06/12/2011

Os caminhos e descaminhos do movimento estudantil no Brasil: uma “onda” de direita?

Gustavo Henrique Lopes Machado
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Nos últimos meses acompanhamos no Brasil um fenômeno que, para muitos, aparece como uma onda de direita no interior do movimento estudantil. Todavia, este fenômeno não surgiu nesse momento. Em fins de 2009, na eleição para o DCE da USP, uma chapa “apartidária” denominada Reconquista, que possuía em sua pauta o fim das assembleias, de piquetes e da participação da entidade em causas trabalhistas, além do apoio à entrada e ação da Polícia Militar no campus, por pouco não venceu a disputa, ficando em segundo lugar com uma diferença de 55 votos. Tal chapa, teve um apoio implícito do jornal Estadão, como exemplifica a matéria de 24 de novembro de 2009, “Chapa ''apartidária'' quer espaço na USP”(1).

Mais recentemente, na Universidade de Brasília, venceu as eleições para o DCE a chapa “Aliança pela Liberdade” com o mesmo discurso apartidário e anti-esquerdista e, segundo seus integrantes, assentada sobre os princípios da liberdade, da pluralidade e da meritocracia. O resultado desta eleição, assim como os processos que se seguiram para USP(2) e UFMG, foram alardeados no blog do colunista da revista Veja, Reinaldo Azevedo.

Um caminho semelhante se deu na Universidade Federal de Minas Gerais, desta vez com a chapa “Onda” e apoio implícito do jornal Estado de Minas, que anunciara o resultado da eleição com a matéria “Esquerdistas perdem eleição do DCE da UFMG”(3).

Tanto na UFMG como na UNB foi anunciado o fim de uma hegemonia de décadas da esquerda à frente dos respectivos DCEs. Os estudantes independentes, apartidários, liberais e anti-esquerdistas estariam se organizando para por fim ao referido controle das organizações ultra-esquerdistas. Estariam os estudantes expelindo os resquícios de 1989, quando teria se dado a suposta morte da esquerda? Porque somente agora, após décadas da dita hegemonia, existe uma mobilização e grande incômodo para com a postura destes diretórios, que chega a envolver grandes veículos de comunicação tais como o Estadão ou a Veja?

Ao que nos parece, a situação se apresenta de uma maneira um tanto diversa. Apesar do rótulo de “comunista” ou “socialista”, por décadas as entidades estudantis brasileiras em seu conjunto estiveram hegemonicamente no controle da mais desqualificada “direita”: aquela oriunda das organizações stalinistas, com destaque para o PC do B, que no Brasil assumiram, por exemplo, o controle da UNE desde 1979.

Fazendo uso de todos os métodos disponíveis para permanecer à frente dos respectivos aparatos, os dirigentes ligados às gestões controladas pela UJS/PC do B procuram substituir o movimento estudantil, encarnando o papel deste, no lugar de impulsioná-lo; apresentam-se como o povo eleito, acima de qualquer julgamento, por supostamente deterem o fim, ou o futuro em suas mãos. Neste caminho, os estudantes aparecem unicamente como massa de manobra, a “boiada” que deve aparecer como pano de fundo tendo em vista avalizar a realização de seus interesses privados.

A verdadeira natureza da UJS/PC do B se desnudou com a chegada do PT ao poder, o que distanciou ainda mais a UNE das revindicações postas cotidianamente pelos estudantes. Hoje, esta cumpre um mero papel de apêndice do governo petista, aparecendo como uma espécie de “ministério estudantil” do governo. Durante o mandato Lula, ela recebeu R$ 30 milhões como indenização relativa aos danos sofridos durante a ditadura militar e outros R$ 14,6 milhões já foram prometidos por Dilma Rousseff pelo mesmo motivo. Não bastasse isso, a entidade angariou durante os dois primeiro mandatos do PT outros R$ 12,8 milhões provenientes de convênios firmados com instituições federais(4).

Neste contexto, o que se passou nos últimos anos foi uma intensificação do movimento estudantil, que destronou em diversas universidades décadas de hegemonia da UJS/PC do B. Este processo foi marcado pela ocupação de diversas reitorias culminando, neste momento, na greve dos estudantes da USP com a participação de mais de 3 mil estudantes nas assembleias. Este ascenso do movimento estudantil, viabilizou a constituição de uma alternativa à UNE, a Assembleia Nacional dos Estudantes Livres (ANEL), que cresce e se consolida a cada dia. 

Diante desta nova realidade, uma reação de setores anti-esquerdistas é natural. Tal reação não era possível uns tantos anos atrás, uma vez que poucas lutas existiam entre os estudantes, as entidades estudantis, sob a direção cristalizada do PC do B, não incomodavam a ninguém. Desta maneira, esta reação anti-esquerdista é o reflexo natural da quebra da passividade no interior do movimento estudantil, produto da natureza policlassista que lhe é intrínseca.

Neste sentido, não nos parece casual que o discurso comum às chapas ligadas ao PC do B nos últimos anos tenha muitas similaridades com as atuais chapas ditas apartidárias que, conforme mencionamos acima, venceu algumas eleições. Ambos propagandeiam um movimento estudantil com enfase nas questões internas à universidade, colocando-a como uma espécie de ilha, separada da sociedade e apartada dos problemas e contradições que a assola. Parece-nos curioso que justamente aqueles que reivindicam o papel da universidade no desenvolvimento e florescimento da sociedade, advoguem que o movimento estudantil feche-se em si mesmo.

Disto se pode concluir que o processo em curso atualmente no Brasil é uma revitalização do movimento estudantil, a intensificação de suas lutas, a retomada de sua influência, de que a reação anti-esquerdista é a antípoda necessária.

Gustavo Henrique Lopes Machado é militante do PSTU e cursa História na Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: gustavohlm@yahoo.com.br


(2) A eleição para o DCE da USP foi adiada, devido ao processo de greve instaurado pelos estudantes desta Universidade contra a ação da Polícia no campus. Outros argumentam que tal eleição foi adiada para evitar a vitória da chapa Reação.


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