03/06/2011

A gramática farisaica

Por Gabriel Perissé

Totalmente desproporcionada a reação de alguns jornalistas, articulistas, escritores e formadores de opinião (ou apenas da sua imprópria opinião) na defesa da gramática normativa contra o perigoso livro didático Por uma vida melhor, cuja distribuição foi autorizada pelo MEC.
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Falsa polêmica. O livro não ensina a "falar errado". Quem isso afirma não leu o livro, ou sequer entendeu corretamente a proposta. Talvez sofra de analfabetismo funcional. Talvez queira apenas exercer o papel de "puliça" lexical.
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Vejamos, concretamente, no texto, o que os autores realmente escreveram:
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Você pode estar se perguntando: "Mas eu posso falar ‘os livro?’." Claro que pode. Mas fique atento porque, dependendo da situação, você corre o risco de ser vítima de preconceito linguístico. Muita gente diz o que se deve e o que não se deve falar e escrever, tomando as regras estabelecidas para a norma culta como padrão de correção de todas as formas linguísticas. O falante, portanto, tem de ser capaz de usar a variante adequada da língua para cada ocasião.
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?Como não lembrar de um artista que, com malícia, dizia que para falar errado era preciso saber falar errado!? Adoniran Barbosa cantava, saborosamente, comunicando o que era para comunicar:
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As mariposa quando chega o frio/ Fica dando vorta em vorta da lâmpida pra si isquentá/ Elas roda, roda, roda e dispois se senta/ Em cima do prato da lâmpida pra descansá
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O que é adequado para cada ocasião, para cada contexto?
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É inadequado empregar a mesóclise "dar-lhe-ei o troco" na barraca da feira. Soa estranho e ridículo, ainda que num exame de língua portuguesa seja a única resposta de uma determinada questão. E é inadequado que um advogado escreva "a gente vamos" numa petição inicial, lembrando que talvez os pais desse advogado assim falem mas não devem por isso ser processados.
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O livro ensina abertura para a realidade/variedade linguística e pede discernimento à pessoa com relação à adoção da norma culta. Ora, para que saiba a hora de adotá-la, precisará conhecê-la.
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Ataques farisaicos
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É possível que, afinal de contas, o alvo dos ataques ao livro tenha sido o ministro petista Fernando Haddad. Nada como um escândalo para queimar uma liderança política promissora que tanto desagrada setores da mídia vinculados ao PSDB.
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E não esqueçamos o livro didático com problemas no mapa da América Latina que desmoralizou a Secretaria de Educação de São Paulo em 2009 (ver, neste Observatório, "A educação que não está no mapa"). Por que não aproveitar a ocasião e, com espírito de vingança, denunciar agora o MEC do PT, vendo nesse livro um plano diabólico para manter os "brasileiro" na ignorância?
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Títulos e expressões bombásticas mal conseguem disfarçar o desejo de, pegando o livro para Cristo, crucificar o próprio Haddad:
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**"O assassinato da língua portuguesa" (IstoÉ, 25/05/2011)

**"Preconceito contra a educação" e "Os adversários do bom português" (Veja, 25/05/2011)

**"A pedagogia da ignorância" (O Estado de S.Paulo, 18/05/2011)

**"Livro escolar defende os erros de concordância" (O Dia, 13/05/2011)

Maurício Dias, na CartaCapital (25/05/2011), desmascarou os defensores da lei e da ordem cultas. Em seu artigo "Não há uma língua só", sem descartar o enraizado preconceito linguístico que a autora do livro "maldito" tinha mencionado, e agora se manifestou uma vez mais, Maurício detecta nas críticas exageradas, e enviesadas, a voz conservadora que reclama das políticas sociais adotadas por Lula. Aliás, essa voz já associava o falar popular do ex-presidente à incapacidade intelectual de governar o país.

Eliane Brum, para Época, escreve um texto sensato, deixando bem claro que, ao ler o capítulo inteiro em que a questão se apresenta (ler o capítulo inteiro é o mínimo que um bom jornalista deveria fazer no caso, e foi o que Eliane fez), "é fácil perceber que, em nenhum momento, os autores do livro afirmam que não se deve ensinar e aprender a ‘norma culta’ da língua. Pelo contrário. Eles se dedicam a ensiná-la".
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No Estadão, Tutty Vasques atribuiu ao ministro Fernando Haddad uma frase como resposta a essa artificial confusão: "Quem escreve certo – e mesmo assim por linhas tortas – é Deus!". Seja essa frase verdadeira, ou apenas uma brincadeira inventada do humorista, constitui, afinal, uma bela resposta para tirar importância da polêmica forçada.
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 Fonte:http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/a-gramatica-farisaica

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