31/12/2011

FELIZ ANO NOVO

O grupo “LUTA PELA EDUCAÇÃO - DIÁRIO DA CLASSE”, deseja aos trabalhadores da educação e todos aqueles  que defendem a democracia popular, o internacionalismo, os  princípios necessários para combater o capitalismo e construir as condições necessárias ao socialismo,  um ano repleto de conquistas , com bons e vitoriosos combates.
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“Instrui-vos, porque precisamos de vossa inteligência. Agitai-vos, porque precisamos de vosso entusiasmo. Organizai-vos, porque carecemos de toda vossa força.” 
Revista L'Órdine Nuovo
 

30/12/2011

Desmonte da Escola Pública(RS)-O NOSSO DESAFIO AGORA É RETOMAR A GREVE EM MARÇO!

A intervenção da Unidade Classista na greve do Cpers esteve marcada pelo entusiasmo na luta, pela clareza política, pela firmeza e pela coerência!

O NOSSO DESAFIO AGORA É RETOMAR A GREVE EM MARÇO!
(19/12/2011)

Nestas duas últimas semanas, enquanto enfrentávamos o herdeiro de Yeda, e novo vassalo do capital financeiro internacional no Piratini, a luta voltava a marcar o cotidiano dos trabalhadores portugueses e gregos. Os primeiros, em 24 de novembro, realizaram uma das maiores greves da história de Portugal, paralisando quase completamente o país. Exigiam a revogação do recente pacote de austeridade do FMI anunciado pelo governo, que impunha à classe trabalhadora portuguesa a destruição do sistema nacional de Saúde, cortes de verbas para a Educação e corte do 13º e 14º salários. Na Grécia, nesta quinta-feira, os trabalhadores abriram dezembro realizando a primeira greve geral contra o recente pacote de ajuste estrutural do FMI, encaminhado pelo gabinete de Papademos. É sua sexta greve geral em 2011. O presente de grego do fundo monetário para “salvar” a Grécia prevê a demissão imediata de 16.000 trabalhadores do serviço público, uma liberalização acelerada dos monopólios estatais e a privatização das estatais gregas de geração de energia. Os rastros de destruição deixados pela crise capitalista em curso vêm ensinando dramaticamente aos trabalhadores europeus que, enquanto existir capitalismo, o futuro é o socialismo.

Aqui, a “greve por tempo indeterminado”, iniciada na assembleia geral de 18 de novembro, pelas implacáveis determinações da conjuntura, não mais consegue se sustentar. O esforço heróico dos companheiros mobilizados, que se empenharam em levar esta greve a bom termo, não foi suficiente para reverter as enormes dificuldades encontradas pelo movimento. A expectativa depositada pela direção do sindicato na possibilidade de que a greve já e por tempo indeterminado viesse a empolgar a base e “decolar”, revela-se agora o que foi desde o início: um desejo ardente em corações vibrantes e generosos. Assim, necessidade de continuarmos a luta pelo pagamento integral e imediato do Piso permanece. A necessidade de derrotarmos o projeto de desestruturação do Ensino Médio do Banco Mundial continua na ordem do dia. A necessidade da retomada desta luta em 2012 mantêm-se, inelutavelmente. Nenhum discurso, por mais triunfalista que seja, pode obscurecer o fato de não termos sido capazes de fazer avançar nossas reivindicações, de não termos alcançado uma vitória. Entretanto, o derrotismo também não encontra lugar em nossa cultura política. Os trabalhadores que lutam não podem ser derrotados, exatamente porque não se deixam derrotar. E é em respeito a eles que esperamos contribuir no esforço de examinar criticamente alguns aspectos da história desta greve.

No desencadeamento desta greve, voluntarismo pequeno-burguês e a ousadia pueril prevaleceram, substituindo a clássica recomendação de situar a luta sobre a análise concreta da situação concreta. Os relatos das posições das escolas trazidas por seus representantes, por todo o lado contrários à greve por tempo indeterminado no final do ano, ficaram subsumidos em votações obtidas, muitas vezes, por maiorias artificialmente constituídas. Além disso, ignorou-se também que o desgaste natural da categoria, típico em finais de ano considerados normais, em 2011 tornara-se ainda mais grave, pois além de ver-se frustrada em seus anseios de trégua com a eleição do PT, percebia claramente que recrudesciam contra si os ataques do governo Tarso.

A proposta de uma greve por tempo determinado, com uma assembléia na ponta, que foi a proposta defendida pela Unidade Classista no conselho Geral, expressava um entendimento claro e maduro dos limites que esta greve iria enfrentar. Em primeiro lugar, é evidente que uma greve por tempo determinado nos daria melhores condições persuadir os colegas, nas escolas que não se dispunham a fazer uma “greve até a vitória”, a aderirem ao movimento. Em segundo lugar, o centro de uma política consequente de ampliação quantitativa que, nas condições concretas desta greve, deveria consistir em se desafiar aquelas escolas não aderentes a encontrarem formas de evidenciarem objetivamente seu compromisso de solidariedade com a nossa luta, teria sido percebido imediatamente pela militância. Reconhecer esta política não só nos teria poupado desgastes inúteis, como poderia ter facilitado a tarefa, que para nós esteve sempre presente nesta greve, de uma retomada desta luta, em condições mais favoráveis, no ano que vem. Aliás, todo o esforço dos militantes da UC nesta greve orientou-se pela convicção de que através dela poderíamos acumular forças para relançar uma jornada de lutas massiva em março de 2012. Em terceiro lugar, a opção por uma greve por tempo determinado não teria sido apenas uma posição responsável e cautelosa, mas representaria de fato, a entrega à base da categoria do controle sobre o movimento. Além disso, a suposição que entendíamos infundada de que as nossas reivindicações pudessem prosperar nas negociações com o governo, com certeza não contribuiu para preparar o ânimo da militância, que se entregou à luta, para o desfecho desta greve.

As fragilidades organizativas da categoria se expressaram nesta greve em toda sua inteireza. Torna-se evidente que o preparo da retomada da nossa luta vai exigir um trabalho sério, sistemático de organização e mobilização na base, que feche os espaço para o vanguardismo de aventura. As definições de eixo da greve, até então concebidas como irretocáveis, tiveram que ser reformuladas durante a greve. A centralidade da questão do Piso, afirmada pela direção do sindicato desde o início das caravanas, não repercutiu nem nas escolas, nem nas ruas, tão fortemente quanto o ataque à escola pública representado pelo projeto de desestruturação do Ensino Médio, e coube ao Comando Geral de Greve fazer a devida correção do eixo. As perspectivas de ampliação da luta junto aos estudantes mostraram-se promissoras. E há muito trabalho a ser feito. Seguir elucidando e arregimentando forças contra o Projeto de Reestruturação do Ensino Médio deve permanecer em nossa agenda. Enraizar este trabalho em cada escola, em cada comunidade, em cada município deste estado também! A luta pelo pagamento integral e imediato do Piso da CNTE e a luta contra o Projeto de desestruturação do Ensino Médio devem ser tratadas e compreendidas como uma reivindicação unitária, indissoluvelmente ligadas, pois contra a ameaça do economicismo e do corporativismo nenhuma precaução é demasiada.

Pelo pagamento imediato e integral do Piso Nacional da CNTE, retroativo à 2008, para derrotar o Projeto de Desestruturação do Ensino Médio do Banco Mundial, de Yeda e de Tarso e pelos 10% do PIB para a Educação.



CONTATO UNIDADE CLASSISTA - RS

(Goretti Grossi) mg.grossi@yahoo.com.br



Analfabetismo entre jovens em favelas é o dobro que em áreas urbanas regulares

Envolverde - O dado faz parte do levantamento Aglomerados Subnormais – Primeiros Resultados, baseado em informações do Censo Demográfico 2010, divulgado ontem (21) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O estudo revela que a situação mais grave é encontrada em Alagoas, onde 26,7% das pessoas que moram em assentamentos irregulares são analfabetas. Em seguida, aparecem a Paraíba (21,3%) e o Rio Grande do Norte (16,3%).

A taxa de analfabetismo no Brasil é 9,6%.

Ainda de acordo com o levantamento, mais da metade dos moradores de aglomerados subnormais (55,5%) são pessoas pardas, seguidas de brancas (30,6%) e de pretas (12,9%).

A maior parte da população (34%) dessas comunidades tem rendimento mensal na faixa que vai de mais de meio salário mínimo até um salário mínimo. Apenas 4,6% ganham mais de dois salários mínimos. Entre a população que vive nas áreas urbanas regulares em municípios com ocorrência de favelas, 26% têm rendimentos que vão de mais de meio salário mínimo até um salário mínimo, e 27,1% ganham mais do que dois salários mínimos.

O levantamento aponta também que a população das favelas é, em média, mais jovem do que a de áreas de ocupação regular nas cidades com comunidades carentes. Enquanto nos aglomerados subnormais a idade média dos moradores é 27,9, nessas outras regiões urbanas é 32,7.

Fonte:Diário Liberdade

29/12/2011

Salário do professor no Brasil é o 3º pior do mundo

 CNTE - O professor brasileiro de primário é um dos que mais sofre com os baixos salários.
É o que mostra pesquisa feita em 40 países pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) divulgada ontem, em Genebra, na Suíça. A situação dos brasileiros só não é pior do que a dos professores do Peru e da Indonésia.
Um brasileiro em início de carreira, segundo a pesquisa, recebe em média menos de US$ 5 mil por ano para dar aulas. Isso porque o valor foi calculado incluindo os professores da rede privada de ensino, que ganham bem mais do que os professores das escolas públicas. Além disso, o valor foi estipulado antes da recente desvalorização do real diante do dólar. Hoje, esse resultado seria ainda pior, pelo menos em relação à moeda americana.

Na Alemanha, um professor com a mesma experiência de um brasileiro, ganha, em média, US$ 30 mil por ano, mais de seis vezes a renda no Brasil. No topo da carreira e após mais de 15 anos de ensino, um professor brasileiro pode chegar a ganhar US$ 10 mil por ano. Em Portugal, o salário anual chega a US$ 50 mil, equivalente aos salários pagos aos suíços. Na Coréia, os professores primários ganham seis vezes o que ganha um brasileiro.

