O brutal assassinato de dois dirigentes do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado da Bahia – APLB indignou a comunidade escolar de Porto Seguro e re-significou a greve dos educadores da região que, além da pauta de reivindicações, passaram a exigir segurança para a população e punição para os culpados pelos crimes.
Os sindicalistas foram vítimas de uma emboscada, seguida de execução, na noite de 17/9. O professor Elisney Pereira Santos, secretário da APLB em Porto Seguro, morreu na hora. O professor Álvaro Henrique dos Santos, presidente da entidade, ficou gravemente ferido e faleceu seis dias depois, no hospital.
Os dois assumiram a direção da APLB Sindicato da Costa do Descobrimento (que engloba cinco municípios da região de Porto Seguro), no dia 11/7, quando iniciaram uma devassa na prestação de contas da gestão anterior. No dia 16/9, eles estiveram à frente das lutas da categoria que, após uma negociação infrutífera com o Executivo, decidiu entrar em greve.
Na noite seguinte, homens encapuzados, armados, invadiram a casa de Álvaro e obrigaram a mãe dele a lhe telefonar pedindo que fosse imediatamente para casa, dizendo que o filho dele, que tem paralisia cerebral, não estava passando bem.
Álvaro chegou em casa na companhia de Elisney. Ambos foram covardemente atingidos por disparos de armas de fogo. Elizney morreu na hora. Álvaro foi levado ao hospital para retirar a bala que se alojara em sua cabeça. Morreu seis dias depois. Na sua nuca, havia uma outra bala não detectada pelos médicos.
Confira o Manifesto da APLB Sindicato da Costa do Descobrimento:
MANIFESTO - CARTA DA COSTA DO DESCOBRIMENTO
"O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons. No final, não nos lembraremos das palavras dos nossos inimigos, mas do silêncio dos nossos amigos. "
Martin Luther King
A APLB – Sindicato da Costa do Descobrimento – vem, por meio desta CARTA MANIFESTO, demonstrar sua revolta e indignação diante do assassinato de dois dirigentes sindicais na cidade de Porto Seguro, na noite de 17 de setembro de 2009. Eles foram vítimas de uma emboscada, seguida de execução. O Professor Elisney Pereira Santos morreu na hora, enquanto o Professor Álvaro Henrique dos Santos ficou gravemente ferido, vindo a falecer no dia 23 de setembro.
Ambos foram eleitos recentemente, em disputa eleitoral acirrada. Desbancamos uma diretoria que estava à frente do sindicato há dez anos, e estávamos há apenas dois meses exercendo o novo mandato. Já assistimos crimes abruptos de religiosos, seringalistas, trabalhadores rurais, envolvidos com a causa social. Com professores, essa realidade em Porto Seguro não é diferente. Ainda no início do ano 2000, o Professor Belarmino, mais conhecido como Bel, apareceu morto, vítima de um suposto acidente, na véspera de um depoimento que daria contra o executivo, a respeito de desvio de verbas da educação. É provado que, mesmo após seis décadas de publicação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, ainda querem calar a voz daqueles que lutam pela justiça social, através de crimes horrendos.
A figura destemida e corajosa de Álvaro Henrique se tornou uma ameaça para os governantes, partidários e também para as pessoas ligadas direta ou indiretamente a eles, por conta de sucessivas denúncias à Promotoria e Ministério Público, mesmo antes de ser diretor da APLB Sindicato, quando era apenas o presidente da Associação dos Trabalhadores em Educação de Porto Seguro – ATEPS, e após tornar-se diretor da APLB, as denúncias se intensificaram.
