30/01/2011

A ESCOLA ANARQUISTA NA PRIMEIRA REPÚBLICA

Angela Maria Souza Martins - UNIRIO

Introdução

Pesquisamos a instituição da escola anarquista no contexto educacional brasileiro, no período da Primeira República. Consideramos que o movimento anarquista possibilitou uma reflexão significativa sobre a teoria pedagógica e as práticas escolares. No Brasil, as ideias pedagógicas da educação anarquista vieram por meio de imigrantes espanhóis, portugueses e italianos.
No início do século XX, começou uma propaganda sistemática do anarquismo e do anarco-sindicalismo, no Brasil. Foram criadas algumas escolas, publicados muitos jornais e realizadas várias atividades culturais com o intuito de divulgar o ideário libertário. Nesse período, acentua-se o debate sobre o papel social e político da escola, pois os anarquistas pretendiam romper com a hegemonia da educação ministrada pela Igreja e pelo Estado, por isso buscavam implantar uma escola que utilizasse a pedagogia racional libertária. Os anarquistas acreditavam que por meio da ação educacional transformariam as relações sociais e econômicas, com a intenção de instituir uma sociedade: fraterna, igualitária e democrática. A educação torna-se um importante campo doutrinário.
O movimento anarquista acreditava que uma proposta educacional baseada na razão e na liberdade poderia superar as superstições e os dogmas da educação confessional, como também enfrentar a doutrinação do Estado. Segundo Lima (Cf. Lima, 1915), o homem vem ao mundo com predisposições, estas podem ser transformadas e aperfeiçoadas pela atuação da educação e do meio. Assim, a educação é um meio importante para mudar valores e princípios, que são fundamentais para a implantação de um novo tipo de sociedade.
Em nossa pesquisa, nos chamou a atenção a junção das categorias racional e libertária, o que nos fez mergulhar no estudo das origens dessas categorias e como elas influenciaram a pedagogia racional libertária, além desse estudo teórico fizemos o levantamento de vários periódicos, do início do século XX, que veiculavam as idéias anarquistas e também outras tendências socialistas, como por exemplo: O livre Pensador, O amigo do Povo, A Terra Livre, O Libertário, O Socialista, A Lanterna, O Trabalhador, A Voz do Trabalhador, A Vida, A Plebe, Tribuna do Povo, A Liberdade, entre outros.
Outra fonte histórica importante que localizamos foi o acervo de correspondência de Fábio Luz, no Arquivo Nacional. Fábio Luz foi um anarquista que passou despercebido dos estudos acadêmicos brasileiros. As fontes históricas encontradas são muito ricas e temos a possibilidade de apresentar informações que devem ser mais aprofundadas para compreender melhor a inserção da pedagogia libertária no Brasil.
A inserção da escola anarquista no Brasil
Ao iniciar o século XX, intensificou o fluxo da imigração italiana e espanhola, estes imigrantes trouxeram para o movimento sindical o ideário anarquista. A educação e as atividades culturais foram fundamentais para a divulgação do movimento anarquista. De acordo com os anarquistas, a abertura de escolas era uma estratégia cultural e política importante, porque essas instituições possibilitariam o desenvolvimento de mentes livres e racionais.
Com essa intenção foram criadas as Escolas Modernas no Brasil, baseadas na pedagogia racional libertária, inspiradas em Ferrer y Guardia. Estas escolas deveriam ser portadoras de práticas educativas que respeitassem a liberdade da criança, sua espontaneidade, sua independência e o espírito crítico.
De acordo com Luizetto (1986), a primeira Escola Moderna brasileira foi criada em maio de 1912, em São Paulo, foi dirigida pelo professor João Penteado, um anarquista, admirador de Ferrer y Guardia. A Escola Moderna nº 1, de São Paulo, tornou-se um paradigma da educação libertária no Brasil e recebeu o apoio de anarquistas e pessoas que ansiavam mudanças educativas: socialistas, livres-pensadores, entre outros. Essas pessoas criaram um Comitê Organizador da Escola Moderna "encarregado pelos representantes de vários centros liberais e associações econômicas de expor ao público o programa da Escola Moderna, angariar fundos e explicar as bases do ensino racionalista" (Luizetto, 1986, p.31).
Encontramos no periódico Terra Livre (1910) uma Exposição de Motivos que explicava os princípios que nortearam a proposta pedagógica da Escola Moderna: 1) libertação da criança da moral baseada no misticismo religioso e na política vigente; 2) desenvolver a inteligência e formar o caráter por meio da solidariedade; 3) o professor devia divulgar as verdades adquiridas pelo estudo da história e da ciência; 4) a escola deve tornar a criança um homem livre e completo. Segundo Luizetto (1986), a escola Moderna foi instalada em 13 de maio de 1912, na Rua Saldanha Marinho 66, no Belenzinho.
Essa escola tinha como objetivo ministrar uma educação livre de preconceitos. Seus alunos deveriam estar imbuídos de um espírito de observação e crítica racional de modo que enfrentassem a moral vigente e pudessem empreender a crítica a sociedade de então (Cf. Boletim da Escola Moderna, 1919).
Nesta escola, de acordo com o periódico A Plebe, de 1917:
"eram oferecidos três cursos: primário , médio e adiantado, no período diurno (das 11h 30m às 16h30m) e noturno (das 19h às 21h). O curso primário compunha-se das seguintes matérias: "Rudimentos de Português, Aritmética, Caligrafia e Desenho. O curso médio, de "Gramática, Aritmética, Geografia, Princípios de Ciência, Caligrafia e Desenho". E o curso adiantado, de "Gramática, Aritmética, Geografia, Noções de Ciências Físicas e Naturais, História, Geometria, Caligrafia, Desenho, Datilografia" (apud Luizetto, 1986, p.35-36).
A Escola Moderna usava o método racional e a co-educação de sexos e classes sociais e
a insistência no método racional era no sentido de combater o ensino dogmático baseado em fundamentos religiosos professado nas escolas estatais e confessionais, assim como demonstrava o sucesso entre os livres-pensadores das possibilidades apresentadas pelo conhecimento científico, inclusive essas propostas podiam descambar para uma postura positivista de ensino (Kassick, Neiva e Kassick, Clóvis, 2004, p.2).
Além da primeira Escola Moderna, criada, em São Paulo, no Belenzinho, na Revista A Vida, editada em 1915, é noticiada a criação de mais uma escola racionalista libertária em São Paulo,
Escola Nova
Acaba de instalar-se em São Paulo, à rua Alegria, 26 (sobrado), um instituto de instrução e educação, para meninos e meninas, e que se serve dos metodos racionaes e cientificos da pedagogia moderna.
As materias de ensino são ministradas em três cursos especiaes, primario, medio e superior.
Curso primario: portuguez, aritmetica, geografia, botanica, zoologia, caligrafia e desenho.
Curso medio: portuguez, aritmetica, geografia, mineralogia, botanica, zoologia, fisica, quimica, geometria, historia universal, caligrafia, desenho.
Curso superior: aritmetica, algebra, botanica, zoologia, mineralogia, fisica, quimica historia universal, geologia, astronomia, desenho, portuguez, italiano, espanhol, etc.
Os cursos primario e medio acham-se a cargo dos educacionistas Florentino de Carvalho e Antonio Soares.
O curso superior acha-se sob a direção de intelectuais de reconhecida competência, figurando entre eles o professor Saturnino Barbosa, Drs. Roberto Feijó, Passos Cunha, A. de Almeida Rego, Alfredo Júnior, os quaes lecionam materias de sua respectiva especialidade.
Como se vê, a Escola Nova é uma bela iniciativa, que merece todo o apoio dos amigos da educação racionalista (A Vida, 1915, p. 79-80).
Rodrigues (1992) afirma que no período de 1895 a 1920 foram criadas mais de quarenta escolas anarquistas, no Brasil. No estado do Rio de Janeiro foram instaladas: a Universidade Popular, do Centro Internacional dos Pintores, em 1904; a Escola Operária 1° de Maio, em 1919; a Nova Escola, em 1920; as Escolas Profissionais, fundadas pela União Operária, em diversas fábricas de tecidos, em 1920; a Escola Livre, criada pelos operários da indústria têxtil de Petrópolis, em 1920; a Escola da Liga da Construção Civil, no ano de 1921, em Niterói; a Escola Operária, do Centro de Resistência dos Cocheiros e a Escola Noturna de Artes e Ofícios.
Como afirmamos anteriormente as escolas anarquistas trabalhavam com a pedagogia racional libertária, esta pedagogia tinha como pressuposto enfrentar o processo de dominação e criar uma nova mentalidade, pautada em valores tais como: solidariedade, cooperação, igualdade e liberdade.
A pedagogia racional libertária
De acordo com os anarquistas, a escola não podia prescindir do método racional e da co-educação de sexos e classes sociais. A insistência no método racional era no sentido de combater o ensino dogmático baseado em fundamentos religiosos professado nas escolas estatais e confessionais.
Para os anarquistas, a racionalidade não era apenas um recurso epistemológico para atingir a verdade, mas um instrumento que possibilitava a libertação dos dogmas impostos pelas diferentes religiões. Assim, o anarquismo passa a enfatizar a racionalidade, a liberdade e a espontaneidade.
Eles consideram os indivíduos "unidades ativas, independentes, capazes de produzir e gerenciar em autogestão, sem as muletas políticas, religiosas, sem chefes: vai até onde a liberdade e a inteligência o possa levar" (RODRIGUES, 1999, p.3). Por isso não podiam aceitar as escolas mantidas pelo Estado capitalista, porque estas instituições eram orientadas por uma pedagogia autoritária, que reproduzia a opressão. A pedagogia autoritária era um meio para subjugar as pessoas com o intuito de fazê-las obedecer e pensar de acordo com os dogmas sociais. Esta postura impossibilitaria a construção do novo homem, autônomo, livre pensador, que poderia vencer todo tipo de dogmatismo. Nesse sentido, era necessário criar escolas com novos princípios pedagógicos.
Para a pedagogia libertária, a racionalidade e a liberdade são princípios fundamentais para promover mudanças básicas na estrutura da sociedade e substituir o estado autoritário por um modo de cooperação entre indivíduos livres. Esses princípios poderiam conduzir uma luta permanente pelos direitos e deveres de uma sociedade igualitária e seriam a base de uma educação integral, que tem como meta a capacitação dos oprimidos (Cf. Guardia, s/d).
Acreditavam que as crianças não nascem com idéias preconcebidas (Cf. Guardia, s/d), elas adquirem todos os seus princípios e valores ao longo da vida, por isso deve-se educar uma criança com noções positivas e verdadeiras, baseadas na experiência e na demonstração racional. A escola não deve trabalhar com limitações e dogmatismo.
