Agradeço aos camaradas Rodrigo Fonseca e Ivan Pinheiro pelo convite, em nome do PCB, para dizer algumas palavras no lançamento, em Porto Alegre, das Teses do XIV Congresso do Partido Comunista Brasileiro. Convite que constituiu uma honra e privilégio, sobretudo devido ao caráter que avalio como histórico, não apenas no que refere ao Brasil, do núcleo da elaboração oferecida à discussão, materializado nas teses sobre a “Estratégia e a Tática da Revolução Socialista no Brasil”.
A humanidade vive momentos dramáticos. Em fins dos anos 1980, a vitória da contra-revolução neoliberal confiscou duramente conquistas sociais históricas dos trabalhadores, restaurando a ordem capitalista nos Estados onde a burguesia fora expropriada. As sequelas objetivas e subjetivas para o mundo do trabalho foram imensas. O avanço e ditadura do capital, em sua fase senil, já materializam a dramática alerta de Rosa Luxemburgo, no início do século 20, de que a derrota do socialismo abrirá inexoravelmente o caminho ao reino da barbárie.
Impõe-se, portanto, a imprescindível superação das contradições capitalistas e reorganização da sociedade a partir dos valores do mundo do trabalho, ou seja, a racionalidade, solidariedade, fraternidade, trabalho não alienado, etc. Para tal, torna-se indispensável a difícil e complexa construção das condições subjetivas e objetivas que apóiem o moderno operariado, na sua tarefa histórica de acaudilhar os trabalhadores da cidade e dos campos e as classes intermediárias como um todo, na luta pela superação da organização social capitalista.
Entre os instrumentos fundamentais para a facilitação daquele processo, destacam-se sobremaneira, por um lado, uma reflexão radical que desvele as essências e contradições profundas das formações sociais em questão, por outro, os organismos que transformem essa ciência proletária em consciência, organização e movimento. Ou seja, em palavras breves, é urgente a construção de programa e de partidos revolucionários, instrumentos imprescindíveis para a boa solução do confronto histórico entre o passado e o futuro.
As teses “A estratégia e a tática da revolução socialista no Brasil” apresentadas pelo comitê central do PCB à discussão de seus militantes e dos revolucionários do nosso país, constituem valioso documento. [http://www.pcb.org.br/] Por um lado, comportam refinada análise sintética e concreta das contradições históricas e de classe da formação social brasileira, com destaque para o presente, e, por outro, substancial proposta de intervenção revolucionária. A seguir, me referirei a esse documento, em forma sumária e, portanto, necessariamente seletiva e redutora.
As teses abrem-se com rica crítica e autocrítica das visões etapistas – frente-populistas – da revolução que propuseram no passado, devido aos chamados resquícios escravistas ou semi-feudais da antiga formação social brasileira, a precedência de revolução democrática e anti-imperialista, em aliança e sob a direção da burguesia dita democrática e industrialista, para apenas, concluída está última, avançar programa socialista sobre a direção proletária. Estratégia internacional que não pode certamente ser imputada a um mero erro de avaliação política, responsável por tão graves derrotas, no Brasil e no mundo.
Nas Teses, a superação substancial dessa proposta dá-se através de refinada retomada da visão marxiana de “revolução permanente”, que assinala a imprescindível realização da revolução socialista e proletária, para o cumprimento das próprias tarefas democráticas. O documento destaca pertinentemente que, mesmo no passado europeu distante, quando da “aliança” dos trabalhadores “com a burguesia” então revolucionária, “contra os setores feudais”, Marx lembrava que “o proletariado deveria manter sua independência e autonomia” para transformar “a luta democrática em luta socialista”.
Uma proposta que se dá no contexto de sólida definição da vigência do programa socialista no Brasil. Um país onde, lembra o documento, a exploração social se deve essencialmente por excesso e não por falta de capitalismo, devido à hegemonia plena do capital monopolista, nacional e internacional, em forte integração. Uma revolução socialista que deverá ser necessariamente realizada, para seguir seu curso normal, através da constituição de “bloco histórico” dirigido pelo moderno proletariado que reuna os trabalhadores rurais e urbanos, os setores médios proletarizados e as massas subproletárias.
Em oposição à habitual construção de programas socialistas para serem agitados nos momentos cerimoniais, as Teses lembram a necessidade de que a estratégia condicione e determine sempre e a cada momento a tática, rompendo com a subordinação do geral às exigências oportunistas do particular. Exigem, igualmente, na mais estrita retomada da visão revolucionária e marxiana, a necessária refundação radical do Estado, através da expropriação dos grandes meios de produção, postos a serviço da coletividade, sob o controle democrático dos trabalhadores.
Nesse processo, é lembrada a necessidade dos oprimidos de se preparem à inevitável oposição violenta dos opressores à sua emancipação, negando as propostas de coexistência pacífica, de superação democrática do capitalismo. Políticas que causaram repetidas hecatombes entre as populações trabalhadoras, ao desarmá-las diante da fúria armada dos opressores, exercida sempre nos momentos de crise social profunda, como nos casos exemplares do Brasil e do Chile.