Com os baixos salários oferecidos no Brasil, poucos jovens acabam seguindo a carreira. Outro problema é que professores com alto nível de educação acabam deixando a profissão em busca de melhores salários.

O estudo mostra que, no País, apenas 21,6% dos professores primários têm diploma universitário, contra 94% no Chile. Nas Filipinas, todos os professores são obrigados a passar por uma universidade antes de dar aulas.

A OIT e a Unesco dizem que o Brasil é um dos países com o maior número de alunos por classe, o que prejudica o ensino. Segundo o estudo, existem mais de 29 alunos por professor no Brasil, enquanto na Dinamarca, por exemplo, a relação é de um para dez.

Segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), o salário médio do docente do ensino fundamental em início de carreira no Brasil é o terceiro mais baixo do mundo, no universo de 38 países desenvolvidos e em desenvolvimento. O salário anual médio de um professor na Indonésia é US$ 1.624, no Peru US$ 4.752 e no Brasil, US$ 4.818, o equivalente a R$ 11 mil. A Argentina, por sua vez, paga US$ 9.857 por ano aos professores, cerca de R$ 22 mil, exatamente o dobro. Por que há tanta diferença?


23/12/2011

PSDB e seus crimes contra a educação: agora, o verniz oportunista

Correio da Cidadania - [Waldemar Rossi] “O PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), uma análise feita por um grupo de pesquisadores da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) para medir o grau de instrução nas principais áreas de ensino, coloca a rede das escolas públicas do estado de São Paulo apenas em 53º lugar entre as 65 avaliadas” (Diário de São Paulo, de 03/12/2011 – pág. 6).
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A informação se tornou pública e perturbou o governo paulista. E não era para menos, pois os “tucanos” estão no governo do estado desde 1995, ou seja, há 17 anos. Assim, não podem sequer jogar a culpa sobre os ombros de outros partidos políticos. Mais ainda, salvo um pequeno lapso de tempo, o governador Geraldo Alckmin sempre esteve no governo. No início como vice de Covas, depois titular, completando, com este ano, 13 anos com poder de decisões em suas mãos. Ninguém pode dizer que lhe faltou competência, muito pelo contrário, já que é um político muito bem assessorado e inteligente. O que faltou foi compromisso com nossa juventude e infância. Creio que, mais que isto, foi crime premeditado contra as gerações infantis e jovens desse longo tempo já passado.

Não podemos esquecer que o ensino público do estado paulista foi sistematicamente destruído a partir do governador Mário Covas, que nomeou para a Secretaria da Educação a professora Rose Neubauer. Esta, por sua vez, demitiu milhares de professores ainda não concursados, sem substituí-los, fechou escolas, concentrou alunos nas classes restantes (próximo de 50 em cada sala), eliminou matérias relacionadas com a sociologia, reduziu aulas de História e Geografia e, ainda, impôs pesado arrocho aos salários dos professores.

O objetivo do tucanato era permanecer no governo por 20 anos, pelo menos. Para atingir tal objetivo seria fundamental impedir a formação do senso crítico das gerações futuras. E conseguiram. Notemos que tal avaliação de baixíssima qualidade do ensino estadual, uma das piores do Brasil, não vem de nenhum “partido de esquerda” ou das sempre apontadas “oposições”. Vem de um órgão internacional voltado para os interesses do capital. Logo...

Como foi dito acima, a notícia buliu com o ego do governo paulista, que tenta dar nó em fumaça. Alckmin acaba de anunciar que as escolas com pior desempenho terão a partir do ano de 2012 a chamada residência educacional, ou seja, nova modalidade de estágio para universitários em escolas públicas. Cada universitário receberá bolsa de R$500,00 e auxílio transporte...

Por que “nó em fumaça”? Porque tal iniciativa não revoluciona, nem ao menos repara parte da destruição a que o sistema educacional paulista foi submetido; não elimina a deficiência curricular e não recupera a semi-alfabetização das várias gerações de jovens. Não há um plano de recuperação do professorado, nem de ampliação do quadro de professores e nem mesmo de recuperação do sistemático arrocho salarial. Compreendamos que o salário mínimo no Brasil, conforme o DIEESE, deveria ser hoje R$2.150,00. Quantos professores têm esse salário? Por conta dessa migalha, a maioria se vê forçada a procurar trabalho em mais de uma escola, ficando sem condições físicas e psicológicas para ministrar um ensino da qualidade exigida, um direito de toda a infância e juventude em escala mundial. Os estagiários receberão a maravilha de R$500,00! Ou seja, para tentar preservar sua imagem pública usará um verniz escolar, tentando, mais uma vez, enganar a população, em sua maioria mal informada e desinformada pelos poderosos meios de comunicação conservadores.

Porém, ao tomar a iniciativa de envernizar a educação no estado, para quem compreende um pouco de políticas públicas, tal medida é confissão do crime e o governo responsável deveria se tornar réu perante a Justiça e a opinião pública. Mas, infelizmente, nossa “justiça” tem que ser escrita entre aspas porque é inútil e mancomunada com a criminalidade imperante, uma vez que, ante os imperativos constitucionais, jamais tomou posição efetiva em defesa dos interesses de nossa infância e juventude.

Não podemos deixar de refletir sobre esse estado de coisas. Particularmente, o professorado deveria debater o caso com o povo, despertando-lhe a consciência amortecida e, com isto, ir criando condições para um amplo movimento popular visando exigir mudanças estruturais e punir os responsáveis pela catástrofe educacional. Que bom será quando o professorado paulista, coletivamente, decidir enfrentar pra valer o governo, a exemplo do que vem acontecendo em outros estados – Minas, Rio Grande do Norte, Ceará e outros.

Não se pode também desconhecer que o rebaixamento do padrão do ensino público tinha e tem também outro objetivo - muito perseguido e aplicado pelo tucanato no país inteiro: forçar o povo a procurar escolas particulares. Em outras palavras, para os tucanos (não apenas eles) o ensino deixa de ser um direito do cidadão e passa ser mera mercadoria, que deve trazer lucro para os empresários em vez de cultura para o povo. O que se passa na educação é válido também para outras áreas, como a saúde pública esfacelada e em processo avançado de privatização, o transporte, a telefonia, a energia elétrica, a Previdência Social. Agora, com Dilma, já temos também a privatização dos portos e aeroportos.

Enquanto deixam de aplicar o dinheiro dos impostos nas áreas vitais para o povo, os governantes vão despejando grandes quantias em obras faraônicas particulares, como estádios de futebol (em São Paulo, garantindo a estrutura complementar ao estádio do Corinthians) e em outras regiões, como a transposição do “Velho Chico”, construção de barragens predatórias e outras picaretagens que favorecem grandes empresas, sonegando os investimentos nas áreas de interesse popular e nacional. Tudo para favorecer criminosamente o capital espoliador.

Alckmin não está realmente preocupado com a qualidade de vida da infância e da juventude, o que vem mostrando ao longo dos seus mandatos. Está preocupado com sua carreira política. Por isto, as medidas anunciadas são meramente paliativas e, como tais, enganosas.

Waldemar Rossi é metalúrgico aposentado e coordenador da Pastoral Operária da Arquidiocese de São Paulo.

22/12/2011

Da educação mercadoria à certificação vazia

Le Monde Diplomatique - [Andrea Harada Souza] Enquanto não houver uma mudança radical, o próprio sentido de educação estará comprometido, posto que seu fim mais elementar não é atingido: em vez de promover a emancipação humana, produz lucro para o capital que só enxerga as camadas sociais C, D e E quando estas se apresentam como potencial mercado consumidor.
O ensino superior, público e privado, no Brasil passou por grandes transformações nas últimas décadas. Essas mudanças – travestidas de democratização, por favorecerem o acesso – visaram atender a uma proposta de privatização e barateamento da educação.

O Ministério da Educação (MEC) alardeia números, sobretudo para organismos internacionais – que obrigam o país a se enquadrar em padrões estipulados por eles na competição do mercado de consumo, trabalho e pesquisa –, que demonstram o crescimento do acesso ao ensino superior, ainda que distantes daqueles objetivados pelo Plano Nacional de Educação (PNE) (o acesso é de apenas 13,8% dos jovens, entre 18 e 24 anos). Porém, esse suposto processo de inclusão tem facilitado, para além do aceitável, um crescimento vertiginoso das instituições de ensino superior (IES) privadas, com desdobramentos que passam pela precarização do trabalho docente e pela formação duvidosa que essas empresas têm oferecido aos alunos por ela formados.

A predominância de objetivos economicistas em detrimento dos pedagógicos nas IES privadas permitiu um fenômeno relativamente novo no Brasil: a formação de conglomerados educacionais, grandes empresas, de capital aberto e com forte participação de grupos estrangeiros em seu quadro de acionistas. A autorização para funcionamento dessa espécie de oligopólio do setor educacional tem intensificado a visão mercantil da educação superior no Brasil. Os exemplos mais representativos desse modelo de organização empresarial na educação ficam por conta dos grupos educacionais Kroton-Pitágoras, Estácio de Sá, SEB (Sistema Educacional Brasileiro) e Anhanguera Educacional. Esta última, com a recente aquisição da Uniban, passou a ser o maior grupo educacional do país, atendendo aproximadamente 400 mil alunos em campi espalhados por diversos estados brasileiros. Além disso, manteve sua projeção de crescimento de atingir 1 milhão de estudantes em cinco anos, segundo matéria do Valor Econômico de 17 de novembro de 2011.

A alteração no padrão de financiamento das IES privadas promoveu uma mudança significativa no modelo de gestão: o papel que antes era predominantemente exercido por mantenedoras, de caráter familiar ou religioso, hoje passou a ser de responsabilidade de bancos ou fundos de investimentos que contratam executivos como seus representantes, padronizam procedimentos de relações de trabalho nos departamentos de recursos humanos e prestam contas ao fundo de ações. Decorre daí um perfil de gestão alinhavado com a lógica empresarial, sob responsabilidade de executivos, e muito distante dos objetivos educacionais que sempre foram sustentados por professores e pesquisadores.