A meta da educação é fazer com que meninos e meninas tornem-se pessoas instruídas, verdadeiras, justas e livres. Para tal, o ensino deve estar baseado na ciência, pois a consideram um patrimônio de todos e somente ela permite dissipar os erros. De acordo com Ferrer y Guardia (s/d), a ciência confere realidade às coisas e faz com que não caiamos nas malhas das fábulas ou sonhos. A ciência deve ser ensinada à criança desde a mais tenra idade, pois na primeira infância a vida é receptiva.
O estudo da ciência seria o fio condutor do currículo das escolas anarquistas, porque a meta era atingir uma educação moral orientada pelo racionalismo científico. Este racionalismo deveria estar a serviço do homem e não podia escravizá-lo, pois sua função era libertar os homens dos dogmas.
A educação racional deveria propiciar: uma base racional e científica ao ensino; uma educação completa e harmoniosa que desenvolvesse a formação da inteligência e do caráter e a preparação de uma pessoa física e moralmente equilibrada. De acordo com Ferrer y Guardia (s/d), o homem é um complexo de múltiplas facetas, ou seja, a conjugação de coração, inteligência e vontade, por isso não podemos habituar as crianças a obedecer, a crer e a pensar, segundo as diretrizes da pedagogia tradicional.
Os anarquistas preconizavam os métodos ativos, com a finalidade de preparar os estudantes para o trabalho e também incentivar a militância. Respeitavam a liberdade da criança, sua espontaneidade, as características de sua personalidade, sua independência, seu juízo e espírito crítico. Buscavam desenvolver as aptidões naturais dos educandos, de maneira que eles ampliassem suas potencialidades e, assim, tornar-se-iam seres humanos plenos que atuariam em diferentes segmentos: artístico, produtivo, e social.
A ação da pedagogia racional libertária não se destinou apenas a crianças e jovens, ela também atuava no ensino profissional para adultos. Os anarquistas organizavam palestras e conferências nos chamados Centros de Cultura Social. Produziam jornais e outras atividades culturais, ações que visavam a transformação da sociedade na qual viviam os operários. Havia uma articulação entre a imprensa, os Centros de Cultura Social, as Ligas dos trabalhadores e as escolas libertárias.
A educação anarquista e os periódicos
Havia um estreito vínculo entre a educação anarquista e a produção de periódicos, pois os anarquistas acreditavam que para efetivar uma mudança de mentalidade era preciso unir diferentes atividades culturais como: escolas, jornais, centros culturais e outras atividades, para conseguir transformar a sociedade.
Nas atividades culturais e nas aulas, a leitura e discussão de artigos de jornais serviam como um método pedagógico para refletir sobre problemas do cotidiano e também para sistematizar as idéias e organizar o pensamento. Os anarquistas produziram muitos periódicos, buscaram caminhos para divulgar seus princípios, mudar consciências e possibilitar uma revolução social.
De acordo com Kassick (2004, p.3),
"na escola, os jornais operários serviam de suporte técnico para as salas de aula através de seus artigos, muitos deles contendo a tradução de textos de educadores anarquista estrangeiros. Deste modo, ao mesmo tempo que forneciam material para análise e estudo dos alunos, divulgavam as idéias anarquistas e as experiências pedagógicas libertárias desenvolvidas em outros países".
A produção de periódicos foi fundamental para o movimento anarquista e a pedagogia libertária. Criou-se um caminho diferente para a aprendizagem, eles faziam reuniões em diversos espaços como: fábricas, escolas ou centros de cultura para realizar a leitura em voz alta dos artigos de jornais e revistas, ações que propiciavam o processo de alfabetização de muitos trabalhadores (Cf. Kassick, Neiva e Kassick, Clóvis, 2004). Desse modo fortaleceu-se uma espécie de rede de divulgação das idéias libertárias. A leitura de artigos de jornais servia como um ótimo método pedagógico para refletir sobre problemas do cotidiano e também para sistematizar as idéias e organizar o pensamento.
Destacamos que essas leituras e discussões não ficavam restritas aos operários que defendiam a causa anarquista, outros trabalhadores participavam dessas atividades. Os anarquistas acreditavam que a ação educativa poderia realizar uma mudança significativa da realidade e seria uma estratégia importante para implantar um novo tipo de sociedade, sem hierarquia, uma sociedade ácrata. A educação libertária precisava desenvolver uma consciência anárquica, que rejeitasse qualquer relação autoritária, para instaurar uma nova forma de organização social – a autogestão.
Os anarquistas possuíam uma intensa produção de periódicos, buscavam caminhos para divulgar seus princípios, mudar consciências e atingir a meta final que era a revolução social. Essa produção de periódicos foi fundamental para o movimento anarquista e a pedagogia libertária. Podemos afirmar que foi criado um caminho informal de aprendizagem e divulgação de idéias, fortaleceu-se uma espécie de rede de informações. Os anarquistas acreditavam que essas ações fortaleciam a luta pela transformação dos princípios que regiam a sociedade burguesa.
De acordo com Neiva Kassick e Clóvis Kassick,
O trabalho dos militantes na imprensa anarquista se deu também através da tradução de textos e de relatos de experiências libertárias em educação, que, às vezes, era responsável pelo fato de novas iniciativas serem conhecidas simultaneamente na Europa e no Brasil. Desse modo, os anarquistas brasileiros, em especial os educadores, puderam ter conhecimento imediato das experiências desenvolvidas fora do Brasil e que atendiam à demanda da educação popular em outros países. À medida que essas informações circulavam e eram discutidas, forneciam os instrumentos para que os trabalhadores pudessem avaliar as condições precárias da educação que lhes era oferecida e criar suas próprias alternativas (Kassick, Neiva e Kassick, Clóvis, 2004, p.4).
Esse modo agir pedagógico parece ter tido muito maior alcance do que conhecemos nos atuais registros dos livros de história da educação, por isso estamos pesquisando novos acervos documentais para ampliar nosso conhecimento histórico sobre a educação anarquista. Com esse intuito trabalhamos com o acervo de correspondência de Fábio Luz, no Arquivo Nacional.
Contribuições de Fábio Luz para o movimento e a educação anarquista
Fábio Lopes dos Santos Luz (1864-1938), foi um médico baiano que, no século XIX, se envolveu com o movimento abolicionista e republicano. Lutou contra as injustiças sociais, a miséria e a opressão política das classes populares. Além de exercer a medicina, também trabalhou com inspetor escolar no Distrito Federal e foi crítico literário em vários periódicos, desenvolvendo uma fértil atividade literária. Dedicou-se a escrita de romances sociais. Destacamos suas obras: os romances, Ideólogo e Os Emancipados e as novelas, Nunca e Manuscrito de Helena.
Ele aderiu ao movimento anarquista, seguindo os princípios do anarquismo libertário, inspirado em Kropotkin, Elisée Reclus e Malatesta. Fez conferências, palestras e escreveu para os periódicos: "A Plebe", "A Vida", "Voz da União", "Spartacus", entre outros. Dedicou-se à implantação da Universidade Popular, que deveria fornecer formação científica e política ao proletariado. Essa iniciativa durou poucos meses, mas recebeu a contribuição de nomes respeitados da intelectualidade carioca, como: Elisio de Carvalho, Felisbelo Freire, Rocha Pombo, Evaristo de Morais, Pedro Couto, José Veríssimo e outros.
A partir do acervo de suas correspondências, no Arquivo Nacional, constatamos o seu incentivo à organização de escolas que criassem mecanismos de auto-gestão, de modo a não depender exclusivamente do financiamento do estado. Localizamos uma correspondência, datada de 19 de setembro de 1916, com o Grupo Escolar Frei Miguelinho, em Natal, no Rio Grande do Norte, onde o Diretor da referido Grupo Escolar explicava que inspirado nas propostas de gestão de Fábio Luz, organizou duas Caixas Escolares, uma destas teria a finalidade de incutir na criança uma nova concepção de economia e a outra era mantida por sócios honorários com o intuito de auxiliar as crianças pobres.
Fábio Luz exerceu uma militância política anarquista significativa ao lado de José Oiticica, formando o grupo "Os Emancipados" e participou da fundação de dois periódicos: "A Luta Social" e "Revolução Social". Até 1938, quando faleceu, manteve seus ideais anarquistas.
Considerações Finais
Por meio de nossa pesquisa constatamos que a educação anarquista foi uma estratégia para instaurar a reflexão sobre as desigualdades sociais e econômicas. Este tipo de educação considerava a reversão de valores e princípios imprescindível para instaurar um novo tipo de homem e sociedade. Para os anarquistas "a única forma de eliminar essa relação de desigualdade, na qual uma minoria dirigente submete a maioria dirigida, é restabelecendo a força social da coletividade" (Kassick, Neiva e Kassick, Clóvis, 2004, p. 9). Essa força social somente seria construída a partir de um novo tipo de educação que permitiria não somente o acesso aos diferentes tipos de conhecimento, como também a uma ampla discussão sobre os destinos da sociedade.
Consideraram que para enfrentar o processo de dominação seria preciso criar instituições escolares que desenvolvessem uma proposta que possibilitasse a formação de uma nova mentalidade. Na verdade, era preciso instaurar uma visão de mundo baseada em valores tais como: solidariedade, cooperação, igualdade e liberdade. Com essa intenção criaram, no Brasil, suas escolas, que apesar de modestas, poderiam começar um processo de combate a visão subalterna de mundo e proporcionar uma visão de mundo racional e crítica para desenvolver uma sociedade libertária.
Essas experiências demonstram como os educadores anarquistas brasileiros, travaram uma luta constante para construir uma sociedade mais justa, por meio dos caminhos pedagógicos. Partiam do princípio que os homens nascem iguais e, por isso, deveriam ter os mesmos direitos, "a convivência entre pobres e ricos, quando ainda criança, possibilitaria superar as discriminações sociais e evitar o problema de ódio entre as classes" (Kassick, Neiva e Kassick, Clóvis, 2004, p.5-6). Buscavam, por meio da educação, um novo tipo de consenso social.
Consideramos significativa a pesquisa histórica sobre essa concepção pedagógica no sentido de refletir sobre novos paradigmas do pensamento educacional brasileiro, na contemporaneidade.

