O problema da universidade é o problema da sociedade. A produção capitalista ataca a vida em vários aspectos, inclusive na produção do conhecimento”, foi o que afirmou o professor Mauro Iasi, da Escola de Serviço Social, conferencista da abertura do seminário “A UFRJ em debate: A situação da Praia Vermelha”, no auditório Prof. Manoel Mauricio de Albuquerque, do CFCH, no último dia 27.
Mauro Iasi promoveu, logo no início de sua palestra, uma comparação: “O rei Capital é como aquele rei Midas (que transformava em ouro tudo que tocava). Só que o Capital transforma tudo em mercadoria; até mesmo a força de trabalho dos seres humanos”, disse. Segundo ele, pela lógica de acumulação do capital, a transformação deve se estender para todas as esferas da vida, inclusive a Educação. “Esse ataque não é novo”, observou, antes de fazer um breve histórico dos primórdios da construção universitária.
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Mauro Iasi destacou que não existe modelo de Universidade isolado das forças dinâmicas que compõem a sociedade: as primeiras instituições de ensino superior foram concebidas como locais de acumulação e transmissão do saber a uma pequena elite. Na França revolucionária, Napoleão propõe que a universidade seja um centro de formação profissional. Por sua vez, o modelo alemão vai sintetizar outro conceito que combina os dois primeiros: sede e desenvolvimento do saber e da pesquisa e a sua capacidade de formação das camadas profissionais: “Até esse momento, a universidade é claramente voltada para aos interesses da reprodução do capital”, ressaltou.
A situação no Brasil
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Uma situação que vai se repetir no Brasil, desde seus primeiros cursos de Medicina e Direito. Pensamento que prossegue dessa maneira até os anos 1960, quando o movimento estudantil vai questionar a pauta de forma qualitativa: “Pra quê e pra quem se faz a Universidade? Os estudantes vão lembrar à universidade que seu conhecimento é necessariamente coletivo e deve voltar aos seus verdadeiros donos, ao conjunto da sociedade”. O referencial para essa alteração é a Universidade de Córdoba, na Argentina, quando, em 1918, estudantes, professores e funcionários fazem um levante para abrir a instituição ao povo.
Na década de 60, o movimento é vinculado às reformas de base. Ou seja, às reformas estruturais que abrangiam os setores educacional, fiscal, político e agrário. Mas cuja trajetória é interrompida brutalmente pelo golpe militar de 1964, que retoma, no ensino superior, a ideia do desenvolvimento de uma elite para modernização da sociedade. “Não se trata mais da relação entre universidade e sociedade, da socialização do conhecimento. Isso foi expurgado pelo método que vimos e conhecemos, com intervenção direta nos currículos, aposentadorias forçadas, censura, expulsão de professores, fechamento do debate. Essa imposição tem por trás uma concepção tecnocrática”, observou o professor Mauro Iasi, uma vez que o capitalismo se encontrava em pleno desenvolvimento monopolista. Entre suas novas exigências desse estágio, o capitalismo cobra que os Estados promovam um ensino tecnicista, que será para poucos. A visão é meritocrática: “A forma de cercear isso é o vestibular”, lembrou o palestrante.
Mauro Iasi destacou que, pouco depois, o projeto da ditadura sofre uma resistência. Tudo vai culminar com a discussão da Constituinte: “Ela é reflexo de todas as lutas que ocorrem neste momento, com greves dos bancários, da construção civil, dos metalúrgicos... A entrada em cena dos trabalhadores muda a correlação de forças e os movimentos encontram unidade na luta contra a ditadura. Isso também se expressa no ensino superior, que vai exigir da Constituição que garanta a universidade como espaço público, que tenha autonomia, e que combine o ensino, pesquisa e extensão. É o que se materializa no famoso artigo 207”, recordou.
Mas o momento em que isso será aplicado já será aquele em que o capital precisa de um novo modelo de Estado. O que acontece nos anos 70 e 80, com a crise do capitalismo – e do fordismo – provoca a chamada “reestruturação produtiva”. Em vez da separação dura de funções, a polivalência: “Essa nova forma de produção tensiona o conjunto da sociedade. Há efeitos nos Estados, e também nas formas de universidade”, disse. O modelo estatal agora é considerado “pesado demais”, custoso, gastador.
A era FHC
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A primeira ofensiva, na era Fernando Henrique Cardoso, é a afirmação de uma instituição pública com verbas controladas, como centro de excelência (para poucos), mas com expansão do acesso ao ensino superior pelo setor privado: “O número de instituições particulares dá um salto incrível. De 670, em 1997, para 764, em 1998. Já em 2003, 1.652, no governo Lula, e, em 2006, 2.022. Abre-se a Educação como um negócio”, esclareceu o professor.