Abandono do Estado


Tomado pela óptica do lucro, o setor educacional privado tem se valido, oportunamente, do abandono do Estado na oferta de vagas públicas para a formação superior. Dessa forma, as IES privadas, cuja existência deveria ter um caráter complementar, acabaram predominando e se consolidando em grupos que formulam e ditam as regras de seu interesse para a (des)regulamentação do setor, regras essas beneficiadas pelas chamadas políticas de parcerias público-privadas, as quais são alicerçadas sobre o princípio da transferência de dinheiro público para a iniciativa privada com a finalidade de que esta última cumpra o papel que o Estado se nega a exercer. No caso do ensino superior, essas transferências se dão predominantemente por meio do Programa Universidade para Todos (ProUni) e do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies), além dos programas de benefícios de isenção fiscal oferecidos pelo BNDES. Nesse ponto, o discurso falacioso do Estado e o do setor privado convergem: trata-se de iniciativas e proposições que manifestam concretamente a preocupação com a formação do brasileiro e com o desenvolvimento do país!

De modo geral, a consolidação da mercantilização da educação e a formação de oligopólios educacionais têm ocorrido com base na incorporação de princípios e fundamentos do setor empresarial, ou seja, na otimização dos recursos. Como afirma Marilena Chauí (2001), "a Universidade está estruturada segundo o modelo organizacional da grande empresa, isto é, tem o rendimento como fim, a burocracia como meio e as leis do mercado como condição". Essa fórmula – clássica do neoliberalismo – consiste na diminuição das despesas para o consequente aumento dos lucros. Assim, com vistas a assegurar um perfil rentável − à empresa, é claro −, torna-se necessária a precarização das relações de trabalho: redução de salários, perda de direitos, ameaças e cobranças pelo desempenho da instituição nas avaliações externas promovidas pelo MEC são alguns traços da rotina de professores das IES privadas.

Ao mesmo tempo, concorre para intensificar os contornos dramáticos desse quadro a expansão da modalidade EaD (educação a distância), que em 2010 fechou o ano com 973 mil alunos matriculados, o que corresponde a 30% de todos os universitários em instituições privadas. Nesse caso, a educação mediada pela tecnologia, que deveria servir para aproximar os extremos sociais, acaba por aprofundá-los. Contudo, para os empresários, o aliciamento desse recurso é tomado como mais uma vantagem mercadológica capitalista, sobretudo por potencializar sua capacidade de lucro.

Na outra ponta, os salários praticados nas IES privadas são – via de regra – aviltantes, o que obriga muitos profissionais a lecionar em várias instituições, seja para compor a renda, seja para se prevenir das demissões, muitas vezes arbitrárias. Nesse contexto, os professores se veem impedidos de desempenhar tarefas diretamente ligadas à sua função (e ao ensino superior, ou seja, ensino, pesquisa e extensão), absorvidos que estão por uma jornada de trabalho extenuante. No entanto, paralelamente a isso, ocorre um processo silencioso de captura da subjetividade dos docentes com objetivo de estabelecer uma competição interna, cuja face mais alarmante é a perda da autonomia. Como toda competição tem exigências, impõe-se que esses profissionais – para terem condição de competir – sejam aguerridos, "pró-ativos", competentes e indiferentes às questões coletivas, o que os leva a um distanciamento de seus sindicatos e associações e permite, muitas vezes, que sejam – deliberadamente – vistos como mão de obra manipulável pelos patrões.

Precarização e intimidação

Se de um lado temos a perda da autonomia dos professores como uma ameaça à própria noção de função docente, de outro notamos que, por parte dos empresários da educação, a oferta de uma formação aligeirada tem exigido profissionais cada vez menos críticos e progressivamente mais alienados da prática educativa. Não é raro o relato de professores do ensino superior que têm seus conteúdos – planos e ementas de cursos –, bem como suas avaliações, elaborados por um terceiro que nunca sequer esteve em uma sala de aula. Essa tentativa, por parte dos patrões, de padronizar a prática pedagógica para garantir um rendimento mínimo nas avaliações externas evidencia de maneira cabal seu propósito de controle absoluto sobre a mercadoria que vendem.

Dessa forma, a reação e a resistência a essa prática de mercantilização da educação impõem grandes desafios. No estado de São Paulo, que acompanhamos mais de perto, tem sido cada vez mais difícil o enfrentamento com os patrões do ensino superior nas campanhas salariais organizadas por nossa federação, a Fepesp (Federação dos Profissionais de Educação do Estado de São Paulo), pois há um evidente conflito nas pautas apresentadas para negociação. Do lado de lá, a ofensiva é para subtrair direitos historicamente conquistados e que, vistos com a luneta do capital, representam entraves normativos à expansão dos lucros. Em razão disso, questões como plano de carreira, regulamentação da EaD e aumento real são deliberadamente ignoradas pelos patrões, que, por sua vez, promovem lobbiesjunto ao Poder Legislativo, a fim de que as regras do setor continuem a beneficiá-los.

Entretanto, a predominância de valores empresariais na organização das IES e a falta de regulamentação efetiva por parte do MEC têm imposto uma permanente ameaça, ainda que velada, que é o desemprego. Assim, os professores insatisfeitos com salários e condições de trabalho incorporam a responsabilidade incutida pelo patrão, de que o mercado funciona assim: os insatisfeitos que se mudem. A aceitação dessa ideia leva a um comportamento defensivo, porque nos faz crer que nada pode ser feito e, por isso mesmo, qualquer iniciativa coletiva deve ser vista como prejuízo ao próprio trabalhador.

Há também que se ressaltar a necessidade urgente de que o debate sobre a educação seja tomado como fundamento para um crescimento qualitativo e efetivo do Brasil, sobretudo para a população que ainda anseia conhecer na prática a longo prazo esse crescimento. Para validarmos o princípio democrático do direito à educação, sem, contudo, ignorar que o mercado do ensino privado não arrefecerá a curto prazo, precisamos assegurar o investimento de 10% do PIB na educação pública – que estimamos universal e de qualidade –, a fim de que ela seja o referencial para o setor privado, e não o contrário.

Enquanto não houver uma mudança radical nesse quadro, o próprio sentido de educação estará comprometido, posto que seu fim mais elementar não é atingido: em vez de promover a emancipação humana, produz lucro para o capital que só enxerga as camadas sociais C, D e E quando estas se apresentam como potencial mercado consumidor.

A forte presença do controle corporativo em um setor essencial como a educação provoca sérias fissuras na malha social, na medida em que os desdobramentos da transferência tácita da responsabilidade do Estado para a iniciativa privada têm autorizado o funcionamento de fábricas de diplomas com certificação vazia, para uma população que, embriagada pela democratização do acesso, ainda não se sabe enganada.

Andrea Harada Souza é professora de literatura, presidente do Sinpro Guarulhos e membro da coordenação estadal da CSP-Conlutas

Ilustração: Daneil Kondo

Referências bibliográficas:

CHAUÍ, Marilena. Escritos sobre a universidade. São Paulo: Ed. Unesp, 2001.INEP. "Sinopse da educação superior no Brasil", 2009. Disponível em: www.inep.gov.br.

14/12/2011

“O neoliberalismo situa a educação no mercado da competição, da produção exacerbada”

Envolverde - [Sergio Kisielewsky] O olhar do brasileiro Alfredo Veiga-Neto sobre a educação deita raízes em Foucault. O futuro de uma escola em sociedades mais complexas. O neoliberalismo equipara a educação, assinala, com o comprismo, mais que com o consumismo.

Alfredo Veiga-Neto estudou biologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), graduou-se em Música e dedicou-se à execução de piano, mas como um passatempo, diz com uma mistura de respeito e saudade.

Dedicou-se plenamente à publicação de livros e orientações de teses. Pensou a obra de Foucault aplicada ao campo da educação com a complexidade e variáveis que oferece uma dedicação ao estudo tão ampla quanto misteriosa.

Convidado, no começo de setembro, pela Universidade Pedagógica de Buenos Aires (Unipe) para o 1º Colóquio de Biopolítica, Veiga Neto é professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Veiga-Neto conversou com Página/12 sem deixar de lado sua admiração pelos grandes poetas brasileiros como Vinícius de Moraes, Manuel Bandeira e Mário Quintana. Em uma hora de conversa se estendeu sobre os temas que sempre o obcecaram, a escola no marco de uma sociedade que cada dia oferece mais possibilidades de reflexão, mas também sérios riscos de estratificação social.

Eis a entrevista.


Como vê a reivindicação da comunidade educativa chilena diante do governo de Sebastián Piñera?

Isto diz respeito às relações entre o mundo educativo, o mundo da escola, e quando falo da escola de crianças, jovens e adultos, o mundo do professorado, dos mestres, o mundo social, nesse mundo. Nessas relações que são muito mais que relações mecânicas, para usar uma palavra de Deleuze, são relações imanentes, são relações necessárias, inseparáveis, questões que se articulam de uma maneira muito íntima. O problema do Chile não é um problema educacional, mas o problema de uma concepção.

A que corresponderia essa concepção?

Corresponderia a uma situação de competição permanente, uma racionalidade que se mostra liberal, mas é neoliberal. A característica das sociedades neoliberais de comprar em demasia, uma espécie de comprismo, é mais que consumismo, porque quando se fala de consumo fala-se de coisas que se compram e que se usam; o comprismo é algo meio irracional, razão pela qual se compra mais do que se necessita usar.

É como o excedente.

Uma coisa inútil, uma imoralidade de compra. Isso é muito típico das sociedades neoliberais. Há uma superposição de lógicas, de racionalidades, a racionalidade neoliberal se concentra muito mais na competição exagerada entre as pessoas e consigo mesmo. Tenho que comprar e adquirir e ser melhor.

A educação, no caso do Chile, está sob a tutela do mercado e não do Estado?

Na lógica neoliberal é necessário colocar a educação não como um bem social com a tutela da sociedade e do Estado, mas sob a tutela do mercado de competição, de produção exacerbada, de consumo, de compra e de competição exacerbada. Insisto nisto porque devemos aprender a competir com os outros.

A competição é eliminar o outro, o diferente?


Eliminar aqueles que não podem consumir, aqueles que não podem comprar, é uma lógica que leva o capitalismo a avançar. Nesse marco, e não sou original ao dizer isso, é uma ideologia, uma forma de vida, uma forma de estar no mundo, de silenciamento.