FONTE:http://universidadepopular.blogspot.com/
'grifos meu"

26/01/2011

Audiência com a Gerência de Recusos Humanos da SME sobre funcionários administrativos: Veja o resultado

O Sepe teve audiência com a SME no dia 25 de janeiro. A reunião foi com a Gerência de Recursus Humanos da Secretaria, representada por sua coordenadora, professora Maria de Lourdes. Na pauta, questões referentes aos funcionários administrativos da rede municipal. O Sepe iniciou a audiência questionando a política de terceirização da prefeitura e as péssimas condições de trabalho nas escolas, além de solicitar informes sobre a ampliação das unidades escolares que terão APA’s em 2011. Veja o que foi discutido:

Política de terceirização da Prefeitura, condições de trabalho e APA’s:

Maria de Lourdes informou que ainda não tem números precisos, porém mais de 200 APA’s entrarão nas escolas. Apenas 80 merendeiras do concurso de 2008 foram convocadas, uma vez que o entendimento da Prefeitura é de que o prazo de validade do concurso acabou no dia 16 de janeiro.

Questionamos este fato, já que o processo judicial sobre a convocação ainda não foi concluído.

A coordenadora de RH da SME disse que esta era uma discussão que não pertencia a ela e sim a Procuradoria Geral do Município. Ela afirmou que não haverá transferência de merendeiras para creches, uma vez que o trabalho é tão pesado quanto nas escolas e que tal experiência já havia sido tentada sem um balanço positivo. Portanto, as merendeiras e lactaristas das creches continuarão sendo contratadas. Disse ainda, que muitas das 80 merendeiras convocadas estão com pendências médicas.

Sobre a entrada dos APA’s, afirmou que o levantamento de escolas está sendo feito pelas CRE’s. O critério pertence a cada CRE, porém a orientação será para as escolas que tem muita carência, com difícil acesso, entre outros.

A direção do Sepe ponderou que a entrada dos APA’s não soluciona o problema da carência de merendeiras. Apresentamos o aumento da sobrecarga de trabalho e carência por causa dos projetos de correção de fluxo, que ampliam o número de alunos, quantidade de merenda e a diversidade, como no caso do “Mais Educação” que tem um lanche diferenciado.

Maria de Lourdes afirmou que a portaria do quantitativo de merenda por merendeira deve ser respeitado e, que a orientação enviada as CRE’s é o de aumentar o número destes profissionais de acordo com os projetos.

Solicitamos que esta orientação fosse dada também para o aumento da variedade de refeições servidas, como no caso dos lanches diferenciados.

Lembramos ela sobre a necessidade de um projeto que garanta a lotação dos funcionários na UE. Denunciamos os problemas que, principalmente, as merendeiras sofrem. Por conta da carência, constantemente são deslocadas para outras escolas. Há casos de merendeiras que passaram por 8 escolas no mesmo ano.

A coordenadora afirmou que a origem de funcionários não solucionaria estas remoções e que não é de sua alçada a resolução deste problema.

Bônus Cultura para funcionários:

Sobre a extensão do bônus cultura para funcionários, ela disse que a concessão desta benefício era um ato legislativo e, portanto, tem que ser ampliado via Câmara de Vereadores

Creches Municipais:

Sobre as creches, afirmou que serão convocados mais mil AAC’s até março, dependendo dos trâmites da Perícia Médica Municipal, ato de posse, etc. A idéia é que os PEI’s possam estar lotados até fevereiro (dependendo também de tais tramites). Os PEI’s atuarão apenas nas turmas de MI e MII. O Berçário continuará apenas com os AAC’s.

PII e PEI e falta de plano de carreira unificado:

Questionamos o fato de uma nomenclatura diferenciada para uma mesma função (PII e PEI), a ausência de um Plano de Carreira Unificado e qual o período que os PEI’s ficariam nas turmas.

Maria de Lourdes explicou que a idéia é garantir o professor em horário integral nas creches e, por isso, a SME irá oferecer dupla regência. Porém com a ampliação da rede, não sabe se será possível.Sobre o Plano de Carreira, disse estar sem informes recentes.
O Sepe lembrou que esta incerteza nas creches traria a mesma situação de dupla função para os AAC’s.

Ela afirmou que caso a Prefeitura não consiga garantir o PEI em horário integral, algum projeto desenvolvido pela Professora Articuladora garantirá a questão pedagógica.

Agentes Educadores:

Sobre os agentes educadores, a coordenadora disse que na próxima semana já devem estar sendo lotados os 100 aprovados, mas que haverá uma convocação de mais alguns. A prioridade será para os Ginásios Experimentais Cariocas, escolas de 2º segmento e horário integral. Caso estas escolas já tenham este profissional, será lotado em outra unidade.

Questionamos o número baixíssimo destes profissionais, tão essenciais a uma educação de qualidade e, o escândalo dos contratos políticos dos agentes de portaria.

