13/12/2011

A militância estudantil deve necessariamente emburrecer?

Mário Maestri

O militante universitário de esquerda é acusado pela reação de falso estudante e ativista profissional: ele não estaria interessado em estudar, em aprimorar seus conhecimentos, em terminar o curso, interessando-lhe apenas o “proselitismo” e a “agitação”. Tratar-se-ia de um corpo estranho ao ambiente universitário, ali lançado com o exclusivo fim de arregimentação política. Tristemente não estaríamos longe da verdade, dando-se uma versão revolucionária a essa descrição.

A prática de esquerda na Universidade tem-se dado no contexto de um profundo empirismo e falta de propostas para a construção do militante e para uma alternativa geral para o movimento estudantil. Isto tem levado a um superatismo e militantismo[1] que, apoiando-se na disponibilidade de tempo e nas escassas responsabilidades do estudante (trabalho, família, etc.), criaram uma quase paródia de práxis política.

Mais comumente, o aproveitamento acadêmico do estudante/militante é mínimo. Seu nível de reprovação é alto ou ele mal mal aproveita o estudo. Também devido a isso, o discurso de esquerda – nos seus mais diversos sabores – é cada vez mais questionado pelo público universitário. A militância estudantil torna-se “um momento na vida”. É baixa a porcentagem dos ativistas estudantis que mantém uma militância depois de saídos da Universidade.

Entretanto, a referida disponibilidade de tempo e as profundas contradições que a juventude vive, devido às perspectivas que lhe apresentam estruturas sociais e familiares profundamente desumanas e hipócritas, permitem que a Universidade ainda seja a maior sementeira de quadros marxistas. Portanto, compreende-se a importância desta discussão.

Aparelhar ou interpretar?


Inicialmente, coloca-se o problema da extração social da população universitária que pode ser cooptada no contexto do tipo descrito de militância. Hoje, somente companheiros provenientes da classe média-média e, principalmente, média-alta, podem despreocupar-se com os estudos. Os setores empobrecidos que chegam à Universidade são obrigados a trabalhar para sustentar-se e para pagar os estudos. Em todo caso, são obrigados a enfrentar mais responsavelmente a vida acadêmica. Portanto, este tipo de militância afasta um setor estudantil que nos interessa por múltiplos razões.

O militantismo leva a que ativistas estudantis comecem, cada vez mais, a aparelhar[2] – e não a expressar e interpretar – as necessidades da população universitária e de uma Universidade voltada para o mundo social. O militante abandona – ou segue formalmente – o ritmo normal dos cursos, envolvido por um ativismo partidário e estudantil que exige um sem-número de reuniões, de plenárias, contatos, viagens, etc. Não assiste às aulas, não se prepara para as provas, não participa dos grupos de trabalho.

A vida universitária tende a ser abandonada pelo estudante/militante por uma outra – inter pares – com uma dinâmica própria e, muitas vezes, em contradição com a do conjunto dos estudantes. O fato de se afastar das salas de aula e dos estudos leva o militante a não sentir mais o verdadeiro ritmo e as necessidades do conjunto dos universitários. Mesmo quando percebe este ritmo, não alcança a intervir em sua gênese e desenvolvimento quotidiano. Nesse contexto, o ativista estudantil passa a ser visto pelos colegas como uma pessoa talvez admirável, mas estranha ao grupo universitário.

Além do empobrecimento da própria prática política, o ativismo/militantismo tem outras consequências. Para não perder totalmente seus cursos, o militante tende a “colar-se” a um estudante “caxias”, participando apenas formalmente dos grupos de trabalho, dos exercícios, etc. Em certo sentido, torna-se uma espécie de parasita. Outra solução, ainda mais grave, é a utilização, consciente ou inconsciente, do peso da liderança e da representatividade que detém para obter “isenção” de trabalhos ou provas dos professores progressistas ou para “atemorizar” e “amaciar” os mestres reacionários.