O palestrante contou a história de um criador de gado que se tornou empresário da Educação. Perguntaram a ele o motivo da mudança e João Carlos Di Gênio, hoje dono do colégio Objetivo, do curso Objetivo e da Universidade Paulista (Unip), respondeu que um assessor recomendou, pois investir em Educação “dava mais dinheiro que boi”. O capitalista passa a investir em uma fábrica de ‘cabeças’. O setor cresce muito vendendo certificados, “com honrosas exceções”. A concorrência vai levar ao monopólio. O resultado é que, hoje, essas instituições estão sendo compradas pelos grandes grupos internacionais.
As fundações privadas
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A partir desse ponto, é cobrada a eficácia da instituição pública, mas relacionada ao cumprimento de metas, sem estourar as receitas. Quando se estabelece isso, o debate se vicia. “Não se faz uma discussão do conjunto do fundo público e como estão sendo gastos os recursos. Não se falam dos bilhões para o pagamento dos juros da dívida. Não se fala em vincular a verba da Educação ao crescimento do PIB. Restrito isso, fica aberto o debate da mercantilização. ‘As verbas disponíveis são essas! Querem ampliar além disso, vão buscar financiamento’. Surgem as fundações, esse monstrengo jurídico. Como não se pode ter investimento privado direto, cria esse monstrengo capacitado para receber verbas e você oferece projetos – seja através das fundações ou das agências de fomento – e inicia-se uma corrida pelas verbas, até mesmo para manutenção dos prédios”, disse.
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Isso faz com que sejam introduzidos três elementos de degradação na universidade pública: cria-se uma concorrência entre centros e profissionais para conquista das verbas; o segundo elemento é a quebra da universalidade: existe dinheiro para financiar tanque oceânico, via Petrobras, “mas no Serviço Social você ganha uma caixa de clipes”. O terceiro elemento, considerado o mais perverso pelo professor, é que as instituições de fomento, públicas e privadas, pautam a pesquisa. E, portanto, quebram a autonomia que era definição da universidade: “Como dizia meu pai, quem paga a banda escolhe a música!”
Os três elementos combinados jogam para o serviço público – ainda que a oferta continue pública – uma lógica de mercantilização. A cobrança da eficácia da saúde financeira das universidades implica que a disputa das verbas se torne um instrumento de grande chantagem, como foi o Reuni: “Quer verbas? Expanda deste jeito, com graduação aligeirada”, ressaltou.
Um exemplo singular dado pelo palestrante veio da ainda recente Universidade Federal do ABC (criada em 2005): “Foi criada a universidade e o reitor, indicado, pois não tinha nem comunidade. Nesse tempo chega uma proposta das empresas da região. O trabalho acadêmico deveria ser pautado pelo grande capital da região. O reitor, muito gentilmente, recebeu a proposta como um subsídio, mas lembra que a universidade é federal, tem autonomia e quem vai decidir sobre isso são os pesquisadores. Como se resolveu esse impasse? O (Fernando) Haddad (ministro da Educação) demitiu esse reitor e indicou outro”, relatou.
Solução
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Para Mauro Iasi, a universidade precisa voltar às suas vocações: “Nosso destino não é especial em relação ao conjunto da sociedade. O que está chegando pra gente é uma mensagem do povo lá de fora. A universidade precisa entrar nesse debate contra a mercantilização da vida. A universidade se transforma na transformação da sociedade”, disse. “A luta contra a mercantilização é uma luta anticapitalista. A luta só tem sentido aqui como trincheira contra mercantilização da vida. Imaginem o ar, que é um bem necessário. Imaginem alguém se apropriar e só se ter direito a isso pela forma liberal. O ensino não é assim também?”, comparou.
Espaço da Praia Vermelha
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O professor conclamou a comunidade acadêmica à utilização do espaço da Praia Vermelha para impedir os interesses do capitalismo: “Já ouvi dizer que cabem quatro shoppings aqui dentro. Nós temos que utilizá-lo (o campus). Faço cursos no fim de semana e vejo isso aqui vazio. O que vão fazer do Canecão? Cultura! O campus tinha que ser ocupado pela comunidade para passear. As pessoas vêm jogar bola e têm que pagar taxa...”, lamentou. Outra revitalização seria a ocupação pelo ensino noturno: “Cabem cursos aqui, sim. Brigamos muito no Serviço Social para ter o curso noturno. Sobre a revitalização do Palácio Universitário, falam em fazer um centro de convenções. Mas será aberto aos estudantes, por exemplo?”, questionou.
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O problema, reforçou o professor, não é democratizar o acesso, nem socializar o conhecimento. O problema também não é a carência de desenvolvimento do capitalismo no Brasil: “Precisamos retomar esse protagonismo de pensar o Brasil. Nossa prioridade não é preparar essa cidade para a Copa do Mundo e Olimpíadas”, ressaltou.
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