Ela afirmou que esta licitação não foi feita pelo GRH, e que a SME suspendeu a licitação. Portanto, ainda não há informe de quando ocorrerá nova licitação e nem quando teremos estes profissionais nas escolas.

Concurso para contratação de mais funcionários administrativos:

Questionamos mais uma vez o método da terceirização, exigindo concurso público e apresentando a necessidade de funcionários de diversas áreas nas escolas.

Maria de Lourdes afirmou que esta questão não pertencia a sua função. Colocou ainda que agentes educadores e merendeiras fazem parte da SME e não da SMA. Que haverá um concurso para agente administrativo e que solicitará que alguns possam atender as demandas da educação.

Trabalho nas férias:

Sobre as férias, denunciamos que algumas escolas, obrigam merendeiras que não fecharam a PA, a trabalharem no recesso.
 
A coordenadora disse que isto não ocorria desde o fim das Colônias de Férias, e, mesmo quem não feche a PA tem que gozar as férias, que são coletivas, apenas não recebendo um terço a mais do salário.

Insistimos que muitas direções obrigam as merendeiras a trabalhar pois não há quem faça comida em janeiro.

Ela afirmou que a ordem de redução da carga horária para 6 horas neste mês, é exatamente para que não existam problemas com o almoço. Que não há pedido de merenda e nenhuma merendeira tem que cozinhar para direção. Em alguns casos raros, onde a UE tenha atividade nas férias, as merendeiras devem ser remuneradas ou, trabalhar poucos dias, tendo direito a folgas posteriores de acordo com os dias trabalhados, uma vez que férias de merendeiras AAC’s e professores são coletivas.

Solicitamos e a coordenadora se comprometeu a enviar uma orientação as CRE’s, para que as merendeiras que trabalharam nas férias este ano possam gozá-las quando fechar a PA. Disse também que irá detalhar esta ordem, para que ano que vem não exista mais este desinforme.

Reivindicamos nossa luta pela redução da carga horária para 30 horas semanais. Maria de Lourdes disse que não havia nenhum projeto específico na Prefeitura sobre isso.

Sobre o difícil acesso, informou que quem determina é a CRE. Portanto, qualquer questionamento tem que ser feito na CRE.

Ao final solicitamos que a SME divulgue os números da educação (quantidade de profissionais, readaptados, BIM, etc). Ela pediu que encaminhássemos um ofício e que responderia prontamente. 



Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do RJ

25/01/2011

Ensaio para uma Universidade Popular

"Grifo meu"(Paulo Kautscher)

UM CONVITE...
 
Quando uma sociedade é incapaz de criar as justificativas da sua existência, modifica imediatamente os mecanismos de produção das ideologias. A universidade sempre foi um desses mecanismos. Mas se a universidade já não pode mais dar resposta ao atual estágio de dominação, é porque de alguma forma as pessoas começaram a despertar. Deixaremos mais uma vez os soníferos discursos das modernizações conservadoras nos colocarem na cama ou nos levantaremos definitivamente? Fazemos, então, um convite à rebeldia e à criatividade. Não podemos aceitar a velha universidade burocratizada, nem a UNIVERSIDADE NOVA colonizada. Construamos nós, junto aos trabalhadores, a Universidade Popular!
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COMUNA

