08/05/2011

GRAMSCI E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA A COMPREENSÃO DO TRABALHO DOCENTE

Emilia Peixoto vieira

O INTELECTUAL E SUA IMPORTÂNCIA NA SOCIEDADE 


Gramsci (1978) apresenta ainda uma formulação teórica bastante atual para a compreensão da sociedade capitalista do século XX e XXI. Ao discutir o processo histórico real de formação das diversas categorias intelectuais, ele o faz entendendo este processo no conjunto geral do sistema de relações sociais. Neste sentido afirma que todo ser humano é intelectual, no entanto, nem todos desempenham esta função na sociedade. Dessa forma, só é possível compreender as atividades intelectuais no contexto em que estas se encontram no conjunto geral das relações sociais. 


Desse modo, Gramsci afirma que, 


Não existe atividade humana da qual se possa excluir toda intervenção intelectual, não se pode separar o homo faber do homo sapiens. Em suma, todo, homem, fora de sua profissão, desenvolve uma atividade intelectual qualquer, ou seja, é um “filósofo”, um artista, um homem de gosto, participa de uma concepção do mundo, possui uma linha consciente de conduta moral, contribui assim, para manter ou para modificar uma concepção do mundo, isto é, para promover novas maneiras de pensar (GRAMSCI, 1979, p. 08). 


Para Gramsci (1978) o homem é o resultado das relações sociais que estabelece com os outros homens e das relações que trava com a natureza na busca constante de sobrevivência e desenvolvimento. Para existir o homem necessita prover sua própria existência que é o que vai determinar a maneira que ele existe. Nas sociedades capitalistas, essa luta pela sobrevivência é determinada pela divisão da sociedade em classes. Essa divisão de classes vai gerar contraposições, em virtude das relações de força de disputa nos campos material, político e militar. 
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Nesse caminho, Gramsci discute o papel dos intelectuais como os que fazem as relações entre as diferentes classes sociais possibilitando uma visão de mundo unitária e homogênea. Mostra-nos nesse sentido, que todas as camadas sociais possuem seus intelectuais, uns sendo profissionais, outros inclusos nesta categoria por participarem de determinada visão de mundo. 
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O intelectual caracteriza-se por sua ligação com a estrutura, isto é, com os interesses de uma determinada classe da produção econômica, mas também pelo caráter superestrutural5 de sua função no bloco histórico, dando homogeneidade e consciência de sua função à classe à qual está ligado. O vínculo do intelectual não é, portanto, sua origem social, mas o caráter orgânico que ele desempenha no nível superestrutural. Nesse sentido, todo ser humano é um intelectual fora de sua profissão, pois participa de uma concepção de mundo contribuindo para mantê-la ou modificá-la, promovendo novas maneiras de pensar. A elaboração dessa camada de intelectuais deve ser entendida sempre como resultado dos processos históricos concretos. 
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A relação entre os intelectuais e o mundo da produção não é imediata, como é o caso nos grupos sociais fundamentais, mas é “mediatizada”, em diversos graus, por todo o contexto social, pelo conjunto das superestruturas, do qual os intelectuais são precisamente os “funcionários” (GRAMSCI, 1979, p. 10). 
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É precisamente por meio dos processos de persuasão, tarefa dos intelectuais, que a supremacia da classe dominante é mantida por longos períodos, uma vez que pelos mecanismos repressivos da sociedade política ela exerce uma dominação pela força, submetendo-os à sua vontade. A impossibilidade de manter essa dominação pelos mecanismos coercitivos por longos períodos, requer, também, o trabalho de persuasão, próprio da sociedade civil, por meio do qual passa-se do exercício da dominação ao exercício da hegemonia6. Isso significa dizer que no capitalismo o intelectual pode vincular-se tanto à burguesia quanto ao operariado, uma vez que sua relação é mediatizada. Desse modo, 
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Cada grupo social, nascendo no terreno originário de uma função essencial no mundo da produção econômica, cria para si, ao mesmo tempo, de um modo orgânico, uma ou mais camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função, não apenas no campo econômico, mas também no social e no político (GRAMSCI, 1979,
p. 03). 
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O conceito de intelectual em Gramsci, portanto, só pode ser compreendido em sua qualidade de ser orgânico, o que significa claramente vincular-se a uma classe fundamental, desempenhando atividades tanto no âmbito da sociedade civil quanto política. A busca da hegemonia do grupo que representa é seu objetivo, a fim de proporcionar-lhe o controle do bloco histórico, isto é, mantendo a relação dialética existente entre a estrutura e a superestrutura. Os intelectuais ligados à classe burguesa são 
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As células vivas da sociedade civil e da sociedade política: são eles que elaboram a ideologia da classe dominante, dando-lhe assim consciência de seu papel, e a transformam em “concepção de mundo” que impregna todo o corpo social. No nível da difusão da ideologia, os intelectuais são os encarregados de animar e gerir a “estrutura ideológica” da classe dominante no seio das organizações da sociedade civil (Igrejas, sistema escolar, sindicatos, partidos etc.) e de seu material de difusão (mass media). Funcionários da sociedade civil, os intelectuais são igualmente os agentes da sociedade política, encarregados da gestão do aparelho de Estado e da força armada (homens políticos, funcionários, exército etc.) (PORTELLI, 1977, p. 86). 

