10/04/2010

Marina e Natura são geneticamente compatíveis - Divagações sobre o discurso Marina Silva

A questão ambiental

Por Liu Sai Yam

“Trata-se de um problema ‘novo’, não por sua natureza, mas pela intensidade e amplitude atualmente planetárias”.

Em sua primeira observação na “Crítica ao Programa de Gotha”, refutando a firmação de que “o trabalho é a fonte de toda a riqueza”, esclarece Marx:

“O trabalho não é a fonte de toda a riqueza. A natureza é a fonte dos valores de uso (que são os que verdadeiramente integram a riqueza material) nem mais nem menos que o trabalho, que não é mais que a manifestação de uma força natural, da força de trabalho do homem”.

A riqueza social, como o conjunto de bens e serviços produzidos para a reprodução e desenvolvimento da sociedade, foi produzida naturalmente em todas as épocas históricas e em todas as regiões do globo, variante entretanto a forma, os instrumentos e os métodos pelos quais foi produzida, ou seja, variando as relações dos homens entre si e dos homens com a natureza.

No entanto, a questão ambiental, em seus termos modernos, é uma questão que diz respeito apenas ao capitalismo moderno.

Em linhas gerais: desenvolvimento sustentável ou desenvolvimento insustentável?, vinculando-se diretamente ao desenvolvimento capitalista.
 
O pressuposto desta questão é o desenvolvimento continuado do capitalismo; a escolha que se coloca diz respeito à sua sustentabilidade do ponto de vista ambiental. É importante que se defina claramente o pressuposto nesta questão, em razão do qual ela deve ser pensada, enfim, como variável do desenvolvimento do sistema capitalista e, em função disso, também a possibilidade de pensar sua solução dentro do mesmo sistema capitalista.

Penso que é possível que a questão ambiental seja resolvida pela própria sociedade capitalista, e de uma única forma, segundo a seguinte reflexão:

O capitalismo contemporâneo se caracteriza pelo extraordinário desenvolvimento das forças produtivas e da produtividade, controladas por uma estrutura oligopolista em que um pequeno conjunto de grande empresas transnacionais competidoras dominam cada ramo de produção, atuando num mundo de operações e mercados globalizados.


Dentro desse quadro, se mantem a exploração da força de trabalho e a apropriação privada da natureza, sendo que, no entanto, a exploração da natureza, no que diz respeito à intensidade, escala e difusão pelas diversas regiões do globo, aumentou extraordinariamente levando à necessidade de formulação da questão ambiental e à exigência de sua rápida solução”.

O processo de expansão e desenvolvimento do capitalismo foi marcado pelo aumento da intensidade, escala e difusão da exploração da natureza, exercido fundamentalmente pelo setor privado, oligopolista-transnacional, levando a uma situação em que a extração e o uso de recursos naturais se dão em quantidade superior à capacidade que a natureza tem de, por si mesma, renovar-se, ou seja, o conjunto dos recursos naturais disponíveis para a exploração e a criação da riqueza social estão diminuindo progressivamente, alem do que o processo de exploração da natureza produz impactos ambientais, que são o outro aspecto (não menos importante) do problema (produção de certos gases, toxinas e produtos químicos que degradam/alteram o ambiente).

A continuidade desse processo é o que constitui o denominado desenvolvimento ambientalmente insustentavel.

O que se pode observar nesse processo é que o sistema capitalista, por si só e segundo parâmetros econômicos, é incapaz de resolver o problema por conta de sua própria natureza. Neste sentido, é preciso apontar para a existência de duas dimensões contraditórias, que dele fazem parte. Uma marcada pela racionalidade e a outra pela irracionalidade.

A dimensão racional do sistema é relativa a cada unidade produtiva que constitui sua estrutura, no que diz respeito ao processo produtivo, à organização do trabalho, à administração, que se constituem com vistas a finalidades definidas de sobrevivência e expansão, aumento de produtividade, redução de custos, disputas de mercado...