Então, a escola deixou de ser um lugar seguro?

O ensino não é para ter uma situação de segurança, mas que devo me preparar para competições futuras segundo a racionalidade neoliberal. Há tentativas de fazer isso no Brasil, em especial dos grupos privados na educação superior, universitária, isso não é hegemônico como no caso do Chile. Ali não é uma questão educacional, manifesta-se na educação, nos direitos que não há, que não existem, que são cortados. É uma questão mais radical.

Ao modelo neoliberal não interessa a educação?

Interessa-lhe para reproduzir mais fortemente o modelo. Para a população, para os direitos humanos, mas a equidade não interessa. A educação é importante para o capitalismo avançado, não apenas porque produz mão de obra mais capacitada, produz uma sociedade que responde bem, mas para uma reprodução do estatus quo, da lógica neoliberal.

É para eliminar o pensamento crítico?

Evidentemente que sim, caso contrário, para que a crítica se estamos no melhor dos mundos?

Você assinalou que as escolas não são visíveis. A que se refere essa não visibilidade?

A racionalidade neoliberal pensa que a escola é necessária, mas que não deve fazer barulho, problematizar, não deve ser questionadora. Então as escolas devem ser invisíveis, silenciosas, que façam sua tarefa que é reproduzir, ampliar o neoliberalismo.

Você escreveu que "no coração do neoliberalismo não está a liberdade, mas a segurança".

Em nome da segurança eu entrego a minha liberdade, pago para não ser livre. Para que na minha casa haja mecanismos, aparelhos de controle e também haja um hipercontrole, significa que tudo é rastreável, tudo é registrad;, é um monitoramento permanente. Tudo é visto, conhece-se se o perfil do consumidor, e isso é uma perda da liberdade em nome da segurança.

Como se medem os "resultados" em matéria educativa?

Com o mínimo de investimentos de insumos se obtém um máximo rendimento da máquina escolar, pouco importando as coisas não mensuráveis da educação, que são muitas: a formação do caráter, da consciência política, a consciência do estar no mundo. Isso não interessa, interessa o que as pessoas podem produzir, as pessoas se transformam também em mercadorias. Insumo mínimo para o máximo de rendimento. A eficácia é a máquina em funcionamento. Creio na eficiência, mas não no sentido economicista.

Você falava dos sujeitos sujeitados nessa maquinaria.

Os alemães falavam, no século XVIII, de uma formação integral e isso não significa ineficiência. O acento não está na eficiência, mas no sujeito, sua posição no mundo e consigo mesmo.

Ao contrário do Chile, como avalia o acesso à educação no Brasil e na Argentina?

Entende-se a educação como um direito social, como um direito humano. Pagar a educação é o que interessa ao Estado, com um sentido solidário. Há movimentos no Brasil que dizem que as pessoas que podem pagar pagam e isso não prosperou nos últimos oito anos. Foi uma tentativa também do governo social-democrata de Fernando Henrique Cardoso. Apesar das críticas que tenho ao governo Lula, reconheço seu apego à educação pública, à educação de qualidade, gratuita e de uma ampliação da base social no ensino técnico e universitário.

Qual é a diferença entre disciplina e disciplinamento?
A diferença está no acento, na ênfase. Atualmente, não é possível a vida social sem normas disciplinares, mas isso não significa um disciplinamento da população. Foucault tem uma frase muito famosa: "O iluminismo inventou as liberdades e também a disciplina". Há um equilíbrio. A questão é uma educação centrada na disciplina que é uma coisa terrível, uma coisa fascista. Outra coisa é uma educação onde a disciplina ocupa um lugar para uma vida civilizada.

Como se medem os resultados a partir do currículo escolar na educação?


É uma pressão para os professores, para o funcionamento das escolas. Na formação dos alunos tudo é mensurável, mas nem tudo é mensurável, isso é algo que não podemos esquecer. No Brasil, fazemos todo o possível para que a educação tenda à igualdade, seja gratuita.

Inclui os sem terra?

A minha universidade, em Porto Alegre, tem um programa de aulas para os sem terra. Há centros educativos que têm programas de inclusão social muito fortes. De indígenas, de sem terra, negros.

Há muitos jovens e adolescentes fora da escola?


Poucos. Há diferenças no nordeste, no norte e no sul. É muito pequena a porção que está fora da escola, são questões às vezes geográficas com baixíssima densidade demográfica. A evasão escolar é cada vez menor. Lula e seu governo deram continuidade a esta política. É um governo de ações, em alguns casos de corte neoliberal, em relação aos bancos, aos investimentos, ao sistema financeiro, mas em questões de saúde e educação não seguem esse rumo.

Como conseguir que os excluídos vão se integrando à rede escolar?

É diferente de acordo com o tipo de exclusão. Para os surdos, por exemplo, que é uma grande parcela da população que até há poucos anos era invisível, há programas muito fortes de inclusão. O Brasil, hoje, tem duas línguas oficiais que são o português e a linguagem dos sinais. No caso de autistas ou síndrome de Down, alguns programas estão equivocados, porque em uma mesma sala de aula estão todos juntos e o professor fica com todos e isso é complicado. É um pouco forçado, exagerado.

Não chama a atenção o fato de que se exige muito do professor em especial com a irrupção das novas tecnologias?


Muito. O estresse pega forte, há estudos muito interessantes sobre a neurose. Há uma obsessão pela produtividade docente. Há uma combinação entre uma sociedade televisiva e um sentido mercantil da profissão intelectual, de aparências. A própria comunidade docente tomou para si o hipercontrole de seus colegas. Há organismos de controle, formados por professores acadêmicos burocratas.

Rompem-se os laços de solidariedade.


Em uma sociedade de consumo é necessário descartar; se posso consumir coisas novas jogo as velhas fora. Uma sociedade de competição é uma sociedade do descarte. Também se descartam os afetos, uma sociedade sem passado nem futuro, presentificada, importa apenas o aqui e agora, sociedades muito rápidas, comidas rápidas, amores rápidos, porque tudo é presente.

Como educar nessa sociedade com esses valores? O que se deve fazer?

A escola foi pensada para não ser assim. Foi pensada como um lugar de encontro e estabilidade, há uma defasagem entre a escola e a sociedade. É um momento de crise, vivemos mais, mas não se sabe o que vivemos.

Houve um conjunto de lutas das entidades de professores que tentaram recompor o nível de importância da educação na sociedade.

Mas os novos professores nestes 10, 15 anos, não sabem nada disso. Sem memória nem tradição, estão como que anestesiados em matéria política. O último movimento de jovens no Brasil foi em 1992, com a saída de Collor de Mello.

Por que você, a partir do marco educacional abraçou as teorias de Foucault?

Tenho um mestrado em Genética. Comecei em Biologia e passei para a Educação em Biologia e depois para a Sociologia da Educação. Passei pelo marxismo e no final dos anos 80 comecei a ler Foucault. Ele problematizava assuntos e respondia e perguntava sobre coisas muito próximas da minha experiência com a docência. Me chamou a atenção a microfísica nas salas de aula, as coisas pequenas que acontecem no cotidiano, as relações de poder, as relações de dominação e de violência escolar. Pensei que esse homem tem muito para dizer. Ele me permitiu ver coisas que com outros óculos não enxergava. Newton, no século XVII, construiu uma teoria do movimento que foi o fundamento da física moderna, viu coisas como a relatividade, a teoria quântica, os raios X, coisas que não eram conhecidas na época de Newton. Outros vieram depois e fizeram outras teorias e isso não invalida Newton. Quanto mistério vale calcular as órbitas dos satélites, mas a teoria da luz de Newton está superada. Foucault vê outras coisas que Marx, e isso não invalida Marx, que as escreveu no século XIX: Marx não podia falar de um trabalho imaterial, trabalho intelectual, dos sábios, dos filósofos. Hoje há os movimentos feministas, as minorias, os direitos humanos.

Qual a contribuição de Foucault para a problemática educativa?

Para Marx, a escola era um lugar de liberdade, para Foucault é uma instituição de sequestros. Os hospitais, as prisões, são coisas naturalizadas. E a escola funciona assim desde o século XIX. É um sequestro voluntário, mas tens que ir, não podes deixar teu filho fora da escola. Não está contra a escola, mas tem um olhar crítico.

Queria lhe perguntar sobre o que você escreveu sobre o tecido urbano, nas grandes cidades onde nas escolas há multidões de alunos, salas de professores repletas. Como incide na qualidade educativa?

As instituições escolares são feitas para ensinar. E para ensinar têm que fechar, porque os corpos livres são perigosos, é necessário colocar todos em espaços fechados, às vezes são espaços simbólicos, podem sair mas não saem. A escola ensina coisas e que são introduzidas no currículo escolar, que é tudo o que se ensina aos alunos e há o que se chama currículo oculto, que não está tão oculto, está visível. Há toda uma consideração sobre o currículo, o que se pode fazer em cada tempo em cada momento, como conter os corpos, a produtividade dessas condutas, desses processos de controle.

O que foi que o marcou como docente e pesquisador?

Quando levei coisas escritas a um exame. Não sabia que não se podia copiar, tinha 11 anos e levei um dicionário, a professora o viu e me tirou a prova, fui reprovado e quase expulso; foi uma tragédia. Era um dicionário com uma dedicatória do meu pai.

Como recorda as teorias de Paulo Freire e suas teorias sobre a educação em um âmbito de liberdade?

Esses textos dos anos 70 eram proibidos no Brasil pela ditadura. Quando a Biblioteca da Universidade comprou pela primeira vez um livro de Paulo Freire, Pedagogia do Oprimido, o fiz de maneira secreta, quase clandestina. Ainda é muito lido no Brasil, há uma memória muito forte sobre sua contribuição para a pedagogia.

Como se define hoje o lugar do saber, o lugar de quem ensina? É um lugar de poder?

É uma centralidade, uma invenção que coloca regras na vida social. Quem parte e reparte fica com a melhor parte. Os políticos inventam, a propaganda inventa e as invenções parecem verdadeiras. A questão é reconstruir essas invenções, desarmar esses mecanismos e isso para Foucault é fundamental. Há lugares do saber, a academia é um lugar físico, mas a posição do sujeito professor, mestre, intelectual é uma invenção. A questão é como fazer a desconstrução, a desconstrução das verdades, do que parece evidente. Foucault disse: "Como tornar difíceis os gestos fáceis, muito fáceis". As coisas são complexas, mas há pessoas que assumem sua posição de sujeitos ativos para modificar a realidade. Houve condições de possibilidade histórica, social, para que surgisse um Lula, por isso os atores sociais são importantes na educação e na vida de uma sociedade.

