Escolas viraram refúgio para desabrigados e alunos da Educação Básica na rede pública de Niterói, São Gonçalo e Rio de Janeiro estão sem poder estudar há quase duas semanas
Rio - A rede de solidariedade que se formou para ajudar a multidão de desabrigados gerou um problema para estudantes das cidades mais afetadas pelas chuvas. Em Niterói, Rio e São Gonçalo, 20.378 alunos da rede pública estão sem aulas há mais de uma semana, porque 37 escolas transformaram-se em moradia provisória para as vítimas. A situação é tão crítica que, em algumas unidades, não há expectativa do retorno das atividades.
Em Ciep no Borel, desalojados pelas chuvas trancaram o portão impedindo as aulas. Muitas das crianças abrigadas estudam na escola. Foto: Eduardo Naddar / Agência O Dia
No Morro do Borel, na Tijuca, ontem, moradores abrigados no Ciep Doutor Antoine Magarinos Torres Filho desde o dia 5 impediram a entrada de alunos e professores, com quem teriam que dividir o espaço.
No mesmo bairro, o Colégio Estadual Herbert de Souza, onde estudam 2.078 alunos, também está com as aulas suspensas. O prédio serve de moradia para 220 desabrigados. Em Niterói, a situação é pior. Doze mil estudantes, de 27 escolas, estão fora das salas. O prefeito do município, Jorge Roberto Silveira, garantiu que segunda-feira a situação será normalizada e que já começou a transferir as vítimas da chuva. Em São Gonçalo são 6.300 crianças e adolescentes, de 9 colégios, sem previsão de volta às aulas.
A Secretaria Estadual de Educação garantiu que nas unidades em que alunos e desalojados compartilham a instalação, a convivência é pacífica. Mas naquelas cedidas 100% às vítimas, não há como precisar a data da volta dos estudantes, porque não se sabe por quanto tempo as unidades vão continuar como abrigo.
No colégio do Borel, que abriga 51 famílias, 540 alunos — muitos deles crianças que estão com os pais na escola — estão sem aula. “Não há condições de ficarmos aqui e os alunos terem aulas ao mesmo tempo. O colégio não tem estrutura e não sabemos para onde ir. Enquanto a prefeitura não resolver nossa situação, vai permanecer fechado”, avisou a presidente da Associação de Moradores do Morro do Borel, Roberta Ferreira.
Um só banheiro para todos e preparo do almoço às 16h
No colégio municipal do Borel, há só um banheiro sem chuveiro. Há uma semana, os alunos voltaram e as vítimas foram deslocadas das salas de aula para uma pequena biblioteca. Os sem-teto relatam que só podiam preparar o café da manhã às 11h e o almoço às 16h. Pelo menos 13 crianças e 3 adultos teriam sido intoxicados por água do bebedouro, lacrado pela Vigilância Sanitária.
O secretário municipal da Assistência Social, Fernando William, ofereceu dois abrigos para que eles deixassem a escola, em vão. “Temos medo de sermos esquecidos lá. Só vamos sair daqui quando tivermos casa”, disse Andreia dos Santos Alves, 30, que está no Ciep com os 6 filhos, 5 deles alunos do colégio. “É triste as crianças ficarem sem aula, mas pior é ficarmos sem casa”, completou. William disse que em até uma semana distribuirá os cheques de R$ 400 do aluguel social.
Sem teto e à mercê da solidariedade popular
A Escola Estadual Machado de Assis, próxima ao Morro do Bumba, em Niterói, é uma das que estão com as aulas suspensas em virtude do grande número de pessoas abrigadas no local. São 188, 90% deles ex-moradores do antigo lixão.
Com ajuda de voluntários e grande volume de doações, eles se dividem na limpeza dos cômodos do colégio e na hora de cozinhar as refeições. São só elogios à organização e à estrutura dos locais. Mas dizem que, neste momento, estão à mercê da solidariedade. Dizem não ter recebido qualquer auxílio dos governos do estado e do município
“Não tenho palavras para agradecer o que essas pessoas (voluntários) estão fazendo por nós. Não falta nada aqui, é tudo muito limpo e organizado. Mas esperamos uma solução da prefeitura, já que não podemos ficar morando na escola para sempre”, diz o pedreiro Jair Santos Silva Souza, 32 anos, que perdeu mãe, irmã e quatro sobrinhos no soterramento de sua casa, no Bumba, na madrugada do dia 6. Alguns desabrigados estão fazendo 5 refeições por dia pela primeira vez na vida.
Desalojados e estudantes no mesmo espaço
Embora convivam pacificamente no Colégio Estadual Guilherme Briggs, em Niterói, os 126 desalojados do Morro do Beltrão esperam uma solução mais confortável. Hoje, eles dividem o espaço com os 1.026 alunos do colégio, que desde segunda-feira voltaram às aulas nos três turnos.
Restritos agora à área de quatro banheiros, um auditório e duas salas de vídeo, os sem-teto acreditam que estejam prejudicando os estudantes, que têm encerrado as aulas uma hora mais cedo. As áreas comuns — refeitório, pátio e cozinha — têm horários determinados para o uso de alunos e de desalojados.
O segredo da convivência pacífica — segundo os próprios moradores, voluntários e funcionários da escola — é a organização. A exemplo do que ocorre na Escola Machado de Assis, em Santa Rosa, cada desalojado é responsável por uma tarefa, seja na limpeza, na cozinha ou na separação das doações.
A dona de casa Patricia Vaz da Silva, 28 anos, mudou-se com os dois filhos para a escola desde que sua casa desabou, na noite do dia 5. Mãe de uma aluna do 5º ano do Ensino Fundamental, ela fala das dificuldades: “Estamos nos adaptando. É claro que às vezes sentimos que estamos incomodando os estudantes e vice-versa, é complicado. Ao menos temos onde ficar e eles não ficam sem aulas”.
Natalia Von Korsh e Christina Nascimento-O DIA
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