Nesta sua crítica do sistema, Joseph Stiglitz, Prémio Nobel da Economia em 2001, reconhece que “o sector financeiro gastou enormes somas de dinheiro com dissoluções e acabou por ter êxito. Assim como compraram a desregulação, também compraram o resgate, e agora estão a conseguir dissolver as regras de controlo, embora não tanto como desejavam. O que se podia dizer é que foi um triunfo parcial da democracia. Todavia, não sabemos se essas regras se manterão. A administração (Obama) está do lado errado.
Stiglitz: É evidente que se houvesse confiança na Grécia podia-se ir, passo a passo, com os pagamentos da dívida. O que se pareceria mais com situações já vividas no Brasil e na Argentina. O Brasil tinha uma crise de dívida que acabou por se resolver graças à liquidez. Até se chegou a uma depreciação do valor da dívida. Uma vez que as irracionalidades do mercado se foram diluindo o Brasil começou a crescer e agora ninguém pensa no Brasil como um país com um grande problema de dívida. Julgo que a maioria dos países se encontra numa situação igual à do Brasil. Se os tipos dos juros se mantiverem relativamente baixos e os mercados calmos não irão ter maiores dificuldades.
George Smith Alexander e Sugata Ghosh: Mas o senhor não pensa que qualquer dia a China terá que impedir que persista a dívida americana?
Stiglitz: Não. A dívida dos Estados Unidos é diferente da dos outros países, pois os EUA prometem pagar em dólares e controlam a máquina que os imprime. É assim que sempre é capaz de pagar as suas obrigações como devedor. Pode ser que os dólares cheguem a não valer muito. A questão para os EUA é se os dólares com que pagam valem o que valem quando a China emprestou o dinheiro. O impedimento é esse.
George Smith Alexander e Sugata Ghosh: Enquanto os países podem imprimir notas podemos ir de bolha em bolha. Mas também não podemos pensar regressar ao padrão ouro.
Stiglitz: Têm razão. Compreendemos agora que o padrão ouro carece da flexibilidade necessária e não funciona numa economia moderna. E não conseguimos que funcione outro sistema.
Stiglitz: Não. Pelo contrário, as regras propostas não são suficientemente duras. O sector financeiro gastou enormes somas de dinheiro com dissoluções e acabou por ter êxito. Assim como compraram a desregulação, também compraram o resgate, e agora estão a conseguir dissolver as regras de controlo, embora não tanto como desejavam. O que se podia dizer é que foi um triunfo parcial da democracia. Todavia, não sabemos se essas regras se manterão. A administração (Obama) está do lado errado.
George Smith Alexander e Sugata Ghosh: Como é que isso afecta o futuro do sector financeiro norte-americano?
Stiglitz: O sistema financeiro norte-americano tinha um volume totalmente desproporcionado em relação ao volume das nossas poupanças. Somos a maior economia, mas a nossa taxa de aforro é muito baixa. Os nossos mercados financeiros eram desproporcionadamente grandes. A razão disso há que ir procurá-la no facto das pessoas acreditarem que os mercados norte-americanos sabiam gerir melhor os riscos e atribuir mais eficazmente o capital. A lição da crise é que isso não é correcto. O que fazem é apostar com o dinheiro dos outros. E isso chegou ao fim.
Siglitz: O que se passou nestes meses passados foi decepcionante. A Alemanha estava renitente a prestar assistência e quando resolveu fazê-lo o único marco fiscal que lhe ocorreu foi… não foi o de um fundo de solidariedade, mas de austeridade. Os problemas da Grécia ultrapassam em muito as suas fronteiras, porque as suas exportações mais importantes - como o turismo, diminuíram por culpa da crise global. Tinha um problema estrutural, mas o grosso do défice não lhe causou os seus problemas estruturais mas sim a crise global. Procura-se corrigir os problemas estruturais sem fazer nada sobre a sua situação.
George Smith Alexander e Sugata Ghosh: O senhor disse que há o risco de outras crises financeiras dentro de cinco ou dez anos. De onde e porquê?
Siglitz: O problema é, evidentemente, muito sério nos países desenvolvidos. Nos EUA poderá haver uma crise de confiança no dólar: já a tivemos antes, nos anos 70.