No dia 11 de Julho de 2009, assumimos a direção da APLB Sindicato da Costa do Descobrimento, composta por cinco cidades: Porto Seguro, Santa Cruz Cabrália, Itabela, Guaratinga e Itagimirim. Na semana da posse, investigamos a conta da diretoria anterior e descobrimos que havia um déficit no caixa, além de outras irregularidades, e logo publicamos os resultados, para que as pessoas afiliadas pudessem ter conhecimento do ocorrido. No dia 20 de agosto, o diretor Elisney Pereira Santos recebeu um e.mail, tendo como remetente um suposto site e/ou blog de reportagem, sucursal.educacao.regional@hotmail.com.br, que difamava a imagem de Álvaro Henrique, apresentado uma série de calúnias referentes à sua pessoa e à nova diretoria da APLB. Dizia o/a autor/a do email:
Atenção professores de Porto Seguro. Nossa reportagem levantou os seguintes dados sobre a atual APLB – Sindicato do Professores.
A diretoria anterior, segundo fontes (que não podem ser reveladas e é um direito que nos assiste, pois a imprensa pode ocultar as fontes das informações), deixou um rombo irreparável, mas nada tão grave como a biografia do atual diretor da entidade, o Senhor Álvaro. O mesmo é acusado de pedofilia, pois molestou uma aluna menor de dezoito anos, a anos atrás. O caso foi abafado, mas agora por motivações políticas vai emergir e vir à tona. Foi configurado também o artigo 171 e falsidade ideológica. Como foi comprovado por nossa reportagem que o presidente da APLB, o Senhor Álvaro, mora no assentamento (terra do INCRA), terra destinada a pessoas sem renda (pobres). Mas segundo o seu contra-cheque comprova que a sua renda supera dois mil reais. A Polícia Federal já está investigando o caso e certamente o presidente da APLB vai ter que responder na justiça sobre a fraude. Certamente se não for detido vai ter que mudar de endereço, outros dados serão divulgados na próxima edição.
A renda atual da APLB de Porto Seguro é R$ 10.000,00 (dez mil reais por mês) perfazendo um total de R$ 120,000,00 (cento e vinte mil reais por ano) é preciso que os filiado da entidade fiscalize e exija a prestação de contas mensalmente para que não aconteça o que aconteceu com a gestão anterior (todos de olhos vivos na atual presidência).
A atual gestão (composta por integrantes do PT), recebeu o sindicato sem dívidas, uma verba de R$ 10.000,00 (dez mil reais por mês), um carro zero Km., 10 computadores e toda infraestrutura e muitas conquistas para a classe.
Os filiados devem participar ativamente e estar atentos aos novos integrantes da APLB, exigindo declaração de bens de todos os diretores que compõem a nova diretoria. Divulgue nosso email, envie e tire cópias desta matéria para outros professores e a comunidade local.
Quando teve conhecimento do e.mail, Álvaro registrou queixa na delegacia, inclusive entregou cópia para ser anexada ao Boletim, solicitando investigação e esclarecimento, já que se tratava de uma grande calúnia. Além do e.mail, Álvaro também recebeu telefonemas que denegriam a sua imagem e sua atuação no sindicato.
Nesse mesmo período, a APLB começou uma grande movimentação em prol de uma educação de qualidade, e a denunciar uma série de desmandos da atual Secretaria de Educação: contratação de professores, enquanto havia uma lista de espera de professores concursados na última gestão; escolas funcionando com recursos ínfimos; aluguéis de locais improvisados para serem escolas, a exemplo de lava-jato; pagamento de dívidas da gestão anterior com recurso do FUNDEB deste ano; denúncia de funcionários fantasmas, dentre outros fatos que eram declarados nas assembléias, pelo diretor, e nas reuniões com a comunidade. Fotografias da situação das escolas foram mostradas para a população.
