24/07/2011

Porto é “maravilha”, mas para poucos

Críticas ao Porto Maravilha vão da desinformação às remoções truculentas

Leandro Uchoas
do Rio de Janeiro (RJ)

No início do mês, o Fórum Comunitário do Porto, composto por uma série de entidades e associações, divulgou o “Relatório de Violações de Direitos e Reivindicações”. Com 46 páginas, o documento é um apanhado de arbitrariedades cometidas pelo poder público na região portuária do Rio de Janeiro, em decorrência das obras preparatórias para a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. A propalada reforma na área, proposta pela Lei Complementar 101/2009, cria o Porto Maravilha, que futuramente será gerido pela maior parceria público-privada do país. O objetivo seria a atração de turistas e investimentos. Entretanto, já há muitos indícios de que se tornará uma região privada da cidade, e que os atuais ocupantes, em sua maioria pobres, serão pouco a pouco expulsos do local.
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O relatório critica uma série de problemas: a falta de informação dos atuais moradores da região, que desconhecem seu destino; as remoções forçadas para localidades muito distantes e sem infraestrutura; a truculência da ação do poder público; e as indenizações insuficientes. Também se propõe reivindicações à prefeitura. Os principais impactados são os moradores do morro da Providência, um dos mais tradicionais do Rio, e da rua do Livramento. E, entre os acusados de arbitrariedade, destacam- se a Secretaria Municipal de Habitação (SMH) e a Subprefeitura. Além de privatizar uma região imensa da cidade, o projeto do Porto Maravilha deixa claro que não admite moradores de perfil social “diferenciado”. O projeto prevê para a região a construção de quase 7 mil acomodações. Destas, nenhuma será para habitação de interesse social. As remoções para lugares distantes, sem infraestrutura de saúde, educação e transportes, preocupa os moradores da região. A maioria deles trabalha na região central da cidade, relativamente próxima à região portuária. Também protestam contra a perda do vínculo afetivo com a região.
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“Depois que organizamos o Fórum, a gente até percebe que existe uma pequena mudança de conduta. Mas os procedimentos não mudaram. Eles continuam demolindo casas com pessoas dentro. Permanecem pichando as paredes. Estão passando uma avalanche, sem que a população seja ouvida. A prefeitura estabeleceu uma dinâmica utilitarista do espaço público. É uma limpeza étnica. Nós denunciamos ao Ministério Público. Mas eles têm um limite de tempo e de ação”, afirma a urbanista Rossana Brandão, militante da Fase e integrante do Fórum. Os moradores acusam a prefeitura de não apresentar um planejamento claro.
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As informações seriam divulgadas de forma confusa. A vereadora Sonia Rabello (PV), uma das principais críticas ao projeto, tem feito frequentes críticas à falta de transparência. É frequente receberem a notícia de que serão cadastrados e, dias depois, depararem-se com caminhões e tratores para destruir suas casas. Só no morro da Providência, segundo as informações divulgadas, seriam derrubadas de 300 a 400 lares. Os técnicos da prefeitura ou do consórcio Porto Novo, segundo o relatório, chegam a fazer cadastros afirmando que são para outro fi m, como o programa Bolsa Família. E se negam a apresentar o crachá ou a responder perguntas.
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Audiência tumultuada
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No final de julho, o Ministério Público realizou uma tumultuada audiência pública para investigação das remoções forçadas no Rio de Janeiro. Só agora divulgado publicamente, o relatório foi elaborado justamente para ser entregue ao MP. Além dele, foram entregues vídeos e outros documentos que comprovariam as irregularidades do poder público. Na audiência, Jorge Bittar (PT), titular da SMH, foi amplamente criticado. O secretário chegou a ser agressivo com um morador de comunidade. “Você sempre diz besteiras assim?” perguntou ao cidadão, que terminou afastado da audiência. O rapaz havia lhe perguntado se os investimentos da Prefeitura seriam realizados com o dinheiro “economizado nas indenizações”. Bittar – que se desculpou em seguida – também tem enfrentado críticas dentro de seu partido pela polêmica atuação na SMH.
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Leonardo de Souza, subprocurador geral de Justiça, chegou a comparar a ação do poder público à dos nazistas. A prática de marcar as casas a serem removidas com as inscrições SMH, feitas por spray, seriam equivalentes ao que faziam os alemães contra os judeus. Bittar alegou que o problema maior estaria na ação das subprefeituras, ao indicar as regiões e casas. De fato, é corrente a desconfiança, em alguns movimentos sociais, de que alguns subprefeitos nomeados pelo prefeito Eduardo Paes (PMDB), lançados por ele na política, estariam mais dispostos a fazer carreira e agradar o prefeito do que gerir suas unidades com justiça. O próprio Paes começou como subprefeito, na zona oeste. Sua atuação ainda é lembrada pelas ameaças de remoções na região de Jacarepaguá.
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Segundo as informações divulgadas, a SMH costuma deixar duas alternativas durante uma remoção. A primeira é oferecer um aluguel social de R$ 400 até que família seja encaixada numa unidade distante, pelo programa Minha Casa, Minha Vida. A ação infringe a lei orgânica do município, que garante reassentamento num raio de 500 metros da remoção. A outra alternativa é receber uma indenização pelo valor do imóvel, que costuma ser subavaliado, sem levar em conta o valor do terreno.
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Durante a audiência no MP, a procuradora Gisele Porto se comprometeu a analisar o relatório e pedir um Termo de Ajuste de Conduta (TAC), além do eventual ressarcimento aos moradores. Em abril, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, vinculada ao MP, publicou uma série de recomendações para diminuir os impactos sociais por conta da realização dos jogos. Há uma semana, o vereador Eliomar Coelho (PSOL) chegou a conseguir a aprovação de uma CPI na Câmara Municipal para investigar as remoções. Em cima da hora, porém, quatro vereadores retiraram a assinatura, inviabilizando a CPI.
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