Gramsci destaca ainda que, a atividade intelectual pode ser diferenciada em graus do ponto de vista intrínseco, que vão produzir uma diferença qualitativa entre os tipos de intelectual que possa existir e de acordo com a atividade exercida na superestrutura. 

No mais alto grau, devem ser colocados os criadores das várias ciências, da filosofia, da arte, etc.; no mais baixo, os “administradores” e divulgadores mais modestos da riqueza intelectual já existente, tradicional acumulada (1979, p. 11-12). 
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Assim, os intelectuais ligados à classe burguesa são porta-vozes desse grupo ligado ao mundo da produção e tentam imprimir na sociedade maior homogeneidade e consciência da importância dessa classe.
Por outro lado, para Gramsci, o intelectual a serviço da classe trabalhadora tem papel importante no processo da reprodução social, na medida em que ocupa espaço social de decisão prática e teórica, com função de elaborar uma nova cultura, que pode ser entendida também como contra-hegemonia. A organicidade dos intelectuais nessa referência não se reduz apenas a formação de uma vontade coletiva, capaz de adquirir o poder do Estado, mas também a difusão de uma nova concepção de mundo e de comportamento. A possibilidade de se contrapor a hegemonia do grupo dominante requer do intelectual orgânico romper com a sua posição tradicional, e dessa forma, criar mecanismos capazes de relacionar política e hegemonia da classe trabalhadora, contrapondo-se com a classe dominante. 
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O que Gramsci (1978) nos mostra é que todos os homens são filósofos, ainda que ao seu modo, inconscientemente, pois em qualquer manifestação de uma atividade intelectual está contida uma determinada concepção do mundo. Assim, existem duas maneiras de lidar com a formação de sua concepção do mundo. Ou o indivíduo participa de uma concepção do mundo imposta pelo ambiente exterior, por vários grupos sociais, nos quais todos estão envolvidos desde sua entrada no mundo consciente, ou elabora a própria concepção do mundo de uma maneira crítica e consciente e, portanto, em ligação com o próprio pensamento, escolhendo a própria esfera de atividade, participando ativamente na produção histórica do mundo, sendo guia de si mesmo e não aceitando o exterior de forma passiva. 