RESUMO: Diante de tantas propostas de reformas universitárias, lançadas no Brasil e fora dele, poucos foram aqueles que pautaram este debate por fora dos marcos da institucionalidade. Parece que nada se pode fazer para realmente modificar tais estruturas de forma radical. Este ensaio pretende resgatar um debate, o debate sobre a Universidade Popular, e se pauta na impossibilidade da tradicional esquerda brasileira de propor um sistema educacional para além do capital. Seu pano de fundo não poderia ser outro, a não ser as ocupações de reitorias que aconteceram durante todo o ano de 2007, principalmente nas universidades estatais, e o protagonismo dos movimentos sociais mais populares em propor uma “nova forma de fazer política”. 
I
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Ao contrário do que afirma a tradicional esquerda, a chegada ao poder institucionalizado dos partidos outrora socialistas (ou “dos trabalhadores”), principalmente pela via eleitoral, não se caracteriza pelo inicio de um projeto, mas exatamente pelo seu final. A chegada ao poder, ou pelo menos ao controle do Estado em seus âmbitos mais restritos (burocracia e aparato policial), só acontece quando as condições subjetivas de uma parte significativa da população já estão em conformidade com o programa do grupo que ascende, e é para legitimar este processo que servem as eleições. Mas o próximo grupo dirigente também só pode chegar e se manter no Estado se for capaz de gerir a dinâmica contraditória do capital. Prepara-se toda uma sociedade, incluindo aí todas as suas classes, para determinado momento. O Estado vai aos poucos se modificando para acolher seu próximo grupo dirigente, e aí se inclui também as transformações do Estado em sua esfera mais ampliada (empresas no geral). Mas esse movimento é de mão dupla, e o próprio grupo vai incorporando práticas do Estado que almeja conquistar. Assim, quando o partido e o Estado finalmente se encontram e se confundem, é porque um ciclo se fechou. Daí para frente mudar o Estado, ou toda a sociedade, é mudar-se; e mudar-se é abrir mão daquilo que é e do que tem, ou seja, das instituições de dominação e do poder que emana delas. Este grupo que se funde com o Estado pode ser um legítimo representante de toda uma classe ou pelo menos da fração mais forte dela. Pode ser apenas um partido, mas geralmente é um conjunto deles.
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Entretanto, um conjunto de práticas não forma somente uma instituição, mas várias. Um partido político, portanto, pode apenas ser um dos inúmeros representantes de todo um programa de uma classe. Entre estas outras instituições, além de outros partidos, pode haver diversas organizações, que aparentemente são distintas e independentes, e há também conjuntos de práticas que não chegaram ainda a se consolidar em algo determinado. 
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O problema é que quase sempre, principalmente quando o Estado e o partido ainda não formaram uma coisa só, fica difícil delimitar quais instituições estão de cada lado da luta de classe. Isto acontece porque não tendo ainda chegado ao poder, e não tendo o projeto da sua classe se consolidado, o partido ainda está imerso em suas próprias contradições. Vira de fato, quando se trata de um partido de esquerda, um campo de confluência de classes antagônicas e de práticas contraditórias: é, somente neste aspecto, uma instituição em disputa1.
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Esta confusão entre as classes, de uma não saber onde começa a outra, é fruto de dois aspectos. O primeiro aspecto é que uma classe só existe em relação à(s) outra(s). Isto quer dizer que só se supera uma classe antagônica quando se supera a própria classe à qual se pertence. Ou seja, os trabalhadores formam uma classe do capitalismo assim como a burguesia forma outra. Superar o capitalismo significa superar não somente os exploradores, mas também os explorados. A diferença entre estes dois lados é que uma destas classes só existe de forma separada quando se coloca no campo do pró-capitalismo e a outra quando se assume anticapitalista. Ou seja, enquanto as classes não entendem as contradições que as determinam é comum que seja decretada a sua não existência, o que na prática leva à colaboração entre elas. Defender a classe trabalhadora como eterna, em última instância é tirar dela todo o seu caráter revolucionário, que é o de superar a si própria. Porém, é o outro aspecto que é ainda menos conhecido.
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Parece-me nítido que uma classe pró-capitalista é aquela que vive da exploração do trabalho e defende esta condição como necessária e insuperável. Em última instância, basta descobrir onde está posicionado tal grupo no ciclo de criação do valor para começar a decifrar os seus interesses. O difícil, portanto, não é desvendar as classes, mas o ciclo que as tornam parte do mesmo processo, apesar de serem partes contraditórias. Este ciclo, hoje, não poderia ser outro a não ser o modo de produção capitalista. Entretanto, apesar de manter a mesma essência faz uns bons séculos, o capitalismo modificou-se para não deixar de existir. E estas modificações tenderam quase sempre para complexificar uma situação que já não era muito fácil de entender. Provavelmente até à Revolução Russa em 1917, era bem nítido a quase todos que aqueles que detivessem a propriedade dos meios de produção seriam os que ocupariam a função de classe pró-capitalista2. Os que tivessem somente a força de trabalho teriam que se formar enquanto classe anticapitalista – se quisessem almejar uma vida melhor. Assim, não basta também somente estar do lado menos favorecido no ciclo da exploração do trabalho, é preciso se compreender enquanto tal. 
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Mas as modificações no capitalismo foram tão profundas que nos mostraram que não é a garantia jurídica da propriedade privada que determina a atual situação de exploração do trabalho, mas o forte controle exercido sobre os trabalhadores. Ou seja, voltemos às práticas! São elas que determinam onde estamos na história, e não as instituições derivadas delas. Por exemplo, a forma de organização do trabalho, que se reflete muito nitidamente no taylorismo, é uma expressão do conjunto de práticas que mantém a hierarquia cada vez mais rígida apesar de cada vez mais camuflada. Houve taylorismo sob o capitalismo de Estado da URSS, e houve também sob o liberalismo dos EUA. A propriedade privada se mostrou uma consequência e não a essência do capitalismo. E quem ainda tem dúvida basta olhar para as experiências “socialistas” e perceber que a exploração do trabalho continuou sem a existência da propriedade privada. E a exploração continuou porque havia subordinação. É aí que está a questão: nem sempre, e cada vez menos, é o proprietário aquele que controla a exploração do trabalho. A esta classe, que planeja e se apodera dos resultados da produção sem necessariamente se preocupar com a propriedade jurídica, chamamos de gestores e se confundem, muitas vezes, com os trabalhadores – seja porque os seus membros estão diretamente ligados à organização do trabalho, como os dirigentes dos sindicatos burocratizados; seja porque são responsáveis por criar os arranjos organizacionais capazes de tirar dos trabalhadores ainda mais valor do seu trabalho, como os administradores. Assim, diversas organizações que se assumem “dos trabalhadores” nitidamente não são instituições burguesas, e até combatem a burguesia numa disputa intercapitalista. Mas por controlarem os trabalhadores e as relações de produção de forma vertical e viverem do valor excedente gerado pelo trabalho (a mais-valia), também não são instituições de trabalhadores – ou pelo menos, não hegemonizadas por estes. 
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O que está colocado aqui é: pelo fato de não ser uma tradicional instituição burguesa, esta mesma instituição não pode automaticamente ser considerada uma instituição proletária; e mesmo havendo trabalhadores junto com representantes das classes pró-capitalistas na sua composição, são as práticas dominantes que nos dizem o lugar desta instituição na luta de classe. Quando esta instituição reproduz relações de produção tipicamente capitalistas (como a manutenção das hierarquias e a conseqüente separação entre a base e os chefes), e estas relações soterram as práticas que questionam o capital (como a solidariedade e a autogestão), então esta instituição mais cedo ou mais tarde arrancará do seu interior esta contradição e seguirá o caminho determinado pelas práticas vencedoras. E este momento geralmente é quando se chega ao poder do Estado.
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II
A história do PT (Partido dos Trabalhadores) não me parece fugir muito deste esquema, desta dialética entre práticas e instituições. Não é o PT que funda um conjunto de práticas que hoje chamamos, já de maneira irônica, de “modo petista”. Ao contrário, o PT é fundado por este “modo” e é muito mais resultado da história do que criador dela, por mais que aceitemos o seu protagonismo nas lutas sociais brasileiras das duas últimas décadas.
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Essas práticas que fundaram o PT também fundaram outras instituições, umas antes mesmo do próprio surgimento do PT, outras tão menores e efêmeras que quase não nos lembramos delas. Uma grande parte delas, reconheçamos, estava ligada às diversas formas de organização dos trabalhadores, mas outras tantas se ligaram às classes que controlam e exploram o trabalho. E destas que controlam o trabalho estão desde as burocracias sindicais; a maior parte da autodenominada “sociedade civil”, ou as ONGs – cada dia mais responsáveis pela difusão da ideologia do capital; contando também outros partidos que foram incorporando o projeto petista ao longo do tempo. Entretanto, e hoje é mais fácil afirmar isso de tão completo que está o “modo petista”, há também um conjunto de instituições que historicamente nunca se confundiram com os trabalhadores, nunca foram espaços de disputa para eles, ao contrário dos sindicatos, por exemplo. Falo das empresas, das grandes corporações, das bolsas de valores, cada dia mais alinhadas ao PT. Esses gestores, apesar de surgirem muitas vezes do “chão da fábrica” e, portanto, terem uma ligação muito forte com a unidade produtiva, só se consolidam enquanto classe quando entram também em contradição com a outra classe capitalista, que é a burguesia. Para tanto, não basta ficar na unidade produtiva, entrando em confronto somente com os trabalhadores e mantendo-se subordinados aos proprietários dos meios de produção: é preciso se colocar ao nível superior, que hoje se expressa no mercado financeiro, mas que nada verdade é o próprio controle global do capital. Os fundos de pensão são, portanto, cada dia mais dominados pela burocracia sindical, como nos mostra Francisco de Oliveira em o “Ornitorrinco” (2003)3. Mas há aqueles que já se situavam neste espaço de reprodução do capital mesmo sem ter nenhuma ligação com os movimentos dos trabalhadores. Ou seja, enfim os gestores do grande capital se encontram com os gestores que controlam o trabalho, e só desta junção é possível garantir tal hegemonia. Este convergência entre gestores do “chão da fábrica” com os das grandes empresas é, por exemplo, o que justifica, no plano das ideologias, o “fim da história”, já que as antigas oposições se confraternizaram. Mas que, no nível da economia, representa a total imbricação do Estado com as organizações da sociedade civil e com o Mercado. 
