Luiz Carlos de Freitas: A ideia da bonificação é importada da iniciativa privada. Os reformadores empresariais da educação acreditam que a educação é uma atividade como qualquer outra, passível de ser administrada pelos critérios da iniciativa privada, ou seja, a escola é vista como se fosse igual a uma pequena empresa. Para este pensamento, o problema educacional se resolve com um choque de gestão. Uma empresa vai bem quando os lucros aumentam, e na escola, o equivalente aos lucros são os resultados dos testes. Se eles aumentam, então a escola vai bem, logo seus profissionais merecem um bonus, se as notas não aumentam, então alguém tem que ser responsabilizado, ou seja, demitido – tal como s e fosse uma fábrica de sapatos. Ocorre que não há intercambiabilidade entre a área dos negócios e a área da educação. São lógicas diferentes. No mercado há ganhadores e perdedores e os ganhadores não têm que se preocupar com os perdedores. A educação é um direito de todos e temos que nos responsabilizar pelo avanço de todos. São lógicas incompatíveis. Os testes ganham então uma relevância extraordinária. Há, entretanto, um princípio antigo, de Campbell, que diz que quanto mais um indicador social é usado para controle, mais ele distorce e corrompe o processo social que ele tenta monitorar.
LCF: Há muitos exemplos que comprovam isso. Recentemente, Beverly Hall, Superintendente do sistema educacional de Atlanta nos EUA foi demitida do seu cargo em função de que uma investigação governamental encontrou fraude na avaliação de 58 escolas públicas de Atlanta. Na Cidade de Nova York, John Klein deixou o cargo de Superintendente depois que em junho do ano passado a bolha de desempenho da cidade de Nova York explodiu mostrando que as altas notas que os alunos estavam tirando nas escolas estavam infladas.Cathleen Black, que o sucedeu, vindo de um posto bem sucedido na iniciativa privada (Hearst Magazines) conseguiu ficar apenas três meses no cargo e foi demitida no começo de abril. Black não conseguiu administrar o sistema de educação da cidade de Nova York pois não dominava o mundo educacional, apenas era uma gestora bem sucedida no campo da iniciativa privada. Entre suas gafes está sua recomendação de que as sala de aulas superlotadas de alunos poderiam ser mudadas se houvesse mais controle de natalidade. Isso tudo mostra que entre o mundo dos negócios e o mundo da educação há uma grande distância. A escola não é uma pequena empresa.
LCF: Procedem. Em geral, todos admitem que mais de 50% das variáveis que explicam o bom rendimento do aluno se deve a fatores que estão fora da escola. Entretanto, na hora de pensar nas soluções para aumentar o rendimento dos alunos isto é esquecido e se pensa exclusivamente em termos de variáveis intraescolares, em especial o papel do professor. Isso leva à tentação de aumentar o salário somente para aqueles professores que possam ser associados à melhoria do rendimento de seus alunos, medido em testes, e demitir aqueles que não são associados à melhoria do rendimento do aluno. Por isso, os defensores destas políticas são contra o aumento salarial para todos e são igualmente contra a estabilidade do emprego do professor, pois precisam ameaçar com a demissão ou com o não pagamento de bônus .
LCF: A prática diz que sim, como relatei acima no caso de Atlanta nos EUA. Mesmo no caso do Estado de São Paulo, com a aplicação da avaliação do SARESP para rede regular de ensino, esta interferência da avaliação tem sido detectada. Há ainda a questão do aumento de simulados no interior das redes que acaba por tomar tempo precioso da aprendizagem dos alunos que acaba sendo substituido por treino para as provas. Aprendizagem é algo diferente de ser treinado para se sair bem em testes. É corrente nos Estados Unidos o fato de que há estados que rebaixam as exigências nos testes locais para que seus alunos possam se sair bem e então acessarem verbas federais.
LCF: No Brasil a experiência mais próxima deste conceito foi feita em Recife, Pernambuco, no ensino médio, embora tenha sido interrompida. Não há uma avaliação independente dos resultados desta experiência. A única avaliação foi feita por uma agência que atua na própria divulgação da ideia o que torna a avaliação suspeita. As avaliações feitas nos Estados Unidos sobre as escolas charters não são alentadoras. No caso americano, quando as escolas não conseguem fazer com que seus alunos melhorem nos testes, elas podem ser fechadas e transferidas à iniciativa privada por meio de contrato de gestão (escolas charters), em um processo que está previsto em sua lei de responsabilidade educacional. Tal lei, aprovada em 2001, previa que em 2014 todas as escolas americanas deveriam ter seus alunos na categoria de “proficientes” em leitura e matemática. Há um mês o Ministro de Educação americano afirmou que 80% das escolas dos EUA não estarão em condições de cumprir esta meta. Ou seja, a lei serviu unicamente para promover a privatização do sistema público de educação americano, destruindo-o com a implantação de escolas administradas por contrato de gestão. Antes destas medidas, os EUA estavam na média do PISA – o programa de avaliação de estudantes da OCDE – e depois destas medidas, no PISA de 2009, o país continua na média.
LCF: As escolas charter não levaram os americanos a uma melhor posição educacional. Nos testes nacionais igualmente não houve melhora e há quem diga que até piorou. Portanto, estas ações que são no Brasil alardeadas pelos reformadores empresariais como o Movimento todos pela Educação e o Movimento Parceiros da Educação não se mostraram com condições de melhorar a educação no país que mais fez uso destas medidas. Por que devemos acreditar que fariam diferença no Brasil? Aliás, o Brasil vem melhorando no PISA sem ter que recorrer a tais medidas.
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