No dia 04 de Setembro do corrente ano, o diretor da Delegacia Sindical, Álvaro Henrique dos Santos, enviou um email a um amigo, afirmando que estava sendo ameaçado e investigado. Diz assim, o e.mail:
(...) Agora tô preso na casa de Cida, aqui na roça... Bija ia sair pra trabalhar de segurança, dois caras meteram a arma nele, eles tinham colocado um toco no chão, disseram que procurava um cara que estava roubando no Paraguai. Bija falou que estava indo trabalhar, foi aí que eles o deixaram passar. Cinco minutos depois, dois caras chegaram de moto aqui no sítio e perguntaram a meu primo onde morava um tal de Arthur, e meu primo disse que não sabia, foi quando Bija me ligou para contar o que aconteceu com ele.
Eu tô trancado dentro de casa; amanhã, se DEUS quiser, vou procurar uma casa pra alugar na rua... Não conta isto pra ninguém, nem pra sua namorada, não é por nada, mas se a galera fica sabendo, gera uma insegurança e é ruim para nossa luta. Só divulga este e-mail se acontecer alguma coisa estranha comigo, mas não vai acontecer não, porque DEUS tah comigo. Ele vai me proteger, pois sabe que a gente não se vende pra estes bandidos safados. Enquanto eu estiver vivo, vou pegar no pé deste ladrão.
Negão, não conta isto pra ninguém, pois as meninas ficam morrendo de medo e acabam dando muita divulgação para os fatos. Eles não vão me intimidar, tão vasculhando minha vida, ruma de vagabundo... Um cara que trabalha no gabinete perguntou pra uma amiga minha se eu era de confiança mesmo, aí ela falou que sim, e detonou o prefeito, aí o cara ficou questionando, que eu era muito simples e coisa e tal, será que eu não ia aceitar dinheiro (...)
(...) Não tô te falando isto pra vc ficar assustado não, véi, se minha hora chegar, não poderei fazer nada, seja feita a vontade de DEUS, mas tenho duas preocupações, quero que neném fique com minha mãe e com minha família, pois a mãe dele nunca ligou pra ele, pode querer se aproximar pra levar vantagem. E não quero que fique impune; por isso, DEUS me livre, mas se algo der errado, divulgue este e-mail para ferrar com o safado do Abade.
Como se vê, mesmo correndo risco de morte, o diretor prefere não divulgar isso, e continua avante na luta sindical, participando ativamente do movimento, sem recuar: foi à Radio local várias vezes; expôs a pauta de reivindicação na Câmara de Vereadores e, junto com os demais professores, participou de uma reunião na Câmara, onde o Secretário de Educação fez uma prestação de contas e avaliação do primeiro semestre de 2009. Neste dia, os dirigentes sindicais foram persistentes em afirmar os desmandos, a ingerência e a situação caótica da Educação em Porto Seguro, virando as costas para o secretário. Por fim, no dia 07 de setembro, pais, alunos e professores participaram do primeiro desfile dos excluídos, já que nos anos anteriores era uma festa pomposa, com desfile cívico e discursos politiqueiros.
No primeiro encontro com o Secretário de Administração, ele ameaçou não negociar, se a categoria fizesse paralisação ou greve, assim afirmando: “Eu sou a linha dura do Governo Abade”. Mesmo assim, a Assembléia votou que ocorressem as paralisações de advertência ao executivo.
As negociações não tiveram sucesso, o executivo manteve firme a sua decisão, dizendo não a tudo que pedíamos. Sendo assim, a greve foi deflagrada no dia 16 de setembro.
Marcamos uma reunião com pais, mães, alunos e trabalhadores da educação em todos os distritos e bairros da cidade, no dia 17, onde explicaríamos os motivos da greve e os encaminhamentos do movimento. Nesse mesmo dia, o Vereador Dilmo ligou para Álvaro, dizendo que havia um acordo a ser feito com a categoria. Propôs uma reunião na sexta-feira, com a comissão de negociação, alguns vereadores, secretário de educação, finanças e administração. Álvaro quis saber o horário, no entanto o vereador disse que ligaria depois para marcar, e não fez mais contato.