13/12/2011

A militância estudantil deve necessariamente emburrecer?

Mário Maestri

O militante universitário de esquerda é acusado pela reação de falso estudante e ativista profissional: ele não estaria interessado em estudar, em aprimorar seus conhecimentos, em terminar o curso, interessando-lhe apenas o “proselitismo” e a “agitação”. Tratar-se-ia de um corpo estranho ao ambiente universitário, ali lançado com o exclusivo fim de arregimentação política. Tristemente não estaríamos longe da verdade, dando-se uma versão revolucionária a essa descrição.

A prática de esquerda na Universidade tem-se dado no contexto de um profundo empirismo e falta de propostas para a construção do militante e para uma alternativa geral para o movimento estudantil. Isto tem levado a um superatismo e militantismo[1] que, apoiando-se na disponibilidade de tempo e nas escassas responsabilidades do estudante (trabalho, família, etc.), criaram uma quase paródia de práxis política.

Mais comumente, o aproveitamento acadêmico do estudante/militante é mínimo. Seu nível de reprovação é alto ou ele mal mal aproveita o estudo. Também devido a isso, o discurso de esquerda – nos seus mais diversos sabores – é cada vez mais questionado pelo público universitário. A militância estudantil torna-se “um momento na vida”. É baixa a porcentagem dos ativistas estudantis que mantém uma militância depois de saídos da Universidade.

Entretanto, a referida disponibilidade de tempo e as profundas contradições que a juventude vive, devido às perspectivas que lhe apresentam estruturas sociais e familiares profundamente desumanas e hipócritas, permitem que a Universidade ainda seja a maior sementeira de quadros marxistas. Portanto, compreende-se a importância desta discussão.

Aparelhar ou interpretar?


Inicialmente, coloca-se o problema da extração social da população universitária que pode ser cooptada no contexto do tipo descrito de militância. Hoje, somente companheiros provenientes da classe média-média e, principalmente, média-alta, podem despreocupar-se com os estudos. Os setores empobrecidos que chegam à Universidade são obrigados a trabalhar para sustentar-se e para pagar os estudos. Em todo caso, são obrigados a enfrentar mais responsavelmente a vida acadêmica. Portanto, este tipo de militância afasta um setor estudantil que nos interessa por múltiplos razões.

O militantismo leva a que ativistas estudantis comecem, cada vez mais, a aparelhar[2] – e não a expressar e interpretar – as necessidades da população universitária e de uma Universidade voltada para o mundo social. O militante abandona – ou segue formalmente – o ritmo normal dos cursos, envolvido por um ativismo partidário e estudantil que exige um sem-número de reuniões, de plenárias, contatos, viagens, etc. Não assiste às aulas, não se prepara para as provas, não participa dos grupos de trabalho.

A vida universitária tende a ser abandonada pelo estudante/militante por uma outra – inter pares – com uma dinâmica própria e, muitas vezes, em contradição com a do conjunto dos estudantes. O fato de se afastar das salas de aula e dos estudos leva o militante a não sentir mais o verdadeiro ritmo e as necessidades do conjunto dos universitários. Mesmo quando percebe este ritmo, não alcança a intervir em sua gênese e desenvolvimento quotidiano. Nesse contexto, o ativista estudantil passa a ser visto pelos colegas como uma pessoa talvez admirável, mas estranha ao grupo universitário.

Além do empobrecimento da própria prática política, o ativismo/militantismo tem outras consequências. Para não perder totalmente seus cursos, o militante tende a “colar-se” a um estudante “caxias”, participando apenas formalmente dos grupos de trabalho, dos exercícios, etc. Em certo sentido, torna-se uma espécie de parasita. Outra solução, ainda mais grave, é a utilização, consciente ou inconsciente, do peso da liderança e da representatividade que detém para obter “isenção” de trabalhos ou provas dos professores progressistas ou para “atemorizar” e “amaciar” os mestres reacionários.

Pomadas Universais

Como decorrência deste tipo de prática, da falta de uma formação marxista minimamente sólida possibilitada pelas organizações, do rechaço automático à formação acadêmica burguesa, o quadro político universitário tende, em geral, a pensamento esquemático e simplista, quando não dogmático. O que é, convenhamos, continuidade do “pensamento” geral da esquerda brasileira militante, passada e presente. O corolário desta realidade é a concepção (geralmente implícita) que uma leitura (bastante rápida) das obras marxistas clássicas substitui todas as áreas do conhecimento das ciências sociais burguesas. Para a história do Paleolítico ou para a Sociologia da Linguagem, Trotsky ou Stalin são tidos como verdadeiras “pomadas universais”.

Em verdade, temos que reconhecer que esse tido de militante universitário não é mais do que um prolongamento de duas concepções esposadas por amplíssimos setores da esquerda brasileira organizada. A primeira, é a despreocupação profunda com a realidade nacional, passada e presente. Discutem-se comumente teses, táticas, caracterizações e estratégias sem a mais mínima análise sólida da formação social ou histórica brasileira e sem um levantamento sistemático e científico da realidade empírica em causa.

Em verdade, acredita-se que é possível pronunciar-se politicamente brandindo algumas “regras sociológicas” (geralmente de cunho mais weberiano do que marxista), alguns preceitos políticos socialistas, com um mínimo de informação (Jornal do Brasil, Folha de São Paulo, etc.) e muita ideologia. É desnecessário dizer que, desprovido do método marxista e de uma real apropriação da realidade, nunca interpretaremos a realidade a partir da ótica do proletariado. No máximo, expressaremos a média de nossas opiniões sobre o que discutimos, filtrada por profundas deformações de classe.

Ao lado e de mãos dadas com este simplismo metodológico, conhecemos igualmente um profundo desdém pela produção, pelos métodos e pelos conteúdos das ciências sociais burguesas. Porém, esse verdadeiro desprezo não se dá em um sentido positivo, através da superação dialética dos métodos e dos resultados daquela produção, mas através do seu desconhecimento essencial. E, na maioria das vezes, quando é necessário um referencial mais específico em uma discussão ou em uma elaboração, a produção burguesa ou pseudomarxista é utilizada em forma superficial e assistemática.

A discussão sobre o caráter de práxis política no que diz respeito aos métodos, às políticas, às ligações com o movimento de massas, etc. transcende aos quadros da discussão da militância na Universidade. Inevitavelmente, esta última é consequência de práticas – ou falta de práticas – sociais mais políticas, mais científicas e mais sistemáticas. Na Universidade, porém, devido às suas especificidades, estas distorções e deficiências tornam-se agudíssimas, ensejando profundas críticas das mesmas pela comunidade em questão. Daí o interesse em começar pela universidade uma discussão que deverá, necessariamente, se dar enquadrada pelo geral. Portanto, avançamos as seguintes propostas para a discussão.

1. A necessidade de compreender a vida estudantil e a militância na Universidade como um momento da vida do militante. E, para que assim seja, a militância deve qualificar a futura vida profissional e incorporação ao mundo produtivo, e não comprometê-las com uma formação profissional deficiente ou inacabada;

2. A imprescindibilidade de que o militante seja um assíduo participante das atividades acadêmicas (aulas, trabalhos, etc.). A sala de aula – e não os corredores ou o Centro Acadêmico – deve ser o espaço fundamental da prática política na Universidade;

3. A necessidade da apropriação substancial de todos os conteúdos acadêmicos como caminho incontornável para a sua crítica e para a própria apreensão do método marxista;

4. A necessidade de uma sólida formação marxista intimamente ligada à prática política concreta e à realidade política nacional ou internacional.

* Esperamos que não seja de toda inútil a publicação tardia desse texto, escrito para os universitários da FURP, ruptura com a Convergência Socialista, em 1979. Vai dedicado ao ex-camarada e ex-estudante Romualdo Portela de Oliveira [em tudo caxias] que recordou a existência do mesmo. [Realizamos retoques formais.]

[1] Militantismo: ênfase da intervenção e desconsideração da teoria.

[2] Aparelhar: servir-se do movimento para objetivos organizativos.




Diário Liberdade

10/12/2011

Para estudantes de escola do Rio, mariola é refeição

Estado gasta R$ 0,10 por dia com cada aluno. Em um colégio, crianças ou comem ou bebem

POR PÂMELA OLIVEIRA


Uma mariola: foi esse o único alimento que os estudantes do Colégio Estadual Irmã Dulce, em Cosmos, receberam da escola quarta-feira passada. Na unidade, com cerca de 1.300 alunos, os adolescentes só recebem um alimento sólido e um líquido uma vez por semana. Nos outros dias, ou comem ou bebem. Com fome, estudantes que entram às 7h e saem ao meio-dia contam que chegam a desmaiar. Na escola Professora Vilma Atanázio, em Campo Grande, má alimentação também é regra. Alunos recebem um copo de guaraná e um pão, armazenados em condições precárias. 

“O lanche é muito ruim, muito pouco, não alimenta ninguém. Nós nunca recebemos almoço na escola porque não temos uma cozinha preparada. Eu já quase desmaiei porque fiquei muito tempo sem comer e minha pressão baixou. Sorte que uma professora viu que eu não estava bem e me deu um biscoito salgado”, contou Dayane Cabral, 18, que estuda no Irmã Dulce. 
Como O DIA mostrou ontem, as duas unidades sofrem ainda com falta de estrutura. Salas sem janelas, com ventiladores que não funcionam e outra em que a água da chuva entra pelo teto, janela e até pela lâmpada são alguns dos problemas. 

VERBA CURTA

As diretoras das escolas admitiram, em vistoria da Blitz nas Escolas realizada pela deputada Clarissa Garotinho, a precariedade da alimentação e reclamaram do valor repassado pelo Estado: R$ 0,40 por dia para cada aluno — o estado arca com R$ 0,10 e o governo federal com R$ 0,30. “É muito pouco, principalmente para escolas sem cozinha, que compram produtos prontos. Como um aluno com fome vai se concentrar e aprender?”, questiona a deputada.