Pomadas Universais

Como decorrência deste tipo de prática, da falta de uma formação marxista minimamente sólida possibilitada pelas organizações, do rechaço automático à formação acadêmica burguesa, o quadro político universitário tende, em geral, a pensamento esquemático e simplista, quando não dogmático. O que é, convenhamos, continuidade do “pensamento” geral da esquerda brasileira militante, passada e presente. O corolário desta realidade é a concepção (geralmente implícita) que uma leitura (bastante rápida) das obras marxistas clássicas substitui todas as áreas do conhecimento das ciências sociais burguesas. Para a história do Paleolítico ou para a Sociologia da Linguagem, Trotsky ou Stalin são tidos como verdadeiras “pomadas universais”.

Em verdade, temos que reconhecer que esse tido de militante universitário não é mais do que um prolongamento de duas concepções esposadas por amplíssimos setores da esquerda brasileira organizada. A primeira, é a despreocupação profunda com a realidade nacional, passada e presente. Discutem-se comumente teses, táticas, caracterizações e estratégias sem a mais mínima análise sólida da formação social ou histórica brasileira e sem um levantamento sistemático e científico da realidade empírica em causa.

Em verdade, acredita-se que é possível pronunciar-se politicamente brandindo algumas “regras sociológicas” (geralmente de cunho mais weberiano do que marxista), alguns preceitos políticos socialistas, com um mínimo de informação (Jornal do Brasil, Folha de São Paulo, etc.) e muita ideologia. É desnecessário dizer que, desprovido do método marxista e de uma real apropriação da realidade, nunca interpretaremos a realidade a partir da ótica do proletariado. No máximo, expressaremos a média de nossas opiniões sobre o que discutimos, filtrada por profundas deformações de classe.

Ao lado e de mãos dadas com este simplismo metodológico, conhecemos igualmente um profundo desdém pela produção, pelos métodos e pelos conteúdos das ciências sociais burguesas. Porém, esse verdadeiro desprezo não se dá em um sentido positivo, através da superação dialética dos métodos e dos resultados daquela produção, mas através do seu desconhecimento essencial. E, na maioria das vezes, quando é necessário um referencial mais específico em uma discussão ou em uma elaboração, a produção burguesa ou pseudomarxista é utilizada em forma superficial e assistemática.

A discussão sobre o caráter de práxis política no que diz respeito aos métodos, às políticas, às ligações com o movimento de massas, etc. transcende aos quadros da discussão da militância na Universidade. Inevitavelmente, esta última é consequência de práticas – ou falta de práticas – sociais mais políticas, mais científicas e mais sistemáticas. Na Universidade, porém, devido às suas especificidades, estas distorções e deficiências tornam-se agudíssimas, ensejando profundas críticas das mesmas pela comunidade em questão. Daí o interesse em começar pela universidade uma discussão que deverá, necessariamente, se dar enquadrada pelo geral. Portanto, avançamos as seguintes propostas para a discussão.

1. A necessidade de compreender a vida estudantil e a militância na Universidade como um momento da vida do militante. E, para que assim seja, a militância deve qualificar a futura vida profissional e incorporação ao mundo produtivo, e não comprometê-las com uma formação profissional deficiente ou inacabada;

2. A imprescindibilidade de que o militante seja um assíduo participante das atividades acadêmicas (aulas, trabalhos, etc.). A sala de aula – e não os corredores ou o Centro Acadêmico – deve ser o espaço fundamental da prática política na Universidade;

3. A necessidade da apropriação substancial de todos os conteúdos acadêmicos como caminho incontornável para a sua crítica e para a própria apreensão do método marxista;

4. A necessidade de uma sólida formação marxista intimamente ligada à prática política concreta e à realidade política nacional ou internacional.

* Esperamos que não seja de toda inútil a publicação tardia desse texto, escrito para os universitários da FURP, ruptura com a Convergência Socialista, em 1979. Vai dedicado ao ex-camarada e ex-estudante Romualdo Portela de Oliveira [em tudo caxias] que recordou a existência do mesmo. [Realizamos retoques formais.]

[1] Militantismo: ênfase da intervenção e desconsideração da teoria.

[2] Aparelhar: servir-se do movimento para objetivos organizativos.




Diário Liberdade

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