14/11/2010

A DITADURA MILITAR E A PROLETARIZAÇÃO DOS PROFESSORES

AMARILIO FERREIRA JR.*
 
MARISA BITTAR**



RESUMO: Este artigo aborda as transformações ocorridas no magistério durante o regime militar (1964-1985), mostrando que a sua origem deixou de ser exclusivamente as classes médias urbanas e frações das elites, passando a constituir-se também das camadas populares. Ocorreu, assim, um processo de mobilidade tanto ascendente quanto descendente, pois os que tinham origem nos “de cima” se proletarizaram enquanto os de origem popular ascenderam a uma profissão da classe média. A nova categoria, formada por essas duas frações, foi submetida a condições de vida e de trabalho determina¬das pelo arrocho salarial. Analisamos este fenômeno tomando por base a Confederação dos Professores Primários do Brasil, que, por força das reformas educacionais da ditadura, cresceu numericamente e se transformou na Confederação dos Professores do Brasil. A profissão, em decorrência dessa rápida e profunda transformação, passou a sofrer uma crise de identidade – a meio caminho da proletarização e do exercício intelectual.

Introdução

Estamos completando vinte anos da conquista do Estado de Direito democrático, mas os efeitos da ditadura militar sobre a educação brasileira ainda não desapareceram. Se considerarmos como traço distintivo da nossa história a descontinuidade sem ruptura, ou seja, a passagem de uma ordem institucional para outra, conservando elemen¬tos estruturais da anterior, é possível que encontremos aí a explicação para determinadas permanências. Pelo fato de que o presente ainda conserva elementos daquele passado, é que voltamos a este tema da pesquisa edu¬cacional brasileira. 

Remontando à criação do Instituto Nacional de Estudos Pedagó¬gicos (INEP), em 1938, e, portanto, bem anterior à sua implantação no âmbito das universidades, a pesquisa educacional no Brasil registra te¬mas e períodos cujos estudos já atingiram um nível elevado de conhe¬cimento. Sem exagero, podemos afirmar, por exemplo, que é o caso da Escola Nova, que tem se revelado um campo no qual a maturidade e a continuidade dos estudos são marcantes. Outros períodos não têm des¬pertado o mesmo interesse. A título de ilustração, examinando o rol de trabalhos apresentados nos encontros bienais da Sociedade Brasileira de História da Educação, verificamos que são bastante reduzidos os estu¬dos sobre a educação no Brasil colonial, situação um pouco diferente para o período do século XIX. 

De modo geral, é a República o período sobre o qual tem recaí¬do a maioria dos estudos, sendo que, no seu interior, constata-se a exis¬tência de temas ou políticas mais presentes no universo da pesquisa educacional, como assinalamos a propósito dos ideais da Escola Nova, enquanto outros assuntos, como a educação sob a ditadura militar, ob¬jeto deste artigo, ainda estão longe de serem esgotados. 

Dessa forma, completados quarenta anos do golpe militar, em 2004, pensamos ser oportuna a reflexão sobre o impacto da ditadura na educação brasileira, notadamente na escola pública, a mais atingida pelo autoritarismo. Foi ela também a mais sujeita à ideologia tecnocrática subjacente às políticas educacionais emanadas pelo Estado a partir da des¬tituição do presidente João Goulart e da derrocada do nacional¬populismo, desfecho traumático do processo que se desenrolava desde 1930.

A política educacional do regime militar abrangeu, ao longo dos seus vinte e um anos de duração, todos os níveis de ensino, alterando a sua fisionomia e provocando mudanças, algumas das quais visivelmen¬te presentes no panorama atual. Pautado pela repressão, o Estado edi¬tou políticas e práticas que, em linhas gerais, redundaram no tecnicis¬mo; na expansão quantitativa da escola pública de 1º e 2º graus às custas do rebaixamento da sua qualidade; no cerceamento e controle das atividades acadêmicas no interior das universidades; e na expansão da iniciativa privada no ensino superior. Reexaminando o conjunto dessas políticas, podemos afirmar que a educação, tal como ocorrera na ditadura Vargas (1937-1945), porém, em maior escala, foi totalmente instrumentalizada como aparelho ideológico de Estado. Sob uma dita¬dura que perseguiu, prendeu, torturou e matou opositores, a escola foi um dos meios mais eficazes de difusão da ideologia que respaldou o regime militar. 

Entre os vários aspectos que marcaram a educação brasileira nes¬se período, abordaremos aqui o impacto da política educacional do re¬gime militar (1964-1985) sobre a categoria dos professores públicos estaduais, realçando dois aspectos que, interligados, determinaram uma transformação radical na sua trajetória e composição: a) o seu cresci¬mento numérico; b) o arrocho salarial a que foi submetida durante toda a vigência da ditadura.



.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Serão eliminados do Blog os comentários que:

1-Configurem qualquer tipo de crime de acordo com as leis do país;
2-Contenham insultos, agressões, ofensas e baixarias;
3-Contenham conteúdos racistas ou homofóbicos.