Proibido, mas em sala de aula

Uma das bebidas oferecidas pelos colégios visitados pela Blitz nas Escolas é o guaraná, alimento proibido na alimentação escolar pelo Ministério da Educação, segundo a própria superintendente de Infraestrutura da Secretaria Estadual de Educação, Fátima Abreu. Ela afirma que o estado tem cardápio a ser seguido. E garantiu que a mariola não pode ser oferecida sem complemento.

Na quarta-feira, a diretora do Colégio Irmã Dulce, que se identificou como Ana Maria, confirmou durante a vistoria na escola que deu apenas bananada aos estudantes do colégio. Equipe de O DIA acompanhou a vistoria.
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Sem cozinha, geladeira armazena de forma precária o pão oferecido de merenda em colégio de Campo Grande | Foto: Alessandro Costa / Agência O dia
 A alimentação precária pode prejudicar o desempenho dos alunos, alertam especialistas. A problema pode ter afetado o resultado do Enem em que as escola ocuparam as posições 4330 e 4369, com baixa participação dos estudantes e médica de 520 e 519 pontos no total 1000. “O aluno precisa estar alimentado para se concentrar e aprender”, diz a nutricionista Nadjanara Rodrigues. 

Fátima Abreu admite que a verba de R$ 0,40 é insuficiente e afirma que o estado estuda aumentar o valor. “Em 2012 faremos um projeto piloto em que 147 escolas receberão R$ 0,75”, afirma.

FONTE: O DIA


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09/12/2011

DA Letras UFMG - Nos últimos meses todos os estudantes se comoveram com a brava greve de 112 dias dos trabalhadores em educação da rede estadual. O movimento desmascarou a campanha publicitária de Aécio, Anastasia e o PSDB e mostrou que a educação em Minas não é um mar de rosas. Os professores e funcionários lutaram para exigir o cumprimento da Lei Federal do Piso, que o Governo Federal criou, mas não fez cumprir em diversos estados, como é o caso de Minas Gerais.
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Ao apagar das luzes da noite do último dia 23 de novembro foi aprovado na ALMG o substitutivo do Projeto de Lei nº 2.355, que coloca todos os trabalhadores em educação da rede estadual de volta à farsa do Subsídio. Foram 51 votos a favor e 20 contra, sendo que o substitutivo foi entregue na ALMG um dia antes da sua aprovação, ou seja, quem votou a favor mal conhecia o projeto e o fez seguindo ordens do governador Anastasia (PSDB).

O Subsídio trata-se de uma medida que mantém desvalorização e os baixos salários, destrói a carreira dos servidores reduzindo os gastos do Estado com a remuneração e rebaixa os valores das futuras aposentadorias, numa espécie de “reforma da previdência velada”.

Estes 51 parlamentares aprovaram uma medida que é um verdadeiro ataque aos trabalhadores em educação. Para justificar tamanho descaso, afirmam em uníssono com Anastasia que o estado está quebrado, que faltam verbas, que é impossível conceder mais investimento para a educação. Mas essa falácia cai por terra quando vemos as obras da copa acontecendo a todo vapor, quando o governo faz concessões bilionárias em isenções fiscais e incentivos aos empreiteiros e grandes indústrias e quando vemos o quanto o governo tanto em nível estadual quanto federal entrega o dinheiro dos trabalhadores para pagar a dívida pública.

Frente a essa situação revoltante de descaso com os trabalhadores em educação e com os estudantes de todo o estado, o DA-Letras gestão Ao Pé da Letras manifesta seu repúdio ao governador Anastasia e seus 51 deputados, que são inimigos da educação e dos trabalhadores. Fazemos um chamado a todos os estudantes e coletivos independentes de governos e reitorias e fortalecer a luta em defesa da educação pública denunciando amplamente este governo e participando do Plebiscito Nacional pelos 10% do PIB para a Educação Pública.

> Nenhuma confiança no governo Anastasia e seus 51 deputados inimigos da educação pública!
> Pelo fim do subsídio e pela reconstrução da carreira já!
> Pelo cumprimento imediato da lei piso nacional dos trabalhadores em educação em todo o país, rumo ao piso do DIEESE!
> Queremos 10% do PIB para a Educação Pública já! Não ao PNE do Governo Dilma!
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07/12/2011

Segundo relatório da Unesco, modelo de educação chileno gera desigualdade e exclusão

Conclusões do estudo vão de acordo às reivindicações do movimento estudantil chileno
Saibam vocês que, muito mais cedo do que imaginam, de novo se abriram as alamedas por onde passe o homem livre, para construir uma sociedade melhor
O sistema educacional chileno fomenta a desigualdade e a exclusão social. Esta é a conclusão de um relatório recém-divulgado pela Unesco (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura) que vai ao encontro das reivindicações do movimento estudantil chileno – que há meses realizam paralisações em todo o país pedindo uma educação pública gratuita e de qualidade.

Segundo o levantamento da Unesco, “o caso do Chile chama a atenção pelo alto valor do financiamento estatal a entidades privadas, o que termina gerando um mecanismo escolar de institucionalidade e funcionamento complexos. Estes parecem existir para atender, preferencialmente, à liberdade de ensino, e não à garantia do direito à educação por parte dos estudantes”.

Leia AQUI a íntegra do documento.

O estudo também aponta que a educação chilena está orientada por processos de privatização que desencadeariam mecanismos seletivos discriminatórios, e destaca que “não há dúvidas de que, por exemplo, as provas de admissão estabelecem critérios e efeitos de diferenciação que, na prática conduzem à segmentação”.

O estudo, liderado pelo costarriquenho Vernor Muñoz, relator especial da ONU sobre direitos da educação, fez um balanço comparativo dos sistemas educacionais vigentes em quatro países (Chile, Argentina, Uruguai e Finlândia), e apontou que o modelo chileno é o único dos quatro que “protege e beneficia a iniciativa privada, viciando o conceito de educação como bem público”.

Para Danae Mlynarz, cientista política e especialista em políticas públicas da PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Chile, o relatório da Unesco reitera não só uma série de deficiências do sistema educativo, evidenciadas pelo movimento estudantil, como também a falta de serviços públicos. Segundo ela, eles são subsidiados e não distribuídos aos mais necessitados. “Está vigente no Chile, desde os anos 1980, a lógica neoliberal de poucos direitos sociais e muitos bens de consumo, incluindo serviços básicos como educação, saúde, previdência, habitação, entre outros”.

O relatório da Unesco também denuncia que nos últimos dez anos, o país têm delegado a outras instituições a sua responsabilidade estabelecida pelo direito internacional de garantir educação universal. O Chile assinou e ratificou tratados internacionais, como o Pacto internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que o obriga, segundo Vernor Muñoz, “a tomar medidas imediatas e inadiáveis para alcançar, gradualmente, a gratuidade na educação de nível médio e universitário”. Justamente o que pede o movimento estudantil.

Porém, em contradição com os compromissos internacionais assumidos, a constituição do país respalda o atual modelo vigente, a qual o governo, apesar da crise, tenta defender. Segundo o relatório de Muñoz, a carta magna chilena não apresenta nenhuma restrição objetiva à mercantilização da educação, e enfatiza a proteção do direito dos pais de escolher onde querem educar os seus filhos. Isso significa que a lei deposita nos pais um alto grau de responsabilidade pela qualidade da educação que receberão os seus filhos, em detrimento da responsabilidade do estado de garantir a educação como direito universal básico.

O principal contraste chileno, entre os países investigados pelo relatório, se dá com a vizinha Argentina. Considerado, entre os quatro países estudados, como modelo de sistema que contribui para a equidade social, o sistema educacional argentino é baseado em ensino público gratuito desde o ensino fundamental até o universitário, e sua Constituição estabelece ampla responsabilidade do Estado nas funções de planificação, organização, supervisão e financiamento da educação.

Apesar do respaldo que o relatório dá ao movimento estudantil, confirmando a pertinência de suas demandas, Danae Mlynarz não acredita em consequências políticas imediatas, ainda que isso signifique enfraquecer tratados internacionais (“não seria a primeira vez”).

Ela citou o orçamento da educação para 2012, aprovado na semana passada para demonstrar que “o governo não mudará o sistema, que continuará privilegiando a educação privada”. Que, para ela, é “o conceito de educação como bem de consumo, e não como direito”. Mlynarz concluiu advertindo que “a rejeição ao modelo atual repercutirá com mais força em 2013, quando deverá ser um dos principais temas das próximas eleições presidenciais”.
 

06/12/2011

Gramsci e histórias em quadrinhos: Mafalda e a construção de sentidos contra-hegemônicos

Autor:Carlos Eduardo Rebuá Oliveira
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação da UERJ (Proped)
Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)

A hegemonia em Gramsci


Se o conceito de hegemonia é um dos mais difíceis de definir dentro do pensamento marxista, tendo sido interpretado como liderança e/ou como domínio, será com Antonio Gramsci (1891-1937) que tal conceito alcançará seu pleno desenvolvimento como conceito marxista.

Considerado por muitos estudiosos de Gramsci seu conceito chave e sua maior contribuição à teoria marxista, a "hegemonia gramsciana" era ainda um conceito pouco desenvolvido antes de sua prisão pelo Estado fascista, em 1926. Da concepção pré-cárcere de hegemonia como uma estratégia da classe operária e um sistema de alianças que o operariado deve dar início com o objetivo de derrubar o Estado burguês, Gramsci passa a compreender a hegemonia, já nas anotações da prisão (que dariam origem à sua maior obra, os Quaderni), como o modo pelo qual a burguesia estabelece e mantém sua dominação (hegemonia como projeto de classe). Analisando historicamente a Revolução Francesa e o Risorgimento italiano, Gramsci vai buscar entender como se construiu nestes países a chegada da burguesia ao poder e, sobretudo, a manutenção deste poder, definindo o Estado, a partir principalmente de Maquiavel, como força mais consentimento, coerção mais consenso, sociedade política mais sociedade civil.

