23/05/2010

A delicada relação professor-aluno

Por Jotavê

Há uma matéria na Folha (LEIA AQUI) de hoje que aborda o número excessivo de licenças médicas pedidas pelos professores da rede pública do Estado de São Paulo. Eis o trecho que valeria a pena discutir (até porque envolve a declaração de um colega nosso, aqui do blog):

“Pesquisadores apontam duas razões para tantas licenças. A primeira é a concepção da escola, que requer para as aulas estudantes quietos e enfileirados. “Isso não existe mais. Esta geração é muito ativa. O professor se vê frustrado dia a dia por não conseguir a atenção deles”, diz o sociólogo Rudá Ricci, que faz pesquisas com educadores de redes públicas do país, inclusive no município de São Paulo.

A outra razão são as condições de trabalho. Em geral, os professores dão aulas em classes com mais de 35 alunos, possuem muitas turmas e poucos recursos (não há, por exemplo, microfone).”

O tamanho das classes deveria diminuir, mesmo. Creio que 30 alunos é um limite máximo que deveria ser observado com rigor. Creio, no entanto, que não é o principal fator. Muito mais importante é como se comportam (e como nós ESPERAMOS que se comportem) esses 30 alunos.

Grifei nossas expectativas, na frase anterior, para dar ênfase a uma ideia sobre a qual talvez seja interessante meditarmos. Não será possível modificar essas expectativas? Não será possível imaginar estratégias didáticas que não pressuponham alunos “quietos e enfileirados”? Imaginemos o exato oposto disso: alunos dispostos em roda e intervindo o tempo todo. Isso contribuiria para diminuir a desatenção e a bagunça? Contribuiria, mesmo que não fossem adotadas medidas disciplinares mais rígidas, que sinalizassem com absoluta clareza o que é tolerado dentro da escola e o que não é? O sucesso desse tipo de estratégia não dependeria ESSENCIALMENTE do talento do professor que está, não mais “defronte”, mas “em meio” aos alunos? O sucesso de QUALQUER tipo de estratégia pedagógica não depende, em alguma medida, do talento do professor que irá implementar essa estratégia? Essa estratégia “participativa” funcionaria bem em qualquer caso, em qualquer disciplina? Funcionaria, por exemplo, tão bem numa aula de história da arte quanto numa aula de matemática? Em grande medida, essa estratégia não vem sendo empregada por grande parte dos professores – ou, melhor dizendo, grande parte dos professores não têm TENTADO empregar técnicas desse tipo? Não pontilham sua exposição com perguntas à sala de aula? Não é desse tipo de participação que estamos falando aqui? De qual, então?

A questão de fundo é a seguinte. Somos todos herdeiros da luta contra os micropoderes que se desenvolveu e se popularizou na esquerda a partir dos anos 60. O inimigo não era mais apenas (nem principalmente) o poder do Estado a serviço do capitalismo, mas também (e para muitos principalmente) os poderes miúdos, que se expressam dentro da família (pais e filhos, marido e esposa), na escola (professor e aluno, diretor e professor), nas instituições médicas (psiquiatras e loucos), no ambiente de trabalho (chefes e subordinados), etc. Houve todo um movimento no sentido de dissolver, diluir essas estruturas de poder. Tudo se passava como se pudéssemos fazer a revolução (ou uma parte dela) dentro dos muros de nossa casa, da sala de aula, ou dos hospitais psiquiátricos. Dávamos vivas a iniciativas como a de Franco Basaglia, na Itália, que conseguiu induzir o governo a aceitar uma política de desinternação dos doentes mentais. No ensino superior, instalou-se a prática dos seminários, com alunos dispostos em roda expondo os textos a serem discutidos por todos. A pedagogia demonizou toda e qualquer forma de “repressão”, e não apenas os excessos inegáveis que antes eram cometidos em nome da ordem.


A discussão pedagógica está, a meu ver, travada NESSE ponto. É preciso reintroduzir elementos de disciplina e de ordem, e temos VERGONHA de fazer isso. Ficamos dando mil voltas para nos distanciarmos do tema, mas ele está aí, escancarado para qualquer professor que tenha que enfrentar alunos que perderam qualquer noção de limite e transformam seu ambiente de trabalho num verdadeiro inferno. Vamos pôr os alunos em rodinha, tudo bem – embora eu não veja com muita clareza que vantagem Maria leva. Vamos pedir-lhes que participem – mas, nesse caso, é importante dizer “como”. (Vão apresentar seminários? É essa a idéia? Se for, eu acho péssima.) Podemos fazer tudo isso, mas teremos, mais cedo ou mais tarde, que falar sobre uma coisa que é BÁSICA: a recuperação da autoridade por parte do professor dentro da sala. Significa só punição? NÃO SIGNIFICA SÓ PUNIÇÃO. Repitamos, por via das dúvidas: não significa só punição. Sistema nenhum funciona só na base da punição. Legitimidade é essencial. Mas, aqui, eu arrisco um palpite. Grande parte dos professores que atuam hoje e que têm imensos problemas com a disciplina dentro de sala de aula, têm toda a legitimidade que um professor pode pretender possuir – aquela que lhe é conferida por sua competência profissional. É isso (e só isso) que dá legitimidade ao professor – a enorme assimetria de saber existente entre ele e seus alunos. Se isto está presente, e mesmo assim a aula não funciona, o problema não é mais de legitimidade. É de poder. Esse professor não tem mais em mãos os instrumentos para dominar uma minoria de estudantes VIOLENTOS. Eles tomam conta do pedaço, e a relação pedagógica se esfarela. Tenho a impressão de que é isso que está acontecendo.

Enquanto não virarmos a página da “aurora de nossa vida” – esses anos 60 que caminham como se fosse um morto-vivo em pleno século 21, não sairemos do lugar.

FONTE  AQUI

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