A dimensão irracional, por sua vez, é relativa ao sistema como um todo, ao conjunto operante em função de suas características, propriedade privada dos meios de produção, economia de mercado e concorrência.

Em síntese, o capitalismo moderno é sistema altamente competitivo, sobretudo pelo fato de já não existirem novos mercados a serem descobertos pelo planeta, podendo-se apenas cogitar em aumento da potencialidade dos que já existem, sendo, portanto, a competição no mercado e por mercado uma competição que se dá sobretudo como disputa por aumento de espaço nos mercados já constituidos, em que onde um ganha o outro perde.

Diante disso, as unidades produtivas devem seguir rigorosamente, e na medida de suas capacidades, as exigências de máxima produtividade e mínimos custos, aplicando seus recursos exclusivamente nas diversas modalidades de concorrência e na manutenção de competitividade na disputa por mercado, até para evitar a destruição pura e simples nestes níveis de competitividade feroz.

Não é a primeira vez, no entanto, que o sistema capitalista se confronta com a questão sobre desenvolvimento sustentavel ou insustentavel. É questão que se coloca para ele desde os seus primórdios, sob outros aspectos.

O sistema capitalista da época de Marx e o próprio Marx não se confrontaram com a questão ambiental, tal como se define em tempos modernos, mas havia uma outra questão que ameaçava diretamente a sustentabilidade do desenvolvimento capitalista: a questão do trabalho.

Questão que certamente ainda persiste, mas formulado de modo diferente no séc. 19: Homens, mulheres e crianças eram explorados indistintamente pelo capital, todos os dias da semana e durante quase todas as horas do dia. As consequências disso podem ser observadas nos textos de Marx e Engels, assim como nos relatórios de inspetores de fábricas inglesas, transcritos em O Capital.

Este modelo de exploração, anárquico, indiscriminado, sem limites, passou a ser tratado nos termos de sua insustentabilidade. São famosas as descrições do definhamento do povo inglês ao longo de pouquíssimas gerações, assim como as perspectivas de eclosão de rebeliões operárias. O problema que se colocava para o sistema segue o mesmo princípio do problema ambiental em nossos dias, isto é: em função da lógica do sistema, do conjunto em operação, era impossivel para as unidades produtivas, por iniciativa própria, funcionarem com um novo sistema de exploração do trabalho.

Para ilustrar, uma nota presente em O Capital:

“No começo de 1863, 26 firmas proprietárias de grandes cerâmicas... pediram num memorial ‘uma intervenção coativa do Estado’. Alegavam que a concorrência com outros capitalistas não lhes permitia limitar à sua vontade o tempo de trabalho das crianças etc. ‘Por mais que lamentemos os abusos acima mencionados, seria impossível impedi-los por meio de qualquer acordo entre os fabricantes... Considerando todos esses pontos, ficamos convencidos ser necessária uma lei coativa’”.

A passagem que remete à nota, escrita por Marx:

“De modo geral, isto não depende (a regulamentação da exploração do trabalho), entretanto, da boa ou da má vontade de cada capitalista. A livre competição torna as leis imanentes da produção capitalista leis externas, compulsórias para cada capitalista individualmente considerado”.

Diante disso, se destacam não somente a semelhança no que diz respeito ao princípio e as características entre as questões do trabalho e do meio ambiente, tal como apresentadas, como tambem a conclusão de que a solução deve ser pensada tambem em termos semelhantes, no contexto de um regime capitalista, evidentemente que ressalvadas e consideradas as novas condições histórico-econômicas pertinentes ao nosso tempo.

No que se refere à questão do trabalho, ela foi realmente resolvida mediante intervenção e regulamentação coativa pelo Estado da exploração do trabalho (legislação sobre a jornada, condições de trabalho, diferenciação no emprego de homens, mulheres e crianças), resolvendo desse modo o problema, sobre este aspecto e nestes termos particulares, do desenvolvimento sustentavel do sistema capitalista.

