diálogo entre a Psicanálise e a Educação

RACHEL VAZ NINA DE QUEIROZ*

INTRODUÇÃO

O diálogo entre a Psicanálise e a Educação iniciou-se com Freud a partir de seus estudos com pacientes histéricas, pois investigava o papel da Educação na condenação da sexualidade, já que esta era encarregada de transmitir a moralidade, incutindo o pecado e a vergonha sobre os desejos libidinais do sujeito.
É necessário que ocorra essa repressão da sexualidade para poder se conviver em sociedade, porém a Educação poderia fazer uma utilidade mais branda desse mecanismo, pois esse excesso de recalque pode ser o grande causador das neuroses conhecidas por nós.
Em lugar de punições, o educador informado sobre as fases do desenvolvimento sexual deve auxiliar o sujeito-aluno no processo de sublimação, ou seja, a canalizar suas energias sexuais para outras atividades mais apreciadas pela sociedade e cultura que este estiver inserido, desse modo controlando o princípio do prazer, mas obtendo esse prazer em objetos investidos de energia libininal entendidos como objetos dessexualizados.
Entende-se também que a teoria psicanalítica deve sair de dentro dos consultórios, pois seus princípios podem ser trabalhados de diversas formas, porém nunca se confundir o trabalho pedagógico com uma intervenção psicanalítica.

