17/11/2010

GRAMSCI E A EDUCAÇÃO DO EDUCADOR*


MARCOS DEL ROIO**


RESUMO: Com a fundação, em 1919, da revista L’Ordine Nuovo   que atravessou fases diversas , Gramsci tratou de desenvolver uma teoria e uma prática política que tinham no problema de educação um elemento constitutivo essencial. Até a sua prisão, em 1926, Gramsci passou por três diferentes momentos de elaboração dessa questão. Um primeiro momento no qual ele dá prioridade à cisão, ao antagonismo e à auto-atividade dos trabalhadores diante do capital, no próprio cerne do processo produtivo capitalista. Educação, então, confunde-se com auto-educação. O momento que se segue é o da necessidade de se educar o Partido Comunista, recém-fundado, particularmente a sua direção. O terceiro momento é pensado como necessidade de se educar o educador das massas, reflexão que aparece no seu papel de dirigente principal do Partido Comunista Italiano (PCI).

INTRODUÇÃO

A fundação da revista L’Ordine Nuovo aconteceu num cruzamento turbulento de águas que agitavam a Europa e a Itália ao fim da guerra imperialista de 1914-1918. Formados no ambiente de uma cultura humanista e livresca, na qual se destacava o influxo de Benedetto Croce, os fundadores da revista  com Gramsci à frente  percebiam a necessidade de agir no processo revolucionário que envolvia o continente. Essa nova conjuntura, inaugurada com a eclosão na Rússia da revolução socialista internacional, alterou, na prática, as condições de se pensar (e agir) sobre os problemas de organização da educação e da cultura. A revista emergia, contudo, com o objetivo de “promover o nascimento de grupos livremente constituídos no seio do movimento socialista e proletário para o estudo e a propaganda dos problemas da revolução comunista” (Gramsci, 1973, v. II, p. 19).

Até esse momento, a reflexão de Gramsci esteve voltada para a crítica do sistema escolar italiano, que enfatizava o ensino técnico destinado aos trabalhadores em busca de emprego ou, então, o ensino humanista destinado à pequena burguesia, cujo objetivo era o de compor os diversos escalões da administração pública do Estado liberal-burguês. O desafio era o de pensar uma escola socialista unitária, que articulasse o ensino técnico-científico ao saber humanista. Essa seria uma chave para que os trabalha¬dores pudessem perseguir a sua autonomia e desenvolver uma nova cultura, antagônica àquela da burguesia. A luta dos trabalhadores para garantir e aprofundar a cultura, para se apropriar do conhecimento, traria consigo o esforço e o empenho para assegurar a sua autonomia em relação aos intelectuais da classe dominante e ao seu poder despótico.

Esses intelectuais são elementos importantes na configuração de uma hierarquia de domínio sobre os trabalhadores, que só pode ser rompida a partir de uma reflexão própria dos trabalhadores sobre a cultura. Daí a ênfase de Gramsci sobre a proposta da criação de uma Associação de Cultura. Assim que,

(...) em Turim, dado o ambiente e a maturidade do proletariado, poderia e deveria surgir o primeiro núcleo de uma organização de cultura marcada¬mente socialista e de classe, que seria, junto ao partido e à Confederação do Trabalho, o terceiro órgão do movimento de reivindicação da classe traba¬lhadora italiana. (Gramsci, 1973, v. I, p. 143) 

As classes dirigentes e os seus intelectuais são o inimigo a ser identificado. Contra eles devem ser criados uma nova cultura e um novo processo educativo. A influência de Georges Sorel1 é notável na defesa da autonomia do mundo operário e do antagonismo diante do capital, cuja subjetividade deve se manifestar de forma material. O “espírito de cisão” apresenta-se, desde logo, na recusa da escola do Estado e da igreja católica. Gramsci se debatia, no entanto, com a impotência das instituições da classe operária (o sindicato e o partido, antes de tudo) em realizar essa educação para a emancipação, em organizar a auto-educação dos trabalhadores, pois, para ele,

(...) o proletariado é menos complicado quanto pode parecer. Formou -se   uma hierarquia espiritual e intelectual espontaneamente, e a educação intercambiável opera onde não pode chegar a atividade dos escritores e dos propagandistas. Nos círculos, nos feixes, nas conversações diante das oficinas se esmiúça e se propaga, tornada dúctil e plástica a todos os cére¬bros, a todas as culturas, a palavra da crítica socialista. (Gramsci, 1973, v. I, p. 189) 

Mesmo depois da eclosão da Revolução Russa e da enorme efervescência cultural que tomou conta das fábricas e do espaço público, com a formação de inúmeros grupos de estudo e de pequenas publicações, a solução para o problema da educação autônoma do trabalho ainda não se deixara perceber. Tanto que L’Ordine Nuovo começou as suas atividades como uma resenha de cultura socialista, como um transmissor de certa cultura já acumulada, mas subalterna.

A guinada em direção à práxis ocorreu em fins de junho de 1919. Ficara claro para o grupo do L’Ordine Nuovo que a auto-educação dos trabalhadores, a educação para a liberdade, não dependia, ou dependia menos, do sindicato e do partido e muito mais dos próprios trabalhadores. Inseridos no processo produtivo da riqueza social, os trabalhadores fabris eram já dotados de certo conhecimento profissional específico. O trabalho tecnicamente qualificado e produtivo deveria se vincular a um conhecimento mais amplo de cultura científica e humanista, não só para poder gerenciar o processo produtivo, mas a própria administração pública de um novo Estado operário e socialista. Assim é que os trabalha¬dores, no seu próprio processo de auto-educação, gerariam os seus intelectuais e seus educadores, educando assim o sindicato e o partido.




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