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Por outro lado, quanto mais acabada é uma instituição, mais ficam evidentes suas contradições originais devido às escolhas que suas organizações têm que tomar para continuarem a existir. E quanto mais evidentes as contradições, é porque menos poder se concentra na ideologia que as sustenta. O reflexo disso não poderia ser outro a não ser o abandono, pelos trabalhadores, destas instituições enquanto caminhos para uma vida menos sofrida, contando aí toda a subjetividade deste desejo, já que, se tratando do PT, parece nunca ter havido muitas esperanças que deste partido surgisse um instrumento revolucionário.
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Como se vem observando especialmente nos últimos anos, intensificou-se o descolamento dos movimentos sociais do “modo petista” e busca-se agora, de forma muito difusa ainda, um “novo modo de fazer política”. Movimentos outrora considerados do lupemproletariado, ou seja, formados por um segmento social que não mereciam nenhuma confiança dos operários, se levantam de forma organizada por todo o país, refletindo uma tendência que se manifesta de maneira muito concreta em toda a América Latina. Estes movimentos, também campo de confluência de práticas antagônicas, quase sempre sendo os últimos da fila na prioridade dos partidos, sejam eles de direita ou de esquerda, são os primeiros a experimentar estas “novas formas de fazer política”. Mas as organizações mais tradicionais, como os trabalhadores rurais que lutam pelo direito de trabalhar na terra e até mesmo alguns operários (como aqueles que ocupam as fábricas, principalmente quanto estas são abandonadas pelos patrões) apontam para a mesma direção. O fato é que estes movimentos são formados pelos desempregados ou aqueles em situação precária de emprego e se expressam sob outras pautas quando não diretamente na busca de trabalho4, como a luta pela moradia ou outras demandas da “cidadania”. 
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Uma das formas de fazer suas lutas que estes movimentos desenvolvem são as ocupações. Diferentes das greves, que paralisam a produção e/ou a circulação de mercadorias mas não apontam para outro modo de vida, as ocupações se confrontam com o capital criando uma alternativa a ele, porque nestes espaços um conjunto de práticas é fomentada e delas, aos poucos, novas instituições brotam, instituições que se fundamentam, desde sua raiz, no antagonismo de classes e não na conciliação. Numa ocupação, a busca pela satisfação das necessidades básicas se imbrica na organização política do movimento, aliando, mais pela imposição das condições materiais do que pelas idealizações, a “luta política” com a “luta econômica”.
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Não se trata, entretanto, de uma novidade história. As ocupações, principalmente de fábricas, mas às vezes de bairros inteiros, foram práticas comuns aos trabalhadores durante todo o século XX. Porém, poucas foram as que caminharam para a auto-gestão da produção. A maioria sequer ousou a colocar a fábrica para funcionar. A partir de 1968 é que se tornou mais comum, nas lutas travadas pelos trabalhadores, colocar a indústria em funcionamento mesmo sem os proprietários. Na América Latina, o caso do Chile é emblemático. Durante o governo de Allende, quando os gestores e a burguesia paralisaram a produção, os trabalhadores continuaram a produzir mesmo sem nenhum apoio do Estado. Na Europa, a França foi o local de experiências conhecidas, com a da LIP (1968). Entre os anos de 1974 e 1975, muitos operários portugueses também conseguiram tomar as fábricas, e geri-las sem os patrões e a burocracia sindical. A questão colocada neste texto, entretanto, não é a originalidade da tática, mas a dimensão que ela ganha na atual conjuntura. Por mais que a fábrica fosse o local de socialização dos trabalhadores como já mais tinha se visto na história – principalmente antes da reestruturação produtiva por qual passou o capitalismo após meados da década de 70, onde a tendência passou a ser a de fragmentar a unidade produtiva –, uma ocupação de terreno para construção de moradia consegue abarcar a vida dos seus ocupantes numa dimensão ainda maior, até porque, para um grande número, trata-se da primeira experiência consciente de intervenção política, e a comunidade ali criada é a primeira da qual se faz parte de forma efetiva.
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Entende-se por “luta política”, então, desde as micro-relações de poder, como, por exemplo, a necessidade de combater o machismo e o racismo para fundamentar uma relação mais harmoniosa entre os ocupantes, até a confrontação com o Estado, ou como acontece ainda com mais freqüência, exigindo ao Estado os “direitos fundamentais” – e é aí que se expressa o caráter contraditório deste conjunto de práticas, que é uma herança, aqui no Brasil, do “modo petista”. A “luta econômica”, por sua vez, não se expressa, assim como nos economicistas tão criticados por Lênin, na busca por melhorias de condições de trabalho (ver Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo, texto de 1920). Simplesmente para estes não há a figura do patrão para se exigir algo nem chega até eles a legislação trabalhista – o conjunto de leis que legitima a exploração do trabalho e que a esquerda tradicional tanto ama. A “luta econômica” é a pura e simples experimentação de formas outras de organizar a produção e o trabalho. Neste caso a contradição consiste muitas vezes em ainda se buscar trabalhar de forma individual (hoje atitude louvada com o nome “empreendedorismo”) do que na organização coletiva. O fato é que fazer a “luta econômica” nestes termos é afrontar ao capitalismo na sua essência, que são as práticas hierarquizadas e, portanto, é também uma “luta política”. Por sua vez, a “luta política” só pode acontecer se for através da construção de novas práticas. Fica evidente para estes movimentos, principalmente através de suas táticas, que têm como maior expressão as ocupações, que só podem avançar se aliarem novamente “luta política” e “luta econômica”, superando ao máximo as contradições destes processos. A junção entre “luta política” e “luta econômica” é, portanto, a luta pela autogestão.
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Entretanto, apesar de só agora o conjunto de práticas que criaram o PT começarem a perder a hegemonia, os movimentos que adotam esta “nova forma de fazer política” não partem do zero – e são movimentos muitas vezes de nascimento recente. Esta “nova forma de fazer política” não tem muito de novo. Aliás, o “modo petista” também não surge no início da década de 80... Enfim, historicamente este conjunto de práticas, que hoje já é chamado de autonomismo por muitos, apesar da completa falta de unidade entre aqueles que o reivindicam, trava lutas em paralelo e de forma marginal contra o capitalismo e suas classes privilegiadas, desde a direita clássica até os partidos centralistas autoritários. O fato é que poucas vezes conseguiu-se ser um pouco mais que uma seita, e sempre exerceu um papel secundário. Somente se considerarmos as lutas travadas pelos anarquistas, ou as lutas que entraram para a histórica como lutas anarquistas, como as que aconteceram na Guerra Civil Espanhola entre outras, é que o autonomismo ganha uma dimensão mais significativa na história. Porém, apesar de compartilhar muitos dos princípios anarquistas, pode se tornar muito problemático colocar os atuais movimentos autonomistas como naturais herdeiros daquelas lutas, até porque o movimento anarquista continua a existir e até parece ganhar um novo fôlego. 
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Portanto, é plausível pensar que ao se levantar contra o poder do capital, e encontrar pela frente exatamente o PT e suas instituições irmãs porque originadas das mesmas práticas, uma das possibilidades dadas para estes movimentos é tentar usar algumas das táticas e projetos oriundos das práticas que estiveram ao lado dos trabalhadores ao longo destes anos e que por sua vez não compactuaram com o “modo petista”.
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III
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O que se passa neste momento é uma ascensão das lutas sociais em todo país, dizem até que em toda a América Latina, e o que acontece no movimento estudantil é apenas uma expressão, talvez uma das menores expressões, deste processo. Por ser o setor das lutas sociais mais próximo da intelectualidade, e, portanto, capaz de fazer-se ouvir com menor dificuldade, suas lutas ganham uma visibilidade relativamente maior que as dos outros. Sem contar aí que, além de próximo dos “formadores de opinião”, a universidade, local onde o movimento estudantil cria suas lideranças, foi durante um bom tempo o berço dos gestores. Por isso há todo um cuidado em não criminalizar os estudantes revoltosos assim como o fazem com outros setores – como os sem-teto e os sem-terra. Há sempre a esperança de que estes estudantes sejam os futuros dirigentes da sociedade, repetindo uma tradição já secularizada. Somente quando se radicaliza as lutas dentro das universidades, e quando há uma pressão muito forte dos grandes gestores do capital para transformar esta instituição conforme seus interesses, é que os estudantes passam a ser alvo de repressões mais duras, que é o que acontece, neste momento, no interior de São Paulo e na Bahia5
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Por sua vez, descolados completamente das outras lutas que acontecem fora dos campi, o movimento estudantil, e também o dos professores, tem uma dificuldade enorme de perceber que o movimento do qual participa é na verdade uma parte, e não a vanguarda, da nova conjuntura. Age deste modo não somente por arrogância, mas porque ainda dá força à ideologia das classes dominantes que defende a superioridade do trabalho intelectual frente às outras formas de trabalho, e do profissional intelectual frente ao assalariado, e consequentemente não percebe que o próprio trabalho intelectual, hoje, é uma das formas em que as classes dominantes mais extraem valor. Pior: acreditam mesmo que a universidade deve ser o espaço onde as classes poderiam conviver fraternalmente, para o bem da ciência, que seria, na verdade, neutra.