O PAPEL DA EDUCAÇÃO NA FORMAÇÃO DAS NEUROSES

 Na revisão teórica a seguir teve-se como base as contribuições de Freud e Lacan, através de pesquisas realizadas em textos atuais.
Verificou-se que no início de seus estudos, Freud dizia a Educação se relacionar ao recalcamento social das pulsões, considerando assim este como um dos fatores desencadeantes das neuroses, no entanto, esta contribui para o controle do princípio do prazer, desta forma adaptando a criança à realidade e à sublimação (RIBEIRO, 2006). Essa adaptação da criança se da através da figura que o professor lhe representa, determinando assim a maneira como acontecerá o aprendizado e seu desenvolvimento.
De acordo com a concepção psicanalítica Lacaniana, a criança não se esquece do que faz porque ela tem determinados sentidos e significações, que vão além do princípio do prazer: o gozo. Freud afirma ainda que o aparelho do gozo é a linguagem e não há outro. E Lacan completa afirmando que o inconsciente é uma forma de linguagem. Quando uma criança tenta chamar a atenção do professor por situações desagradáveis, ela não esta fazendo isto só por fazer aleatoriamente, ela se encontra presa às cadeias de gozo sem poder de libertação (MRECH, 1999).
Ao iniciar a vida escolar a criança revive a seu modo suas experiências das vivências narcísicas e edípicas, deste modo "a criança antes de se relacionar com o outro necessita ter formado uma imagem estável e valorizada de si, capaz de garantir um sentimento de identidade e de vida psíquica.". Segundo Lacan, a castração simbólica ocorrida na resolução e organização do conflito edípico dá acesso à linguagem e suas regras; ou seja, para aprender a criança deve estar ciente de que algo lhe falta após o rompimento da fase primária narcísica. Como citado mais acima o infante deve descobrir a si mesmo, porém após esse período entender que para se relacionar com outros tem que suportar suas opiniões, compreender que outras pessoas sabem coisas das quais ele não sabe, compreender que o mundo não gira em torno de seus desejos e pulsões. (BARONE, 1993)
O papel do educador e da Educação nesse momento dentro da perspectiva psicanalítica é o de aceitar e mostrar que existem outros saberes além dos já conhecidos, deve mostrar que nem ele e nem a criança tem as verdades absolutas, sempre haverá possibilidades de novos arranjos dos dados da realidade. O ser humano é um ser angustiado, está sempre à procura de uma satisfação, mas nunca alcançará sua plenitude.
Transferência
Essa comunicação professor/aluno, aprender/ensinar ocorre através da chamada transferência, segundo Freud, e conforme citado anteriormente o aluno escutará e se desenvolverá de acordo com o lugar com o qual este colocar o professor, a importância simbólica destinada a ele, o mesmo, no lugar de sujeito suposto saber. O educador deve estar atento inclusive para não impor à criança seu próprio desejo, assim como também, não ter expectativa alguma em relação aos seus alunos pode colocar em risco a constituição do seu eu desejante, do sujeito desejante.
De acordo com Lacan (COUTINHO & ROCHA, 2009) a transferência não é simplesmente um laço de repetição em relação a uma outra pessoa, mas sim um laço ao significante (o Outro) carregado de uma significação própria para o sujeito (aluno), ou seja, aquilo que é falado pelo sujeito ao Outro (professor), retorna a este com uma nova significação, adquire novo sentido.
A relação professor/aluno dentro da perspectiva psicanalítica, a transferência positiva, contribui para facilitar o aprendizado e se obter melhores desempenhos, isso quer dizer que a importância desse aprendizado não está voltada para os conteúdos propriamente ditos e sim na maneira como esse é passado. A partir de um pensamento de Lacan, sabe-se que o sujeito não se identifica somente com o indivíduo, mas também com a história e nas estruturas sociais.
Sublimação
Antigamente não se dava tanta importância à fala da criança, hoje o aluno é mais participativo, assumindo um papel mais central, uma Educação menos coercitiva, levando em conta as características da criança. Portanto, não se deve ser tão severo com as crianças, pois isso pode contribuir para o desencadeamento da doença nervosa, os professores são e devem sim ser responsáveis por diversos tipos de castração, porém procurando canalizar as pulsões sexuais para outras atividades, o que se pode chamar de mecanismo de sublimação.
Essa pulsão sexual humana é decomposta em pulsões parciais onde o objeto de desejo passa a ser dessexualizado, ou seja, essa libido é passível de se dirigir a outros fins que não os propriamente sexuais, como exemplo o indivíduo pode se voltar para produções artísticas, científicas, atividades que promovam o aumento do bem estar e da qualidade de vida, e são chamadas por Freud de atividades "espiritualmente elevadas". Essas atividades geram, portanto um prazer "brando", e por isso mesmo justificam a busca e a persistência em realizá-las, como já dito anteriormente, o prazer pleno não será alcançado. (KUPFER, 1997.) Caso o desenvolvimento da criança não ocorra de modo satisfatório, a repressão dessa pulsão poderá originar uma neurose.
A Educação está ligada a moralidade e a cultura, que determinam os valores impostos pela sociedade, esses elementos são importantes para que o Homem se torne mais humano e se afaste dos antepassados pré-históricos, porém sempre existirá uma relação intrínseca entre o desejo e a possibilidade do gozo, essa moralidade é usada como defesa à sua própria sexualidade. (CIFALI & IMBERT, 1999)
Alguns autores afirmam que para ser aplicada na prática pedagógica é necessário o conhecimento teórico e experiência psicanalítica (análise pessoal). O educador compreender suas dificuldades escolares e em ultima analise formar indivíduos emocionalmente saudáveis.
Não se deve confundir o trabalho pedagógico com uma intervenção psicanalítica e nem substituir um pelo outro, pois a transmissão da psicanálise pode ser feita por diversos canais e não somente no divã. O bom entendimento do educador sobre as fases do desenvolvimento psicosexual contribui em grande valor para a realização de atividades pedagógicas adequadas a cada fase (apostila). O conhecimento da Psicanálise ajuda a se compreender melhor certas dificuldades apresentadas pelo aluno por conhecer-se o processo de desenvolvimento da sua personalidade. (SHIRAHIGE & HIGA, 2007)