No que se refere à questão ambiental e no contexto de uma sociedade capitalista, ela tambem só poderá ser resolvida com uma intervenção e regulação coativa do Estado, sobretudo, do mesmo modo que na questão do trabalho, no interesse de suas próprias sobrevivência e expansão.

Isto se deve, como Marx expressa em O Capital, ao fato de que os capitalistas almejam e exigem, atuam e lutam por condições iguais de concorrência, e por própria conta não podem tomar nenhuma iniciativa que prejudique sua competitividade.

Desse modo, questões como meio ambiente exigem que se estabeleçam regras e procedimentos padrões/universais a serem seguidos obrigatoriamente e executados por cada unidade e por todo o conjunto, de modo a que sem prejuízo da igualdade básica das condições de concorrência, possam ser efetivamente praticadas, aceitas e obedecidas.

Entretanto, é preciso ressaltar as características fundamentais da questão ambiental no contexto do capitalismo moderno.

A questão ambiental é uma questão global, mundial, que afeta todas as partes do planeta. Certamente que diz respeito aos paises praticantes de um capitalismo avançado, mas seus efeitos atingem a Terra como um todo, não só em função da ligação direta entre todo o ecossistema terrestre – que faz com que intervenções em ambientes determinados produzam, quando em larga escala, uma reação em cadeia, trazendo consequências para todo o globo – mas tambem porque as grandes corporações transnacionais, em função da globalização, operam alem dos limites nacionais, praticando a exploração e a relação com o meio ambiente nas mais diversas partes do mundo.

Nesse contexto, a solução da questão ambiental passa pela atuação voluntária do Estado nacional, e sobretudo requer um pacto entre todos os Estados nacionais, posto que a resolução de um problema global exige ação global. Exige, por condição primordial, um compromissos entre os Estados dos paises capitalistas avançados, responsáveis maiores pelo problema e efetivamente os mais aptos em resolve-lo.

Alem de nenhum Estado nacional poder isoladamente agir de modo a produzir resultados significativos no campo da questão ambiental (exceto, talvez, os EUA), existe o problema de que o Estado que iniciar ações isoladas estaria comprometendo a competitividade das unidades produtivas nela atuantes, prejudicando as suas indústrias nacionais e expelindo as transnacionais nele instaladas, comprometendo desse modo a economia interna, o que resultaria no agravamento da dimensão social.

Assim sendo, não é possivel esperar nenhum comprometimento com a solução da questão ambiental como iniciativa (ou dever) de um Estado nacional isoladamente, em primeiro lugar porque não traria resultados significativos (sem o engajamento de grande número de Estados de paises capitalistas avançados), e tambem porque nenhum Estado cometeria “suicídio” em comprometer a sua competitividade em escala global, sufocando as vias ao desenvolvimento econômico e atendimento das necessidades sociais.

O compromisso coletivo dos Estados nacionais é o pressuposto para a manutenção das condições básicas de igualdade concorrencial, sem o que nenhuma das partes pode se comprometer seriamente em obedecer a regras e procedimentos, alem de executar gastos de recursos para tanto.

O desenvolvimento capitalista sustentavel deve ser pensado dentro das referências do próprio sistema capitalista, em função – racional – de sua própria sobrevivência. Mas tudo leva a crer, a se notar os resultados pífios das sucessivas plenárias e cúpulas entre representantes de Estados praticando níveis avançados de desenvolvimento industrial, que irracionalidade, aliado a lobbies e pressões de corporações ainda não identificadas que a soluções de seu próprio interesse e atendendo às suas próprias necessidades de desenvolvimento sustentavel, ainda é componente dos mais atuantes no acordo de soluções necessárias quanto ao trato do meio ambiente, e que nos afetam a todos enquanto pertencentes à humanidade planetária.




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