A AUTONOMIA DO INTELECTUAL


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Para Gramsci a autonomia intelectual não é tão fácil diante da classe dominante. Isso porque esta imprime no intelectual o papel de representante de sua classe, que faria a ligação entre a superestrutura e a infra-estrutura, utilizando o mecanismo persuasivo como estratégia dominante. 
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A ideologia hegemônica domina pela persuasão, pelo consenso, para isso utiliza-se do intelectual. O poder de uma classe sobre a outra acontece pela hegemonia e não pela força, pela coerção, pois os mecanismos coercitivos, isoladamente, não são suficientes para manter a supremacia social por longos períodos. Por isso a classe no poder precisa utilizar mecanismos persuasivos inerentes à sociedade civil, o intelectual tradicional. Somente assim ela pode conseguir um consentimento duradouro, advindo do consenso espontâneo que ela passa às grandes parcelas da população. Assim, somente através dos organismos da sociedade civil e de mecanismos persuasivos é que uma classe deixa de ser meramente dominante e passa a exercer a hegemonia na sociedade. Os dominados, ou seja, a classe dirigida reconhece na classe dominante o seu direito de dirigir a sociedade em seu conjunto não pela força, mas pelo consenso. 
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Gramsci (1978) ressalta o importante papel do intelectual orgânico na ação contra-hegemônica. Configura o bloco histórico como uma unidade de estrutura e superestrutura, que se mantém tendo como principio básico a classe hegemônica. Assim, mostra a articulação entre a classe dominante e a classe dominada num jogo constante de força e poder. Entende que as normas e regras devem ser estabelecidas pela própria coletividade, destacando a grande responsabilidade do intelectual orgânico no preparo do dirigente e que consegue perceber seu importante lugar e papel na sociedade. 
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Dentro desse contexto, o homem deve ser concebido como elementos puramente subjetivos e de elementos de massa (objetivos ou materiais) com os quais o indivíduo está em relação ativa. Transformar o mundo significa fortalecer a si mesmo, desenvolver a si mesmo, uma vez que a atividade para transformar e dirigir conscientemente os homens realiza a sua humanidade, a sua natureza humana. 
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Portanto Gramsci (1979) vai buscar no conflito, nas posições antagônicas os fundamentos para explicar as questões relativas à ideologia7 e à hegemonia, básicos para se entender o poder nas sociedades de economia capitalista. E nessa compreensão, a autonomia do intelectual para assumir sua função não só no setor econômico, mas também nos setores social e político. 
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Isto significa que numa sociedade marcada pela desigualdade entre classes fundamentais é impossível superar todos os conflitos de classe, apesar da constituição de um bloco histórico – que estabelece um vínculo orgânico entre estrutura e superestrutura – que busca garantir a hegemonia dominante. As contradições originadas na exploração do trabalho impedem a realização plena e livre do desenvolvimento humano, porque parte dela tem seus interesses negados. A colaboração recíproca e a realização de interesses comuns é a condição necessária para uma sociedade igualitária. 
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A atual organização da sociedade como uma sociedade de classes, portanto, impede uma sociedade que realize a igualdade, fato que só pode ser possível com a superação de tal estrutura. Portanto, a autonomia intelectual tem importante papel na manutenção e reprodução de tais contradições, uma vez que é a responsável pela produção das consciências acerca de tais antagonismos. 
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Nesse sentido, a transformação social tem que ser compreendida também na dimensão da produção ideológica, responsável pela tradução das grandes mudanças ocorridas na história, para um determinado período histórico. As mudanças mais radicais e profundas são sempre, resultado de movimentos amplos, duradouros e complexos, que se desenvolvem em longos períodos e que vão, ao longo do tempo, produzindo e expressando as contradições na totalidade do corpo social
Na sociedade contemporânea, muito maior e complexa, a “revolução” também terá um caráter mais complexo de difícil resolução (PARO, 1991). Para Gramsci a sociedade civil é o lugar privilegiado para a luta de hegemonia da classe revolucionária, uma vez que esta não se funda apenas no poder coercitivo do Estado, fenômeno ainda mais evidente na sociedade moderna, porque, ao contrário, depende cada vez mais de complexos mecanismos e instituições da sociedade civil.
Criar um novo bloco histórico é condição para a transformação social, isso implica uma crise orgânica no atual bloco histórico – na vinculação entre estrutura e superestrutura – para que uma nova hegemonia seja instalada. 
Para Gramsci “se a classe dominante perdeu o consenso, então não é mais ‘dirigente’, senão unicamente dominante e detentora da pura força coercitiva, o que significa que as classes dominantes se separaram das ideologias tradicionais, não crêem mais no que acreditavam antes” (1974, p. 56, tradução nossa). Há um rompimento com os intelectuais e com a ideologia dominante, com os organismos e com as instituições que representam a classe no poder. Interessa-nos especificamente esse aspecto, para pensarmos no papel do intelectual e de modo particular, no papel dos profissionais da educação numa sociedade de classes. Considerando a atividade intelectual como a especificidade do trabalho pedagógico, estarão seus profissionais atuando como intelectuais orgânicos? A favor de qual das classes fundamentais? Estarão atuando como construtores, organizadores, persuasores permanentes? 
 
Elaborar os princípios, os problemas, o cotidiano, do ponto de vista teórico, deve ser a tarefa do intelectual, determinando dessa forma um bloco social e cultural. A homogeneidade da classe revolucionária se concretiza à medida que toma consciência de sua realidade, de sua função e da formação de pessoas capazes de um pensamento crítico capaz de generalizar-se sobre toda a sociedade. Desse modo, 
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O problema da criação de uma nova camada intelectual, portanto, consiste em elaborar criticamente a atividade intelectual que existe em cada um, em determinado grau de desenvolvimento, modificando sua relação como o esforço muscular-nervoso no sentido de um novo equilíbrio e conseguindo-se que o próprio esforço muscular-nervoso, enquanto elemento de uma atividade prática geral, que inova continuamente o mundo físico e social, torne-se o fundamento de uma nova e integral concepção do mundo (GRAMSCI, 1979, p. 08). 
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Segundo Paro (1991) o educador formal, que atua na escola, tem uma dupla responsabilidade no desempenho da função educativa. A primeira delas refere-se à constatação de que a produção do saber foi possível na medida em que a classe trabalhadora em todos os tempos foi a responsável pela produção material, liberando uma parcela da população para o trabalho intelectual, fato que na maioria das vezes não é nem percebido, contribuindo para a maneira desigual como este é distribuído socialmente. A segunda responsabilidade diz respeito à importância que representa para a classe trabalhadora o acesso ao saber para luta pela transformação social. Por tudo isto, diz o autor, os educadores deveriam atuar como um intelectual orgânico da classe trabalhadora, considerando-se inteiramente vinculados a essa classe e aos seus interesses. “Na medida em que, sem conhecimento objetivo da realidade, não se pode vê-la criticamente, o desenvolvimento de uma consciência crítica na escola deve levar em conta, preliminarmente, a própria valorização dos conhecimentos objetivos que se fazem presentes mesmo no currículo da escola capitalista” (PARO, 1991, p. 119) 

A ESPECIFICIDADE DO TRABALHO DOCENTE
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ORIGINAL E NA ÍNTEGRA  AQUI

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