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O que há de peculiar neste momento, e o que nos leva a crer que há uma ligação muito forte entre o que acontece fora e dentro das universidades, não é ainda a radicalidade das ações – apesar de serem muito mais radicais do que as lutas encampadas sob o signo do “modo petista” – mas a profunda reflexão feita por todos sobre os caminhos a serem percorridos daqui para frente. Nos novos fóruns do movimento estudantil, nas novas centrais sindicais ou nos congressos dos movimentos sociais, pelo menos um questionamento parece surgir em todos estes espaços e apontar para o mesmo caminho: como construir as lutas de uma forma diferente daqui para frente?
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Qual a origem deste questionamento, então? A certeza de que a forma como vínhamos organizando as lutas, e as conseqüentes pautas destas lutas, se esgotaram. O que é este jeito de fazer política que se pretende criticar e superar a não ser o próprio “modo petista”? E é bom lembrar que este conjunto de práticas que caracteriza o “modo petista” não foi ainda completamente superado, nem pelos mais radicais dos movimentos. E que, entre aqueles que querem superá-lo, há muitos que tentam regatar práticas ainda mais burocratizadas. 
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Ao contrário do que se propaga com frequência (principalmente através do tipo de marxismo que prega a neutralidade das forças produtivas), o Partido, seja ele de quadros ou de massas, provou que ao invés de fazer o prometido, que era unificar as lutas, jogou um papel fundamental na sua fragmentação (ou pior, na sua subordinação). Na universidade, e principalmente no movimento estudantil, isso se refletiu na completa separação dos estudantes dos movimentos sociais em particular, e dos trabalhadores no geral, como já assinalado. Segundo eles, cada movimento deve lutar pelo específico, enquanto nós, Partido, lutamos na esfera institucional pelo bem de todos. Neste aspecto, por mais que esta afirmação irrite os outros partidos de esquerda existentes no país, sem dúvidas, não houve nenhum outro partido tão bolchevique quanto o PT no que confere à subordinação de toda uma classe! Por sua vez, poucos foram os movimentos sociais que pautaram em suas lutas uma universidade a serviço de suas próprias demandas, ou o que chamamos de Universidade Popular. Uma luta não dialogava com outra, intencionalmente.
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Mas, nesta nova conjuntura, as esperanças no “modo petista” se diluem. E, ao contrário do que previram durante mais de um século os partidos social-democratas e os de linha leninista e/ou trotskista, a pauta dos movimentos passa a ser, entre outras coisas, a de unificar a luta através de outras formas de organização. Ou seja, os movimentos se mostram capazes de criar seus espaços de interlocução sem mediações. Não se trata somente de criar uma “nova forma de fazer política”, mas uma forma de construir as lutas como base em princípios antes rejeitados, como os da autonomia e da horizontalidade.
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Não é uma questão de ficar idealizando os movimentos sociais. De fato, a reivindicação imediata de todos eles é, em essência, a da conquista da cidadania ou a consolidação da democracia, ou, sendo mais objetivo, a manutenção do Estado e da sociedade atual. É uma contradição, que muitos compreendem que exista, mas poucos sabem como sair dela. Mas quais as conseqüências diretas e já vistas nestes espaços de interlocução? A construção de pautas comuns e de práticas menos hierarquizadas. Por sua vez, o grande diferencial dos movimentos sociais é que são, na maioria dos casos, movimentos de trabalhadores (e não de gestores), feitos por eles e para eles mesmos. São os trabalhadores que gerem as suas lutas e compreendem as limitações dela. Se o programa político, aparentemente, não rompe com o capitalismo, as práticas que podem fundamentar uma nova sociedade já estão a ser constituídas.
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Mas a questão é: os estudantes, e principalmente os estudantes universitários, nunca foram vistos como lupemproletariado. Na verdade, nem como trabalhadores eram vistos. O que fazem eles, então, usando cada vez mais uma tática das camadas de trabalhadores mais periféricas na dinâmica do capital, ao lançarem-se em ocupações?
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Nas ocupações das reitorias das universidades que aconteceram pelo Brasil durante o ano de 2007, por exemplo, a exigência da construção de uma Universidade Popular é nada menos que a expressão da unificação das lutas por uma educação a serviço dos trabalhadores. Se na ocupação da USP (Universidade de São Paulo) isto parecia ser apenas uma das exigências dentre duas dezenas de outras, na ocupação da UFAL (Universidade Federal de Alagoas), acontecida no mesmo período, na prática foi essa a principal reivindicação, já que segmentos dos movimentos sociais estiveram juntos aos estudantes pautando suas próprias demandas, o que incluía a consolidação de um novo curso (consultar os blogs da ocupação). Na ocupação da UFBA, acontecida poucos meses após, por sua vez, esta pauta surgiu de forma nítida e ainda com mais força. Não entrarei aqui, com o perigo de fazer falsas análises, no julgamento porque uma e não a outra ocupação pautou esta bandeira com mais clareza. O fato é que, apesar da menor comoção social, na UFAL o movimento foi vitorioso de forma muito mais rápida, enquanto hoje, na USP, a reitoria assume sua função policial e começa a punir os estudantes revoltosos. Na UFBA o conflito ainda estar muito acesso para qualquer previsão de desfecho.
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IV
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.Mas a grande questão agora é saber como materializar esta Universidade Popular. Percebamos: os movimentos sociais passaram a reivindicar esta bandeira apesar dos diversos nomes dados a este projeto e uma parte do movimento estudantil começa a compreender que só pode ser um movimento pautado na luta de classe se for aliado dos trabalhadores. Os trabalhadores, sejam eles ainda estudantes ou não, querem agora uma universidade preocupada com suas demandas. Mas de fato, ninguém sabe como será esta tal Universidade Popular. Isso é ruim? Afirmar que isto é ruim é continuar na linha de pensamento que defende a incapacidade dos trabalhadores de criarem suas próprias instituições, ao invés de copiarem as existentes. Por outro lado, assumir a possibilidade de não ter um projeto pronto é alimentar a certeza de que a sociedade futura e suas conseqüentes instituições só podem surgir se forem fundamentadas num novo conjunto de práticas. E a prática para a qual aponta esta incerteza é a da construção coletiva e democrática. Ou seja, a primeira pauta desta Universidade Popular é o modo como ela deve ser construída.
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O segundo questionamento que deve ser levantado é se a Universidade Popular pode surgir das atuais universidades ou se deve se confrontar com elas neste primeiro momento. Se partirmos do pressuposto que nem o capitalismo nem o socialismo encarnam o fim da história, podemos afirmar que tudo está em transição. E com este pressuposto podemos afirmar também que é mais importante pensarmos nos meios do que nos fins. Se neste momento focarmos nossa luta na derrubada da burocracia acadêmica, fração da classe dos gestores que domina as universidades públicas e privadas deste país (veja bem, não são os professores de modo geral, mas uma camada de professores que subordina a universidade aos interesses do capital e está a reformular esta instituição e seus currículos para atingir tal fim), quando conseguirmos isso não perceberemos que dezenas de universidades populares já existem por aí e o que quereremos fazer é exatamente destruir estes projetos. É sempre bom usar alguns exemplos históricos, ainda mais quando são amplamente conhecidos. A destruição dos sovietes após a subida ao poder do Partido Bolchevique exemplifica de forma muito nítida este processo. Ou seja, tenhamos sensibilidade de perceber que estas universidades populares já existem em alguns espaços, e em muitos casos estão fora das universidades tradicionais. E mais: estas universidades construídas a margem da institucionalidade do capital influenciam fortemente as universidades estatais. 
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De fato, há cursos de extensão dentro das universidades burocratizadas – não os cursos de extensão financiados pelas empresas, mas os autogeridos por estudantes, professores e trabalhadores envolvidos no processo – que se preocupam na disseminação do cooperativismo com autogestão, por exemplo, e na elaboração de outras tecnologias que, se aplicadas corretamente, servem para a emancipação dos trabalhadores. Mas não é esta a regra e mesmo estes vivem com muita dificuldade e de forma marginal.
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Há também professores e estudantes que mesmo por fora das universidades, sem ajuda de nenhuma das instituições criadas pelas classes dominantes, estão produzindo saber junto aos trabalhadores e a partir de demandas conjuntas. E ainda há os centros de produção de conhecimento construídos por e para os trabalhadores. Provavelmente a Escola Nacional Florestan Fernandes, do MST, seja hoje o exemplo mais conhecido de uma Universidade Popular da qual falamos. E mesmo que não seja ainda, é sem dúvidas uma experiência neste sentido.
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Isso quer dizer que “devemos mudar o mundo sem tomar o poder”? Não se trata disso... Mas só podemos transformar (e não tomar) o poder quando formos capazes de instituir uma nova forma de sociabilidade. Ou seja, quando nossas práticas já estiverem de tal forma enraizadas que fomentem novas instituições que se defrontem diretamente com o poder instituído e sejam capazes de o substituir. Acumular forças é exatamente isto, e não formar uma base alienada sob o julgo de uma direção burocratizada. A este processo de construção de um conjunto de instituições que se defrontam com o poder constituído podemos chamar, assim como o próprio Lênin fazia, de “poder dual”. A Universidade Popular é a forma de poder que deve se defrontar com a Universidade do Capital, seja ela “pública” ou privada. A Universidade Popular deve ser compreendida também como uma das possíveis formas de expressão do poder popular.
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Ou seja, este “poder dual” pode acontecer por dentro ou por fora das universidades atuais, mas seja onde for só acontece a partir da unificação dos trabalhadores de fora das universidades com os filhos e filhas de trabalhadores e trabalhadoras que estão dentro das universidades. Daí, a construção de fóruns onde os movimentos sociais tenham voz e voto dentro da própria universidade atual é de fundamental importância. Mas se apegar só a isto é um grande equívoco.
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V