Nesse mesmo dia, enquanto preparávamos para receber o público do Bairro Baianão, a Professora Maria Aparecida Santos, mãe de Álvaro, por volta das 18 horas, estava no Sítio Rancho do Arthur, localizado na Roça do Povo, em Porto Seguro, com seu filho, Eric Márcio Santos de Oliveira, e seu neto, filho de Álvaro, Arthur Henri, que tem paralisia cerebral. No momento em que ela alimentava o seu neto, entrou um homem magro, alto e com uma tatuagem no braço esquerdo, sem camisa, de bermuda e com a camisa amarrada na cabeça; apontou-lhe um revólver e disse para ela ficar quieta. Outro homem, baixo, negro, também com uma camisa tampando o rosto, adentrou a casa e, em seguida, saiu, a fim de observar Eric, o qual estava em um quarto separado da casa, com outros assassinos. O homem baixo voltou e entregou a Maria Aparecida um aparelho celular, enquanto dois outros lhe apontaram revólveres, dizendo para ela ligar para Álvaro e dizer que Arthur estava passando mal. Assim ela o fez, e dez minutos depois Álvaro chegou, junto com Elisney, e ela começou a ouvir os disparos. Quando saiu do quarto, viu os corpos caídos na cozinha. Elisney morreu na hora, e Álvaro, depois de 06 dias internado após uma cirurgia para retirar a bala da cabeça, veio a falecer, no dia 23 de setembro. Existia outra bala desconhecida pelos médicos em sua nuca. Por isso, se ele sobrevivesse, ficaria em estado vegetativo
Concluímos que foi um crime de mando, e não podemos admitir que, em pleno século XXI, após tantas lutas, tanto sangue derramado, tantas perdas pela garantia dos direitos humanos, ainda possamos assistir crimes tão hediondos. Lutamos apenas por uma educação de qualidade: que alunos e alunas não estudem em salas de aula onde eram quartos de residências, ou em antigo lava-jato; que os professores e professoras sejam bem remunerados e qualificados; que haja recursos tecnológicos nas escolas; que o dinheiro da educação seja aplicado na educação, não em contas particulares ou desviado para outros fins. Exigimos que cada cidadão, independente de cor, opção sexual, profissão, credo, seja tratado com dignidade e que seja beneficiado pelas políticas públicas criadas para que tenhamos uma vida melhor. QUE MAL HÁ NISSO?
Estamos caminhando para a segunda semana da greve, e o nosso saldo é incompreensível:
• Dois assassinatos cruéis e pais, mães, esposas, filhos, irmãos e amigos desolados, tristes, sem chão;
• A comunidade em luto;
• A pauta de reivindicação (re) siginificada: agora não queremos apenas os direitos a priori reivindicados. Queremos, também, especial e urgentemente, que se esclareçam os fatos e que tanto o mandante quanto os assassinos paguem pelos seus atos.
Será que continuarão a matar professores? Manifestamos a nossa indignação e clamamos por justiça, por isso convidamos a sociedade civil organizada, as escolas, igrejas, etc., a nos ajudar, enviando manifestos à Secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia, exigindo esclarecimento dos fatos e punição dos culpados, a fim de que possamos ter motivos para continuar na docência, afirmando que é preciso o exercício da cidadania, que os nossos alunos e alunas não se calem diante dos desmandos dos governos.
Pedimos também que sejam feitas Moções de Repúdio ao acontecimento nas Reuniões das Câmaras de Vereadores das cidades brasileiras, na Câmara de Deputados e no Senado, além de exigir do poder público, celeridade nas investigações e punição dos culpados.
Hoje estamos de luto e não sabemos quando esta dor vai passar. A primavera já não chegou como outrora, já não teremos mais o sorriso de Elisney nem de Álvaro para florescer nossos dias. Eles foram tirados do nosso convívio, mas ainda é forte o grito de justiça, o brado por uma educação de qualidade. Por isso, mas do que nunca, A GREVE CONTINUA!
Fonte: ANDES-SN
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