Stiglitz: A nossa estrutura de regulação estava muito deteriorada. Pessoas como (Henry) Paulson, que ajudaram a criar o problema, diziam à Índia que tinha que seguir a via norte-americana. Fiquei contente por vocês não terem seguido o conselho de Paulson.
George Smith Alexander e Sugata Ghosh: Dentro de ano e meio haverá que actualizar uma enorme quantidade de tipos de juros hipotecários. O senhor espera outra onda de dívidas e de desordens nos mercados?
Stiglitz: Não se assustem, sabemos que vai acontecer. Sabemos que vai haver mais quebras hipotecárias. Esperamos que em 2010 haja mais que em 2009. As coisas vão piorar. Essa é uma das razões para que eu não seja optimista a respeito da pretendida recuperação. A administração não fez praticamente nada na questão das execuções hipotecárias e desocupações. E há dois problemas. Um, é o da actualização revista das taxas de juro e, falando de greves, as coisas piorarão, quando os tipos de juro começarem a voltar ao normal. O outro problema é que mais de um quarto das hipotecas estão em quebra técnica por causa dos preços imobiliários terem baixado mais de 30%. O que conta aqui é que o governo dos EUA assumiu o papel do maior depositário de hipotecas. Pode mesmo ocorrer que o problema acabe por ser menos um problema para o sector privado do que para o sector público, todavia não sabemos muito bem, porque isso faz parte da obscuridade com que se levou a cabo o resgate.
George Smith Alexander e Sugata Ghosh: No começo do ano novo chinês a China subiu os tipos de juro. Há receio dum estoiro na China, muitas das empresas juntas em infra-estruturas não têm benefícios suficientes. Não acha preocupante?
Siglitz: Há duas coisas na China que são diferentes do que se passa noutros países. A primeira é que está sentada sobre umas reservas fronteiriças nos 2,4 biliões de dólares; isso dá-lhe um pequeno almofadão para enfrentar o problema das dívidas más. A segunda, é que quando uma enorme economia está a crescer 10% ao ano a preocupação pelo que possa constituir um excesso de capacidade muda espectacularmente. O que está à frente do teu olhar desaparece antes que te possas precaver. É verdade que adoptaram para a sua economia um modelo do lado da oferta, e funcionou sobretudo devido ao êxito do crescimento orientado para a exportação. Puderam incrementar a oferta e há uma procura global que nunca deixou de parar. Esse modelo funciona agora fora de tempo. Eles sabem-no e estão em vias de reestruturar a economia e penso que a vão conseguir. Contudo, esse é o maior desafio.
Stiglitz: O modelo orientado para a exportação encontrará verdadeiras dificuldades. A Índia e a China contam com uma enorme vantagem, uma vez que dispõem de um grande mercado interno por abastecer e agora começam a fazê-lo. Por isso sou optimista quanto à Índia e à China. Particularmente com a China, cujo crescimento económico é agora muito intenso em recursos. A urbanização, o apoio do aço, o consumo alimentar: haverá uma grande procura de mercadorias, o que beneficiará outros países em vias de desenvolvimento. O seu crescimento ajudará a América Latina e alguns outros mercados emergentes. Mas não basta para salvar a Europa e os EUA. Na realidade, o que fará é criar-lhes um problema, porque os preços das matérias-primas subirão.
Stiblitz: Os EUA estão muito absorvidos pela crise e pela política interna…
Stiglitz: Uma boa parte do nosso discurso está orientado para aquilo que chamo uma intervenção robusta. Quero dizer com isto intervenções bastante simples para que não tenhamos que nos preocupar muito com o seu acerto apurado, ainda que haja um mau presidente dos EUA. Acabamos de ver que o governo pode ser muito disfuncional. O Paul insiste muito mais na intervenção robusta que funciona mesmo no caso de esgotamento institucional. Mas, obviamente, isso radica-se numa visão dinâmica da regulação e da fiscalidade. Qualquer sistema está submetido a alterações constantes, de modo que se cometem erros. Mas então temos que dizer que estamos preparados para corrigir os erros quando estes se tornam evidentes.
* Colaboradores habituais de The Economic Times
Fonte: http://odiario.info/
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