RESULTADOS
Como resultado da pesquisa, verifica-se na literatura indica que a formação das neuroses, portanto, tem uma ligação direta com a maneira como o educador irá lidar com os as pulsões e desejos sexuais do seu aluno, este não deve se utilizar de uma tática muito severa, não deve reprimir e castrar de forma brusca as manifestações sexuais da criança. Fica óbvio que não se deve permitir a exteriorização a qualquer maneira desses impulsos libidinais, se não as pessoas não conseguiriam conviver em uma sociedade, é necessário que ocorra o interdito.
É nesse momento que entra o papel da Educação, funcionando como um elemento de castração, pois nos dias atuais não estamos mais orientados na sociedade pela figura de poder do pai, o que Lacan chamaria de uma relação entre a lei e o desejo, seria então essa lei representada pela escola na figura do professor, pois é esse que está mais próximo da criança observando o seu desenvolvimento emocional e cognitivo.
Um educador orientado dentro da teoria psicanalítica entenderia de maneira melhor, por exemplo, o prazer da criança em manipular suas fezes, e nesse caso poderia lhe oferecer atividades que se utilizassem da argila ou massa de modelar, por exemplo, ao invés de se aborrecer com a criança aos gritos de repressão, chegando ao ponto de ameaçá-la com castigos se a mesma quisesse ainda assim sujar ali as suas mãos. (KUPFER, 1997). Nesse momento o professor gerou uma atividade voltada à sublimação, onde o objeto inicial investido de valor sexual não desaparece, ele simplesmente se descola para um outro, ou uma atividade melhor aceita pelos valores da sociedade.
Punição e repressão severas da pulsão podem causar dessa maneira traumas e sentimentos de culpa dando origem as conhecidas neuroses. Tudo deve ser realizado na media certa, pois não podemos esquecer que a criança também tem os seus limites e é investida de afetividade, sofrendo influencias históricas e sociais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo teve como finalidade apresentar a importância da Educação dentro de uma perspectiva psicanalítica na formação do indivíduo, mais especificamente na formação das neuroses.
Como visto essa influência gira em torno da maneira como ocorre a transferência professor/aluno e do mecanismo de defesa que é a sublimação, no caso utilizado não somente para reprimir conteúdos impróprios as vistas da cultura e sociedade atuais, mas para dar uma freada nas pulsões sexuais, possibilitando que estas possam se manifestar de modo prazeroso e ocorra a evolução do aprendizado através de diversas outras atividades.
Fica claro que quanto mais o educador se aprofundar nas questões psicanalíticas e entender o processo de desenvolvimento infantil ele poderá colaborar no processo de evitação do desencadeamento de uma neurose, levando também em conta o contexto social no qual a criança está inserida. Porém deve este procurar estar em análise pessoal, pois estará sempre diante de conflitos afetivos, para evitar que seus próprios conteúdos e desejos e confundam com o do aluno.
BIBLIOGRAFIA
ABRÃO, Jorge.  As Influências da Psicanálise na Educação Brasileira no Início do Século XX. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/ /ptp/v22n2/a13v22n2.pdf>. Acesso em: 23 de março de 2006.
BARONE, Leda. De ler o desejo ao desejo de ler: Uma leitura do olhar do psicopedagogo. Petrópolis: Vozes, 1993.
CIFALI, Mireille; IMBERT, Francis. Freud e a pedagogia. São Paulo: Loyola,1999.
KUPFER, Maria Cristina. Freud e a educação: O mestre do impossível. 3. ed. São Paulo: Scipione, 1997.
MRECH, Leny. Além do sentido e do significado: A concepção psicanalítica da criança e do brincar. Disponível em: <http://www.educacaoonline.pro.br/index.php?option=com_content&view=article&id=153:alem-do-sentido-e-do-significado-a-concepcao-psicanalitica-da-crianca-e-do-brincar&catid=9:psicanalise&Itemid=20>. Acesso em: 23 de março de 2009.
RIBEIRO, Maviane; NEVES, Marisa. A educação e a psicanálise: Um encontro possível. Disponível em: . Acesso em: 23 de março de 2009.
SHIRAHIGE, Elena; HIGA, Marília. A contribuição da Psicanálise à Educação. Disponível em: <http://www.4shared.com/get/32804849/3878ad9d/Texto_2_-_A_contribuio_da_Psicanlise__educao.html>. Acesso em 23 de março de 2009.


*Psicóloga graduada pela Universidade Federal do Amazonas. Psicopedagoga pós-graduada pela Universidade Salgado Oliveira. Aluna especial do Mestrado em Psicologia da UFPE.

FONTE: http://www.artigonal.com/psicologiaauto-ajuda-artigos/o-dialogo-entre-a-psicanalise-e-a-educacao-1110600.html 


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