Nesse relativo, apenas agregaria que a centralidade política operária exigida pelas Teses determina igualmente como absolutamente estranhas à tradição comunista revolucionária as aventuras putschista e vanguardistas, urbanas e rurais, iguais às de 1935 e 1969-75, realizadas por vanguardas, por mais bem intencionadas que sejam, à margem da decisão e da ação das massas trabalhadoras da cidade e do campo. Ação, esta sim, que pode assumir as mais variadas formas táticas.
Igualmente em resgate da mais lídima tradição marxiana e leninista, as Teses negam as visões e idealizações burocráticas do Estado, essencialmente anti-socialistas. Nesse sentido, registram explicitamente a necessidade de, na procura da construção de nova organização estatal, operária, popular e democrática, que se aponte sempre à necessidade da superação-destruição do Estado, lutando-se para a concretização das condições nacional e internacional para tal processo.
As Teses não constituem mera agitação de princípios gerais, por mais corretos que sejam. Pretende e destaca-se como aplicação criativa do marxismo revolucionário à formação social brasileira, para orientação da luta pela sua emancipação. Nesse sentido, definem sinteticamente a formação do Estado burguês, no contexto da Revolução de 1930, e sua consolidação, através do primeiro interregno democrático, na Ditadura de 1964-85 e, sobretudo, quando do retorno à ordem constitucional, consubstanciada na Constituição de 1988. Período no qual a ditadura de classe [democrática] se consolidou e se consolida através de legitimação das suas instituições entre os explorados.
Na discussão da atual conjuntura, as Teses apresentam precisa crítica do processo de inexorável degeneração do já limitado programa democrático popular do Partido dos Trabalhadores. Processo que levou a essa organização a constituir-se, finalmente, como instrumento particular da execução da ditadura do grande capital monopolista, nacional e internacional, sem diferenciação de essência com os partidos burgueses tradicionais na oposição.
As Teses realizam igualmente precisa e implacável análise da cooptação dos largos segmentos partidários, sindicais, administrativos, etc., de origem popular, pelo capital, e suas consequentes atuações em favor deste último. Esses setores são assinalados como parte integrante dos aparatos de manutenção da ditadura democrática do capital sobre a população brasileira e definidos como inimigos dos trabalhadores.
Agregaríamos apenas a necessidade de ajuntar, a essa sensível e precisa caracterização, a enorme influência subjetiva e objetiva da vitória da contra-revolução mundial neoliberal de fins dos anos 1980, no processo de degeneração de partidos, programas, sindicatos, lideranças, intelectuais, etc., no passado, integrantes, mais ou menos efetivos e coerentes, do campo do trabalho.
Sobretudo, as Teses delimitam a ação dos trabalhadores à política do Bloco Proletário. Bloco porém que supere, na sua atuação, as limitações da luta e do programa estratégico através da construção, junto a todos as “forças anticapitalistas” do Brasil, de “programa de transição”, que apresente reivindicações democráticas e econômicas urgentes. Reivindicações que, na sua própria enunciação/materialização, fragilizem o capital, fortaleçam o bloco dos trabalhadores e aprofundem as lutas pelo socialismo. A proposta da construção de poder proletário em oposição ao burguês [“duplo poder”], na luta pelo socialismo, constitui instrumento permanente de análise das Teses.
A urgência das necessidades da luta anti-capitalista, da qual dependem, em um sentido geral e histórico, a própria sobrevivência da humanidade, exige, como assinalado, programa e partido revolucionários para os trabalhadores. A vitória do capital foi e tem sido facilitada pela dramática fratura ocorrida, sobretudo em fins dos anos 1920, no movimento e no programa comunista internacional, através de todo o mundo e no Brasil.
Ao apresentarem à discussão as Teses, os camaradas da direção do Partido Comunista Brasileiro avançaram as condições essenciais para a soldadura dessa ruptura subjetiva e objetiva ocorrida no movimento comunista internacional, como apenas assinalado. O documento “A estratégia e a tática da Revolução Socialista no Brasil” constitui proposta de sentido histórico não apenas para a luta de classes no Brasil. Portanto, impõe-se a complexa e não certa compreensão plena e geral do sentido profundo do proposto. Assim como a também difícil mais ampla materialização possível das perspectivas abertas. A história do movimento comunista internacional como um todo é também rica de oportunidades perdidas, pagas duramente pelas classes trabalhadoras e populares.
Vivemos momento histórico em que se abrem possibilidades para a discussão da reunificação dos comunistas revolucionários, em torno da luta intransigente dos princípios do internacionalismo e da emancipação socialista dos trabalhadores e trabalhadoras. Portanto, gostaria de finalizar relembrando jovens militantes comunistas como Mário Pedrosa, Lívio Xavier, Fúlvio Abramo e Bejamin Péret, que, em fins dos anos 1920 e inícios de 1930, organizaram-se no Brasil na pequenina Liga Comunista Internacionalista, em defesa do mesmo programa e dos princípios gerais agora propostos, nas Teses, com singular radicalismo, concretude, precisão e, por que não registrar, elegância textual. Tenho certeza de que, desde o paraíso da lembrança inesquecível para onde vão todos os lutadores socialistas consequentes, nos gritam, contentes, avante, camaradas, os proletários e oprimidos nada temos a perder, a não ser seus grilhões!
Porto Alegre, quarta-feira, 10 de junho de 2009
FONTE: PALAVRAS ACESAS