Gramsci amplia a teoria leninista do Estado, defendendo que a hegemonia não se reduz à força econômica e militar, mas resulta de uma batalha constante pela conquista do consenso no conjunto da sociedade (grupos subalternos e potenciais aliados). Segundo o pensador sardo, a hegemonia corresponde à liderança cultural e ideológica de uma classe sobre as demais, pressupondo a capacidade de um bloco histórico (aliança de classes e frações de classes, duradoura e ampla) dirigir moral e culturalmente, de forma sustentada, toda a sociedade (Moraes, 2009, p.35). Portanto, é impossível pensar a hegemonia sem pensar na luta de classes:


Falar em hegemonia e contra-hegemonia é pensar no antagonismo entre as classes sociais que, a partir de sua posição dominante ou subalterna no interior da sociedade e do Estado de classes, exercem, sofrem e disputam permanentemente o poder. (Dantas, 2008, p. 91)

Como categoria dinâmica, a hegemonia pressupõe negociações, compromissos, renúncias por parte do grupo dirigente que se pretende hegemônico. A base material da hegemonia é construída a partir de concessões e reformas com as quais se mantém a liderança de uma classe (ou frações de classe) e pelas quais outras classes (aliadas ou subordinadas) têm suas reivindicações atendidas. Para Gramsci, a hegemonia não pode ser garantida sem desconsiderar demandas mínimas dos "de baixo", sendo fundamental a classe dirigente saber ceder, saber realizar sacrifícios no intuito de preservar este instável equilíbrio de forças (Gramsci, 2002, vol. 3, p. 47).

Entretanto, o comunista italiano reitera que estas concessões são sempre assimétricas, ou seja, que existe um grupo que dirige e outros que são dirigidos, logo, a renúncia da classe hegemônica não pode nunca permitir um desequilíbrio em sua relação com a classe subalterna, e mais que isso, um desequilíbrio a nível estrutural (Ibidem, pp. 47-48).

Referência no estudo da hegemonia em Gramsci, Luciano Gruppi defende que o marxista italiano apresenta este conceito em toda a sua amplitude, ou seja, "como algo que opera não apenas sobre a estrutura econômica e sobre a organização política da sociedade, mas também sobre o modo de pensar, sobre as orientações ideológicas e inclusive sobre o modo de conhecer." (Gruppi, 1978, p. 3)

Em outras palavras, Gruppi destaca que a hegemonia só é possível se a liderança de uma classe se dá também no plano da superestrutura (num viés marxista mais ortodoxo), se ela é uma liderança cultural e ideológica que produz consenso e adesão à sua agenda. Não basta a ação coercitiva se o objetivo é um domínio por completo, um domínio hegemônico.

Finalizando, é imprescindível pontuar que as formas da hegemonia nem sempre são as mesmas, variando de acordo com a natureza das forças que a exercem. (Moraes, op. cit., p. 36), e que a hegemonia nunca é "completa", o poder de uma classe nunca está garantido completamente. E reafirmando o que dissemos anteriormente: é impossível desvincular a questão da luta de classes da discussão de hegemonia, algo bastante comum hoje em dia, nos diversos processos de "domesticação" de Gramsci.

Mafalda e sua turma

Criada em 1964 (inicialmente para uma propaganda de uma marca de eletrodomésticos), Mafalda é a personagem de hq’s mais popular da Argentina e uma das mais conhecidas do mundo. Sua curta trajetória vai de 1964 a 1973, através de três publicações: Siete Días Ilustrados, Primera Plana e El Mundo.

Os interlocutores de Mafalda também representam personagens extremamente ricas, como por exemplo, Susanita, a "burguesinha" fofoqueira, egoísta e briguenta cujo principal projeto de vida é casar e ter filhos; Felipe, o sonhador de imaginação fértil, vidrado em hq’s de aventuras, preguiçoso, tímido e que não gosta de ir à escola; Manolito, o empresário-mirim da turma, ambicioso, bruto, materialista, e que sonha ser dono de uma rede de supermercados! Completam a turma o simpático Miguelito, um filósofo vaidoso ao extremo que deseja o estrelato mais do que tudo; a pequena Libertad, uma miniatura de Mafalda, filha de hippies e entusiasta das revoluções; Guile, o irmão caçula de Mafalda, que freqüentemente a surpreende com suas "transgressões"; e os pais de Mafalda, típico casal de classe média latino-americana, passivos, limitados intelectualmente e endividados.

A filósofa de seis anos, invocada, utópica e questionadora das injustiças do mundo, libertária, politizada, fã de Beatles e avessa a qualquer tipo de sopa, dialoga com diversas faixas etárias e classes sociais, sendo bastante utilizada em livros didáticos, sejam eles de Gramática, História, Geografia ou Filosofia.
A personagem de Quino constrói sua fala, em grande parte das tiras, de duas formas: ou a partir do questionamento dos adultos (geralmente seus pais), no intuito de dirimir as dúvidas que tiram seu sono, ou na interação com as outras personagens, de mesma idade, buscando entender o mundo que os cerca (por que existem guerras? por que a mãe trabalha em casa e o pai não?) a partir dos referenciais de que dispõem. Obviamente Mafalda não é um quadrinho infantil, dialogando diretamente com um público majoritariamente de adolescentes e adultos. Desta forma, a personagem de Quino oscila muitas vezes entre a caracterização de uma criança típica, com tudo que lhe possa ser atribuído (medo, ingenuidade, dependência dos pais), e uma criança excepcionalmente lúcida, crítica e profunda conhecedora da realidade na qual está inserida, que discute de igual pra igual com as pessoas mais velhas, na maioria das vezes colocando-as em posição de "xeque-mate".

Após ser perguntado se é possível modificar algo através do humor, Quino afirmou certa vez: "Não. Acho que não. Mas ajuda. É aquele pequeno grão de areia com o qual contribuímos para que as coisas mudem". Apesar da resposta categórica, é fato que a obra de Quino contribuiu (e contribui) bastante para a crítica do senso comum, para a politização através da arte e, sobretudo, para uma leitura das décadas de 1960 e 1970 que, longe de ser neutra ou contemplativa, se posiciona e questiona a todo o momento os fatos, os costumes, a partir da visão que Quino tem do mundo, visão que, apesar de não romper com a sociedade de classes, tampouco defender a superação do capital, em muitas circunstâncias possibilita leituras contra-hegemônicas da realidade. Mais à frente retornaremos a este ponto.

A crítica "Mafaldiana" aos elementos característicos da sociedade burguesa

Tira 1 (A "Democracia")


Tira 2 (O Individualismo)

As tiras acima, "estrelando" Mafalda, sua família (pai, mãe e Guile, seu irmão) e Miguelito (Tira 2), abordam dois elementos presentes na sociedade burguesa e que representam condições imprescindíveis para que a hegemonia desta classe seja garantida. Por enquanto, apenas comentaremos brevemente as tiras, para em seguida analisarmos mais detidamente a contra-hegemonia, a relação entre hegemonia e educação, a ideologia em Gramsci e a construção de sentidos contra-hegemônicos na aula de História.

A Tira 1 tem como tema central a democracia e seu sentido denotativo. Mafalda, ainda de dia, procura no dicionário o significado da palavra "democracia". Ao ler que significa "governo em que o povo exerce a soberania", Mafalda reage gargalhando profundamente, uma vez que tem a clareza, a partir da concretude de seu mundo de criança, que a democracia, em sua acepção original (grega) não existe. Anoitece, Mafalda vai dormir, mas o sorriso não sai de seu rosto, fato que deixa sua família sem entender absolutamente nada.

Esta tira permite ao professor de História estimular a discussão sobre o que caracteriza a democracia burguesa (sufrágio universal, liberdades políticas, império da lei, competição política), problematizando com os alunos (i) se realmente vivemos uma democracia (nos termos em que foi pensada pelos gregos); (ii) para quais grupos sociais a democracia de hoje serve; (iii) se direitos políticos são a mesma coisa que direitos sociais, civis; (iv) como é possível que um povo seja soberano, dentre outros questionamentos.

A Tira 2 trata do individualismo, outro elemento imprescindível do modelo burguês de sociedade. Brincando com a idéia do self-made man, os milionários que prosperaram "sozinhos", e com a idéia do "vencer na vida", Quino critica, com seu humor refinado, o individualismo, extremamente valorizado e insistentemente estimulado nas sociedades capitalistas.

Mafalda (encarnando a "criança típica"), diz para Miguelito que estava lendo numa revista uma matéria sobre self-made man. Seu amigo diz não saber o que é isso, e Mafalda, que também não entendeu direito do que se trata, sem muita certeza afirma que quando a pessoa nasce pobre e morre rica ela venceu na vida. Trata-se de uma tira riquíssima, que o professor pode utilizar para explorar contradições da sociedade burguesa, como por exemplo, a veracidade da idéia do self-made man, pois é impossível obter lucro, enriquecer, sem a "ajuda" da exploração econômica dos trabalhadores, sem a mais-valia, sem a transformação do trabalhador em mercadoria. Os diversos "Jobs", "Gates", "Rockfellers", "Rothschilds", "Eikes", "Justus", idolatrados pela mídia, pelas editoras de livros sobre "Como ser um vencedor?", pelo senso comum, não construíram impérios sozinhos, tampouco com o esforço de seu próprio trabalho.

A expressão "vencer na vida" também pode ser explorada, uma vez que a existência de vencedores pressupõe a existência de "perdedores", denotando que na sociedade burguesa, a competição não apenas é estimulada como "premiada". É devastador o efeito da idéia de competição na sala de aula, como mostram as reações diante das notas, o esforço para ser o número um da classe, a decepção com o "fracasso". A frase "se você não estudar não será ninguém na vida" é, infelizmente, ainda bastante comum no ambiente escolar, por parte dos alunos, orientadores educacionais, professores. Provocar tais reflexões é muito importante para revelar as contradições da sociedade do "você vale o quanto ganha", onde os atalhos são mais estimulados que as travessias, o "empreendedorismo" mais evidenciado que o trabalho, o singular mais valorizado que o plural.