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Derivado disto tudo, é importante entrar numa questão que não deveria ser polêmica para obviedade que ela traz, mas que infelizmente é algo muito caro nas elaborações dos projetos dos próprios movimentos sociais. Até que ponto uma universidade financiada pelo Estado é uma Universidade Pública? Configura como projeto político daqueles que de dentro das Universidades se mantêm no “modo petista” reivindicar “uma universidade pública, gratuita e de qualidade”. Mas a universidade pública que eles reivindicam é a universidade subordinada ao Estado. Aí cabe uma pergunta: a Universidade Estatal (porque é assim que devem ser chamadas as universidades financiadas e controladas pelo Estado) dos períodos anteriores ao neoliberalismo era uma universidade a serviço dos trabalhadores? O máximo que esta universidade estatal conseguiu ser, de forma muito precária, diga-se de passagem, foi uma Universidade de Massas. Mas uma Universidade de Massas não é uma Universidade para as massas. Daí porque parece ser incompreensível exigir a manutenção da atual universidade. O que determina o sentido da universidade são os propósitos pelos quais são criados e transferidos os conhecimentos gerados nela. A Universidade de Massas é um projeto do capital na medida em que cria trabalhadores qualificados para a subordinação destes às empresas. Esta não pode ser a Universidade Popular: é a Universidade Populista. Uma “Universidade para as massas”, cujo melhor termo me parece ser o da Universidade Popular – já que o trabalhador não se deve moldar por outros e sim de forma autodeterminada – é uma universidade que deve ter por objetivo incluir em seus espaços todos que nela queiram entrar, mas para produzir conhecimento para estes que nela entraram, e não para aqueles que de fora a controlam.
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Um espaço público, diferente do estatal, é aquele no qual os trabalhadores que nele se produzem (ou no caso das universidades, os futuros trabalhadores que nela se formam) decidem o futuro de tal espaço. Uma universidade pública me parece ser aquela que pode ser gerida por todos que nela vivem, que é livre para decidir seus propósitos e atende aos interesses da vida, e não do capital. Mas uma universidade pública está a serviço dos trabalhadores que nela não estudam também, porque ela deve ser a expressão dos setores mais oprimidos da sociedade, e não do segmento mais privilegiado dela. Se tal sociedade é composta de uma maioria negra, então deve se dedicar prioritariamente a compreender esta realidade, sem esquecer de outras questões tão importantes quanto. Se o problema da sociedade é criar trabalho menos brutal ou tecnologias de gestão que garantam o controle dos trabalhadores sobre o seu próprio trabalho, então são estes problemas que a universidade deve pautar como prioridades. Seu objetivo não é o de criar mais trabalhadores, mas o de ser um espaço onde as questões colocadas à sociedade sejam debatidas e resolvidas, sem esquecer que outros milhares de locais, também públicos, têm esta tarefa. Enfim, uma universidade pública não pode existir de forma plena nesta atual sociedade, a não ser como dualidade de poder, em projeto inacabado e contraditório.
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Portanto, a universidade pública só é popular se não for estatal. A Universidade Estatal é a Universidade do Capital, assim como hoje é a Universidade da Burocracia Acadêmica. Mas a Universidade Estatal nunca será a Universidade dos Trabalhadores, ou, só para não associar este projeto às práticas a serem superadas: uma Universidade Popular.
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Mas além da defesa abstrata da “universidade pública”, o movimento que insiste em seguir no “modo petista” exige uma “universidade de qualidade”. Por sua vez, a universidade pretendida pela burocracia acadêmica também está a cada dia mais em busca da qualidade. Mas qual qualidade? A qualidade necessária para a reprodução do capital de forma mais plena. A burocracia acadêmica sabe que a ciência tem classe, mas a esquerda do “modo petista” ainda vive na ilusão da neutralidade das forças produtivas. Exige qualidade de forma abstrata e não percebe que cada dia a Universidade está mais qualificada para atender os interesses daqueles que a controlam. As reformas universitárias propostas servem para fazer universidades mais qualificadas nestes aspectos.
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E se a gratuidade é uma grande coisa a ser conquistada, não difere muito das outras duas bandeiras falsamente neutras. Ou seja, presume-se acima da luta de classes. Ser gratuita não garante que o que for produzido nela sirva para a emancipação dos trabalhadores. A Universidade Estatal brasileira sempre foi gratuita, e a cada dia mais as universidades do capital privado tendem a se tornar também, em conseqüência dos projetos de “transferência de renda” criados pelos últimos governos. Se a gratuidade do ensino sempre foi a bandeira mais radical levantada por aqueles que acreditaram ser a educação uma das formas mais concretas de emancipação, isto tudo muito antes do “modo petista” exigir para si a mesma consigna, o fato do Estado financiar o ensino, seja através das instituições privadas do Estado ou do mercado, ou, como comummente chamamos Universidades Públicas e Universidades Particulares, o fato de ser desta forma só demonstra a importância da educação formal na reprodução do capital. Ainda mais porque a ingerência mais contundente em ambos os espaços sempre é a de reprimir a participação discente nas instâncias de poder. De resto, a burocracia acadêmica mantém sua liberdade de vender estas instituições a bel prazer, desde que, por sua vez, sigam também o script determinado pelos gerentes do grande capital, respeitando as hierarquias.
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Diante destes aspectos, uma Universidade só pode ser popular se assumir seu caráter de classe e suas bandeiras refletirem esta compreensão. Ou seja, romper como o “modo petista” requer elaborar novas bandeiras e palavras de ordem. A atual bandeira, “universidade pública, gratuita e de qualidade” só reflete o afastamento dos movimentos de dentro da universidade do conjunto dos trabalhadores e no final das contas reafirma a pretensão das classes dominantes de se porem acima da luta de classe. 
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Porém, além de pública, a Universidade Popular deve ser livre. Ser livre, por um lado, é possível somente, como já esboçado, através da autogestão, e não somente através da co-gestão. A co-gestão é uma colaboração entre setores, a autogestão é o governo de todos de forma igual. Defender, por exemplo, que professores e estudantes, na hora de decidir os rumos da universidade, tenham pesos distintos, então esta universidade não é outra a não ser a Universidade do Capital, porque continua a reproduzir suas relações autoritárias. Mas, além de ser livre internamente, deve ser livre em relação às outras universidades populares. 
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O fato é que em nome do “conhecimento a serviço dos trabalhadores” podemos criar um totalitarismo que impeça a criatividade. Essa deve ser uma das maiores preocupações. A descentralização da Universidade Popular é o único caminho para que cada trabalhador se veja na totalidade e também em sua especificidade nestas instituições. Ou seja, é necessário que cada um entenda do seu modo o que é uma universidade a serviço dos trabalhadores e que seja impossível censurar outro espaço que produza conhecimento a serviço dos trabalhadores de outra forma. Uma Universidade Popular da periferia de um centro urbano não pode produzir a mesma ciência de uma Universidade Popular de trabalhadores rurais.
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E é possível descentralizar sob o comando do Estado? É possível fragmentar, não descentralizar. E a fragmentação, hoje, é o principal inimigo daqueles que querem constituir “um novo modo de fazer política”. Portanto, a Universidade Popular deve ser encarada não como algo a se erguer através de prédios e sistemas de avaliação, copiando os modelos atuais, mas como um projeto de unificação da classe trabalhadora, assim como outros a ser elaborados. Seu objetivo é despir a ciência do capital da sua suposta neutralidade, e provocar os trabalhadores a produzirem e sistematizarem conhecimentos oriundos das suas próprias práticas. Só daí pode se pensar em construir suas próprias instituições de educação de forma generalizada. O “modo petista” é apenas um dos véus que mascara a neutralidade das forças produtivas e que garante o apego dos trabalhadores à atual universidade e à sua ciência. Entretanto, tudo nos leva a crer que este véu já começou a cair.
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OLIVEIRA, Francisco de. Crítica à Razão Dualista – O Ornitorrinco. São Paulo: Editora Boitempo, 2003.
TRAGTENBERG, Maurício. Burocracia e Ideologia. 2ª ed. São Paulo. Ática, 1977.
TRAGTENBERG, Maurício. Administração, Poder e Ideologia. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 1989.
TRAGTENBERG, Maurício (org.). Marxismo Heterodoxo. São Paulo: Editora Brasiliense, 1981.
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1 Para entender melhor a relação entre as práticas e as instituições, ver, de João Bernardo, o livro Dialética da Prática e da Ideologia (1991), publicado pelas editoras Afrontamento e Cortez. 
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2 Makhaiski já colocava esta questão sob outros parâmetros mesmo antes de 1917, mas seu pensamento foi quase que esquecido. No Brasil, Maurício Tragtenberg foi um dos poucos a reconhecer o valor deste autor, ao republicar alguns de seus textos em Marxismo Heterodoxo (1981).
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3 Neste texto, o segundo do livro Crítica à Razão Dualista (2003), apesar de apresentar algo na direção da formação dos gestores enquanto classe autônoma (porém sempre em relação com as outras), Chico de Oliveira não se preocupa, talvez pelo caráter de ensaio dado ao trabalho, em resgatar todo o pensamento que já tinha feito tais considerações anteriores a ele. Única referência citada é Milovan Djilas, que defende mais a liberdade de mercado do que a auto-organização dos trabalhadores, e não rompe, portanto, com a classe dos gestores de que ele mesmo percebe a existência. Para entender mais sobre a formação dos gestores enquanto classe, ver a obra de João Bernardo e de Maurício Tragtenberg.
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4 Não que eles estejam excluídos do capitalismo por não terem emprego – estão tão enfurnados quanto o burguês tradicional, o operário da indústria automobilística e o professor universitário – mas a certeza que muitos têm de que não voltarão jamais para a formalidade impõe a necessidade de inventar ou experimentar outras formas de trabalho.
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5 Os estudantes que ocuparam as reitorias das universidades estaduais paulistas e da Universidade Federal da Bahia (UFBA), ou fizeram qualquer outro tipo de ato que questionou a hegemonia da burocracia acadêmica, sofrem agora com a repressão, que vai desde a violência policial a ameaça de expulsão. Ver Blog da Ocupação da Reitoria da USP e o Blog da Ocupação da UFBA.
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