Contra-hegemonia no ensino de História e a relação hegemonia/educação

O conceito de contra-hegemonia não foi formulado por Gramsci. Corresponde a uma interpretação do conceito de hegemonia de Gramsci a partir de uma perspectiva crítica, atualizada e, sobretudo estratégica, por parte de inúmeros marxistas (os brasileiros Leandro Konder e Carlos Nelson Coutinho, por exemplo), objetivando traduzir/demarcar, em termos de luta ideológica e material, um projeto antagônico de classe, em relação à hegemonia burguesa. O termo, que se consolidou pelo uso, significa que a luta é contra uma hegemonia estabelecida, uma luta que objetiva a construção de uma nova hegemonia, e que por isso, corresponde a um projeto de classe distinto.
Para Eduardo Granja Coutinho,





Parafraseando Marx, pode-se dizer que toda hegemonia traz em si o germe da contra-hegemonia. Há, na verdade, uma unidade dialética entre ambas, uma se definindo pela outra. Isto porque a hegemonia não é algo estático, uma ideologia pronta e acabada. Uma hegemonia viva é um processo. Um processo de luta pela cultura. (Coutinho, 2008, p. 77)

E recuperando Raymond Williams, a partir de Chauí, frisa que a hegemonia "deve ser continuamente renovada, recriada, defendida e modificada e é, continuamente, resistida, limitada, alterada, desafiada por pressões que não são suas". (Ibidem)

Conforme discutido na parte "A hegemonia em Gramsci", a hegemonia corresponde à liderança de uma classe e suas frações sobre as demais; corresponde a uma direção política, cultural que é exercida por uma classe em aliança ou não com outras. Logo, um movimento contra-hegemônico sempre compreenderá a luta de classes, significando um projeto distinto de sociedade, como por exemplo, o comunismo em relação ao capitalismo.

É fundamental pontuar que ser crítico não significa necessariamente ser contra-hegemônico. Posições críticas a valores dominantes não necessariamente conformam uma contra-hegemonia. O Romantismo estabeleceu críticas importantes ao capitalismo, mas nem por isso foi contra-hegemônico, pois não propôs a superação do capital, não rompeu com o modelo burguês de sociedade, não forjou outra hegemonia.

Conforme dito anteriormente, apesar de Quino não ser marxista, de não defender o fim do capitalismo, ou o fim das classes, é possível que o professor de História (que também não precisa ser marxista para tal) a partir das críticas incisivas de Mafalda, suscite/construa sentidos contra-hegemônicos, questionando, a partir dela, os diversos elementos característicos da sociedade burguesa.

Como obra de arte, Mafalda explicita as contradições do momento histórico em que foi produzida, mesmo que seu autor não tenha tido a intenção disto ao desenhá-la. Ciente disto, é possível se apropriar da obra de Quino em sala de aula, não apenas para conhecer/compreender melhor os anos 1960 e 1970 na América Latina, mas também para provocar reflexões acerca das rupturas e sobretudo permanências oriundas deste período histórico, problematizando a sociedade de classes, o capital, o imperialismo, o modelo burguês de sociedade (expondo suas contradições), e costurando vieses contra-hegemônicos, ou seja, discutindo caminhos, possibilidades de construção de outra sociedade, de outro mundo (perspectiva contra-hegemônica).

Em sua leitura da hegemonia, Gramsci defendia a existência dois tipos de embate político: a guerra de posição (conquista da hegemonia civil) e a guerra de movimento (revolução permanente), estratégias específicas para condições da luta de classes específicas. A primeira se daria em países onde a sociedade civil estivesse estruturada (sociedades de "Estado ampliado" – o Brasil de hoje, por exemplo) e se constituiria numa "guerra de trincheiras", com recuos e avanços, através dos aparelhos privados de hegemonia (escola, partido, meios de comunicação, sindicato, Igreja), buscando conquistar posições de direção e governo dentro da sociedade. Já a segunda seria a forma possível nos países de frágil sociedade civil (sociedades de "Estado restrito" – a Rússia pré-Revolução de Outubro, por exemplo), correspondendo a uma irrupção rápida e violenta contra o Estado.

Os aparelhos privados de hegemonia não são monopólio da classe dominante que exerce a hegemonia: as classes dominadas que também desejam conquistá-la, segundo Gramsci, ocupam espaços dentro do aparelho que permitem a construção de "trincheiras" e logo, de uma guerra de posição (Moraes, op. cit., p. 40).

Sem dúvida, a escola representa um dos mais poderosos aparelhos privados de hegemonia. Compreendendo a guerra de posição como movimento de elaboração de contra-hegemonia, é possível entender que uma formação crítica, que promova a desalienação e a autonomia dos educandos, apontando para outros caminhos, permite conquistar posições importantes nos embates contra a hegemonia dominante (guerra de posição), e no limite, fortalecer a contra-hegemonia.

A crítica "Mafaldiana", no ensino de História, possibilita inúmeros pontos de entrada para a análise crítica da sociedade burguesa, expondo suas contradições. Uma aula de História sintonizada com tal percepção pode construir, coletivamente, sentidos contra-hegemônicos em relação à hegemonia burguesa. Obviamente não se defende aqui que o professor sozinho seja capaz de construir uma contra-hegemonia, processo complexo e dinâmico. A perspectiva é sempre coletiva, compreendendo os quadrinhos como ponto de partida e nunca de chegada (tampouco creditando a eles a capacidade de sozinhos, esgotarem as discussões e conteúdos da disciplina); entendendo o espaço da sala de aula como espaço da contradição, da heterogeneidade, como espaço de disputas onde alternativas ao modelo burguês de sociedade podem ser pensadas, debatidas, forjadas.

Outra contribuição fundamental de Gramsci para nossas pretensões neste trabalho é a compreensão de que hegemonia e educação mantêm uma relação dialética entre si. Para o pensador sardo, toda relação pedagógica é hegemônica, assim como qualquer relação hegemônica é necessariamente pedagógica (Jesus, 1989, pp. 122-123). A educação é imprescindível para as relações de direção (consenso) e dominação (coerção) de uma classe (hegemonia), da mesma forma que uma classe só é hegemônica de fato, quando sua liderança ideológico/cultural é consensual.

Em outras palavras, a chave para se entender a relação hegemonia/educação está no consenso (ideologias). Toda pedagogia compreende uma dimensão hegemônica (ou contra-hegemônica), pois constrói/refuta/legitima consensos. Da mesma forma, toda hegemonia (e contra-hegemonia) é uma ação pedagógica, pois não basta a força para que uma classe se torne hegemônica e/ou mantenha sua hegemonia – o vetor-consenso da dominação de classe é indispensável, ou seja, "educar" as concepções de mundo de acordo com seus interesses.

O filósofo italiano refuta a noção de ideologia como falseamento da realidade, compreendendo-a como "(...) uma concepção de mundo que se manifesta implicitamente na arte, no direito, na atividade econômica, em todas as manifestações de vida individuais e coletivas." (Gramsci, 1989, p. 16) Para Gramsci, a ideologia não reflete simplesmente o interesse da classe econômica, não é algo determinado pela estrutura econômica ou pela organização da sociedade, mas um espaço de luta (Bottomore, loc. cit.), uma representação da realidade própria de um grupo social (Liguori, 2007, p. 94).
Uma vez que é impossível pensar a hegemonia e a contra-hegemonia "por fora" das classes, é imperioso frisar que o encaminhamento de ambas depende de convicções e motivações ideológicas (Konder, 2002, p. 195).

Com Gramsci, entendemos que os aparelhos privados de hegemonia são os espaços responsáveis pela elaboração e/ou difusão das ideologias (Coutinho, 2007, p. 127), sendo primordiais para a conquista do poder de Estado nas sociedades complexas do capitalismo recente (Ibidem, p. 135).

Em síntese, ao defendermos a possibilidade do professor de História construir sentidos contra-hegemônicos na sala de aula, entendemos a escola como um destacado aparelho privado de hegemonia; a contra-hegemonia como um projeto de classe; corroboramos a idéia do vínculo dialético entre as relações hegemônicas e pedagógicas; afirmamos que uma análise dialética das concepções de mundo tem que começar com a distinção essencial entre as concepções que visam manter a ordem estabelecida e aquelas que visam transformá-la (Löwy, 2006, p. 19); defendemos que o processo de ensinar-aprender é sempre coletivo, dialógico, contraditório, e que não pode prescindir da crítica, da análise do real, da transformação de idéias, princípios, em práticas concretas, e finalmente, não pode jamais perder de vista o projeto de emancipação humana.
A baixinha Mafalda pensa e age a partir "de baixo", em seu duplo (múltiplos?) sentido (s). Defender outra educação possível, outra escola, é defender outra sociedade, e a crítica Mafaldiana sobre os problemas da sociedade contemporânea, onde todos são iguais, mas alguns são mais iguais que os outros, sem dúvida pode ajudar bastante o professor que "enxerga" o mundo a partir de uma perspectiva contra-hegemônica.

Referências

BOTTOMORE, Tom (edit.). Dicionário do pensamento marxista. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.
CHAUÍ, Marilena. Conformismo e resistência: aspectos da cultura popular no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1986.
COUTINHO, Carlos Nelson. Intervenções: o marxismo na batalha das idéias. São Paulo: Cortez, 2006.
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COUTINHO, Eduardo Granja. Processos contra-hegemônicos na imprensa carioca, 1889/1930. In: Comunicação e contra-hegemonia: processos culturais e comunicacionais de contestação, pressão e resistência / organizador Eduardo Granja Coutinho. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008, pp. 65-89.
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere / organizador Carlos Nelson Coutinho, Marco Aurélio Nogueira e Luiz Sérgio Henriques. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002 (vol. 3).
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JESUS, Antônio Tavares de. Educação e hegemonia no pensamento de Antonio Gramsci. São Paulo: Cortez, 1989.
KONDER, Leandro. A questão da ideologia. São Paulo: Cia das Letras, 2002.
LIGUORI, Guido. Roteiros para Gramsci. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2007.
LÖWY, Michael. Ideologias e ciência social: elementos para uma análise marxista. São Paulo: Cortez, 2006.
MORAES, Denis de. A batalha da mídia: governos progressistas e políticas de comunicação na América Latina e outros ensaios. Rio de Janeiro: Pão e Rosas, 2009.
POULANTZAS, Nicos. O Estado, o poder, o socialismo. Rio de janeiro: Graal, 1980.
QUINO. Toda Mafalda. Rio de Janeiro: Martins Fontes Editora, 2002.




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